OS BACHARÉIS E OS ADVOGADOS: O ABSURDO DO EXAME DE
ORDEM
Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional
23.12.2007
SUMÁRIO: 1.
Apresentação. 2. Os bacharéis e as profissões liberais. 3. O bacharel e o
advogado. 4. O artigo do Dr.
Leon Szklarowsky. 4.1. As Ordenações Filipinas. 4.2. Ruy não fez o
Exame da OAB. 4.3. A relação
dos juristas. 4.4. A quem interessa a manutenção do Exame? 4.5. O direito comparado.
1. Apresentação
Os dirigentes da
Ordem dos Advogados do Brasil costumam dizer que os cursos jurídicos formam
bacharéis, e não advogados, e que o seu Exame de Ordem é necessário, devido à
proliferação dos cursos jurídicos de baixa qualidade.
A Revista
Jurídica Consulex, de novembro de 2.007 (Ano XI – nº 260), publicou “matéria de capa”, com treze páginas,
intitulada “Exame
de Ordem – Extinção ou Aperfeiçoamento”, assinada pelo Dr. Leon Frejda Szklarowsky. Veja
aqui a matéria, na internet:
http://www.profpito.com/RevistaConsulexMATERIASOBREOEXAMEDAOAB.pdf
Posteriormente,
já no mês de dezembro, o mesmo artigo foi publicado, sob o título “Exame de
Ordem – a quem interessa sua extinção?”, em duas revistas jurídicas, na
internet, o Jus Navigandi (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10750)
e o Jus Vigilantibus (http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/30330/).
Nestas publicações, foi suprimido, porém, o artigo “A Proliferação dos Cursos
de Direito e o Exame de Ordem”, de autoria do atual Presidente da OAB, o Dr.
Cezar Britto Aragão, que constava da matéria antes publicada na Consulex.
Os
argumentos do Dr. Leon Szklarowsky e dos inúmeros
outros juristas citados, na minha opinião, não são
argumentos jurídicos. Limitam-se, na verdade, todos eles, a dizer, apenas, que
o Exame de Ordem é necessário e que os cursos jurídicos formam bacharéis, e não
advogados.
Por essa razão, sou obrigado a tentar rebater esses
argumentos, o que será feito, inicialmente, pelo exame da caracterização
jurídica do bacharel e do profissional liberal, para que possa ficar
evidenciada, posteriormente, a inconstitucionalidade do Exame de Ordem da OAB e
a fragilidade da argumentação que tem sido apresentada pelos seus defensores.
2. Os bacharéis e
as profissões liberais
Existem hoje, no
Brasil, provavelmente, 53 (cinqüenta e três) profissões liberais
regulamentadas. De Advogado até Zootecnista, são 53
profissões, cuja relação pode ser obtida na página do Ministério do Trabalho e
Emprego, com as respectivas normas regulamentadoras: http://www.mtecbo.gov.br/regulamentacao.asp#b
O profissional
liberal é aquele que trabalha, ou que pode trabalhar, por conta própria. Em
regra, e esse é um direito fundamental, garantido pelo inciso XIII do art. 5º
da Constituição Brasileira, todos são livres para trabalhar e para exercer a
sua profissão, com uma única limitação, que a Constituição permite: ”atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Ressalte-se que
essa é uma “cláusula pétrea”, ou seja, esse direito fundamental não pode ser,
de nenhuma forma, alterado ou reduzido. De acordo com o §4º do art. 60 da
Constituição Federal, nem mesmo uma emenda constitucional poderia abolir esse
direito. Não poderia, nem ao menos, ser objeto de deliberação, uma proposta de
emenda constitucional tendente a abolir esse direito fundamental. Não precisaria dizer, a proposta: fica
abolida a liberdade de profissão. Basta que ela seja tendente a abolir, ou a
restringir, esse direito fundamental.
O que a
Constituição Federal permite é, apenas, que sejam exigidas, por lei – do
Congresso Nacional, evidentemente – determinadas qualificações profissionais,
fixadas com a necessária razoabilidade, e sempre no interesse público. Não pode
servir, essa lei, portanto, para inviabilizar a própria liberdade de exercício
profissional.
Assim, se nem
mesmo uma emenda constitucional, aprovada pelo Congresso Nacional, por 3/5 de
votos, em dois turnos de votação, nas duas Casas, poderia restringir essa
liberdade, muito menos poderia fazê-lo uma lei ordinária, como o Estatuto da
OAB, a Lei nº 8.906/1.994, com as disposições
inconstitucionais do seu art. 8º, que criaram um “Exame da OAB”, usurpando a
competência do poder público, através do Ministério da Educação, conforme será
explicitado em seguida.
Verifica-se,
portanto, que a Constituição permite que a lei estabeleça limitações,
porém de forma restritiva: somente as limitações referentes
às qualificações profissionais, de quem pretende exercer uma
determinada profissão.
Dessa maneira,
para certas profissões, cujo exercício o legislador considera, naturalmente, de
maior interesse para a sociedade, existe a exigência legal de um diploma de
nível superior, obtido
Portanto, os
profissionais liberais, a exemplo dos médicos, advogados, engenheiros,
administradores, economistas, etc., podem trabalhar por conta própria, em seus
escritórios e consultórios, mas estão sujeitos às exigências legais, ou seja,
precisam ter a formação técnica ou superior específica, e o seu exercício
profissional está sujeito à fiscalização de sua entidade de classe, do seu
conselho profissional, também criado por lei federal. Evidentemente, qualquer
profissional liberal pode trabalhar, também, com vínculo empregatício, e até
mesmo estatutário, na hipótese de trabalhar para um ente da administração
pública direta ou indireta, federal, estadual ou municipal.
Nesta última
hipótese, teremos os cargos ou empregos públicos, para cujo ingresso a
Constituição exige o concurso público, com a exceção dos cargos em comissão
(art. 37, II) e das contratações por tempo determinado (art. 37, IX).
De qualquer
maneira, para trabalhar como profissional liberal, ou como empregado, em uma
empresa privada ou em um órgão público, o profissional precisará cumprir as
exigências legais, ou seja, deverá estar qualificado, especificamente, para
a sua profissão, e deverá estar inscrito em seu órgão de classe, que
terá a incumbência de fiscalizar o seu exercício profissional. Excluem-se
dessas exigências, obviamente, os que exercem profissões não regulamentadas:
mecânico de automóvel, fotógrafo, carpinteiro, etc...
Evidentemente, essa última exigência, a de
inscrição do bacharel em seu órgão de classe, decorre do fato de que compete à
União “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”, nos termos do
inciso XXIV do art. 21 da Constituição Federal. Assim, os Conselhos
Profissionais recebem uma delegação do poder público, para a fiscalização do
exercício profissional. Através de leis específicas, os Conselhos Profissionais
recebem, do Estado Brasileiro, uma delegação de competência, referente a essa “atividade
típica do Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no
que tange ao exercício de atividades profissionais” (ADIN 1.717-DF, na qual
o STF decidiu que os Conselhos Profissionais não poderiam ter natureza jurídica
de direito privado).
Portanto, em
síntese: de acordo com a Constituição (art. 5º, XIII, art. 21, XXIV, art. 205, e
art. 209), o bacharel, portador de um diploma de nível superior, poderá
inscrever-se em seu órgão de classe, mediante a simples apresentação desse
diploma. Esse órgão de classe terá competência, apenas, para a fiscalização do
exercício profissional, e não para avaliar a qualificação profissional do
bacharel, através de qualquer tipo de exame, como o Exame da OAB.
Essas normas
constitucionais são válidas - ou deveriam ser válidas, em decorrência do
princípio da isonomia -, para todas as profissões. A lei federal exige uma
determinada qualificação profissional, ou seja, um curso de medicina, de
engenharia, de direito, etc., e dessa maneira, ao término desse curso superior,
o acadêmico receberá um diploma, que atesta a sua qualificação profissional
específica. De acordo com o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394, de 20.12.1.996), “Os diplomas de cursos superiores
reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da
formação recebida por seu titular.”
Este é o
bacharel, o acadêmico que estudou durante alguns anos,
No entanto, a
lei exige, também, para todos esses profissionais, a inscrição
O médico, por
exemplo, somente poderá exercer a sua profissão se estiver regularmente
inscrito no Conselho Regional de Medicina. Em caso contrário, mesmo que ele
tenha concluído o Curso de Medicina e tenha o seu diploma, ele poderá estar
cometendo um crime: o de exercício ilegal da profissão, previsto no art. 282 do
Código Penal: “Exercer, ainda que a
título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem
autorização legal ou excedendo-lhe os limites.”
Em suma: para
todos os bacharéis, é necessária a inscrição no seu Conselho profissional. Se o
bacharel em engenharia exercer a profissão sem estar inscrito no CREA, estará
cometendo uma contravenção penal. O mesmo para o bacharel em Direito, que
precisará estar inscrito na OAB, ou para o bacharel em Administração, que
deverá estar inscrito no CRA.
Assim, qualquer
pessoa, bacharel ou não, que “Exercer
profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as
condições a que por lei está subordinado o seu exercício”, estará cometendo uma
contravenção penal, tipificada no Decreto-lei nº
3.688/1.941 (Lei das Contravenções Penais).
Apenas para o médico, o dentista e o
farmacêutico, a lei se preocupou em tipificar a existência de um crime, e não
de uma simples contravenção...
3. O bacharel e o advogado
Portanto, no Brasil, de acordo com as
normas constitucionais e legais, o acadêmico se transforma em bacharel quando
recebe um diploma, que serve para atestar a sua qualificação profissional. Para
todas as outras profissões liberais, com exceção da advocacia, o bacharel
precisará, apenas, inscrever-se no seu órgão de classe, para poder exercer a
sua profissão, sem que para isso precise submeter-se a um Exame. Ressalte-se
que várias tentativas foram feitas, já, para a implantação de um Exame,
semelhante ao da OAB, para outras profissões: administração, corretores de
imóveis, contadores, medicina veterinária, etc. No Congresso Nacional, tramitam
diversos projetos, tanto os referentes à extinção do Exame da OAB, como aqueles
que propõem a criação de Exames para os médicos e até mesmo para todas as
profissões.
Mas hoje, de acordo com as normas vigentes,
a situação é exatamente esta: qualquer bacharel, de posse de um diploma, pode
obter a inscrição no seu conselho profissional e pode exercer, livremente, a
sua profissão liberal. Para exercer a
profissão de advogado, no entanto, o bacharel em direito precisará ser aprovado
no Exame de Ordem, sem o que ele não será inscrito nos quadros da OAB.
Os defensores do Exame dizem que os cursos
jurídicos formam bacharéis, e não advogados, e que os bacharéis em Direito
terão várias opções: os concursos para a magistratura, para o Ministério
Público, e outros, mas que se eles pretenderem advogar, precisarão ser
aprovados no Exame de Ordem, que é um “filtro” necessário, para evitar que a
advocacia seja exercida por profissionais “despreparados”, em decorrência da
proliferação dos cursos de baixa qualidade.
É verdade que os cursos jurídicos formam
bacharéis, e não advogados. Mas não é esse o problema. Não resta dúvida de que todos
os cursos superiores formam bacharéis. O curso de Medicina também forma
bacharéis, que somente poderão exercer a profissão depois de regularmente
inscritos no CRM - Conselho Regional de Medicina. O curso de Engenharia também forma
bacharéis, que somente poderão exercer a profissão depois de regularmente
inscritos no CREA - Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
Além disso, assim como os bacharéis em Direito
têm várias opções, o mesmo acontece em outras áreas, como na Medicina e na Engenharia,
porque esses profissionais também podem trabalhar por conta própria, sem
vínculo empregatício, ou podem trabalhar, com carteira assinada, para qualquer
empresa privada, e até mesmo para o poder público, em órgãos da administração
pública direta ou indireta, federal, estadual ou municipal...
O problema está em que o Exame existe,
apenas, para os bacharéis em Direito, e que não compete à OAB – nem a qualquer
outro conselho profissional - avaliar a qualificação do bacharel, que já se
encontra certificada pelo diploma, que lhe foi conferido por uma instituição de
ensino superior, fiscalizada e avaliada pelo Ministério da Educação.
No entanto, no Brasil, de acordo com os
dirigentes da OAB, o bacharel em Direito não é nada. Ele não tem profissão. Todos
os outros bacharéis, ao contrário, depois de diplomados, podem ter uma
profissão, sem a necessidade de passar por uma dessas avaliações espúrias.
Aliás, um “Doutor”, formado pela PUC de São
Paulo, desembargador aposentado e professor universitário, chegou mesmo a
dizer, em rede nacional de TV – no programa Fantástico, de 26.06.2005 -, que o bacharel
reprovado no Exame da OAB é uma porcaria, que vai prejudicar os outros
no exercício da profissão e que a Ordem está ensinando: “olha, você precisa melhorar de nível. Quando deixar de ser uma
porcaria, como aplicador do Direito, então você vai poder trabalhar como
qualquer um”.
De acordo com esse Doutor, portanto, o
bacharel em Direito é uma porcaria, apesar de ter obtido um diploma, de uma
instituição de ensino superior, fiscalizada pelo MEC. O insulto é extensivo,
evidentemente, a todos os professores universitários, ao MEC e às instituições
de ensino superior.
Mas o fato é que o bacharel em Direito não
pode trabalhar, a não ser que a Ordem permita que ele seja aprovado no seu Exame.
Que não é fiscalizado por ninguém e que, aliás, a cada ano, reprova um
percentual ainda maior, dos bacharéis inscritos. Mais de 90%, em alguns
casos...
Verifica-se, também, que o Exame da OAB se
parece, cada vez mais, com um concurso público. O que os defensores do Exame da
OAB entendem, e às vezes até confessam, é que existem poucas vagas disponíveis,
porque o mercado de trabalho da advocacia já está saturado. Assim, ao que tudo
indica, o Exame é um “filtro” necessário, porque é preciso selecionar uns
poucos, talvez dez ou vinte por cento dos candidatos inscritos!
Também se observa que a OAB tem procurado
“unificar” o Exame, para que todas as Seccionais se submetam ao CESPE, da UNB,
especializado em concursos públicos. Dentre outras finalidades, talvez para
evitar os constantes escândalos, referentes à venda de gabaritos e aos diversos
favorecimentos, que têm sido denunciados, até mesmo com a prisão de dirigentes
da OAB, em Goiás, Distrito Federal, São Paulo, etc...
Mas é evidente que os cursos jurídicos
formam bacharéis, e não advogados. Para que o bacharel possa exercer a
advocacia, ele precisará inscrever-se nos quadros da OAB. O problema está,
portanto, em que a OAB, para inscrever o bacharel nos seus quadros, e assim
“transformá-lo” em advogado, não poderia exigir a aprovação no seu Exame de
Ordem. Essa é, exatamente, a inconstitucionalidade, material, formal e principiológica, também, porque
atenta contra o princípio da isonomia. Ou seja: por que um Exame, apenas para o
bacharel em Direito?
O curso jurídico, como qualquer outro curso
superior, forma bacharéis, que estão qualificados para o exercício de diversos
cargos ou empregos públicos, bem como para o exercício de uma profissão
liberal. A diferença está em que, para o exercício dos cargos ou empregos
públicos, sendo limitado o número de vagas, deverão ser selecionados
os “melhores”, através de concursos públicos, em homenagem aos princípios
constitucionais da igualdade, da moralidade, da impessoalidade, etc.
Assim, para que os bacharéis em Direito exerçam
os diversos cargos ou empregos públicos, na área jurídica, como os da
magistratura, os do “parquet” e os do magistério, eles deverão ser
aprovados, evidentemente, em concursos públicos, de caráter classificatório. As
exceções ficam por conta dos cargos de confiança e das contratações
temporárias.
No
entanto, para que possam advogar, na correta
interpretação de nossa Lei Fundamental, basta que se inscrevam na OAB. Como,
aliás, ocorre, evidentemente, com qualquer outro bacharel, em todas as
profissões regulamentadas.
Não é possível dizer, e nem ao menos
insinuar, portanto, que o Exame de Ordem é uma espécie de concurso público,
porque não existem cargos ou empregos públicos, para serem preenchidos, e
porque a OAB não é um órgão público, nem irá, certamente, remunerar os
bacharéis/advogados aprovados
Além disso, a advocacia é uma profissão
liberal, como tantas outras, e somente dois requisitos poderiam ser
constitucionalmente exigidos, para o seu exercício: a qualificação
profissional, atestada pelo diploma e a inscrição do bacharel na
Ordem dos Advogados do Brasil.
Portanto, o bacharel em Direito é o
acadêmico diplomado por uma instituição de ensino superior, da área jurídica, e
o advogado é o bacharel inscrito na OAB.
Para Ruy Barbosa
(Comentários, Homero Pires, v.6, p.40), a questão é muito simples, exatamente o
que estou dizendo: "demonstrada a aptidão profissional, mediante a
expedição do título, que, segundo a lei, cientifica a existência dessa aptidão,
começa constitucionalmente o domínio da liberdade profissional."
Ressalte-se que,
na época, no início do Século passado, o bacharel nem precisaria inscrever-se
na OAB, que ainda não havia sido criada. Bastava-lhe o diploma, para que ele
pudesse gozar do seu direito fundamental ao livre exercício da advocacia, que
está hoje consagrado no inciso XIII do art. 5º da Constituição. Não precisaria,
também, obviamente, submeter-se ao Exame de Ordem da OAB, como Ruy Barbosa não
se submeteu, e nem a imensa maioria dos nossos mais renomados juristas, e dos
advogados, que hoje estão inscritos na OAB e que no entanto se calam, ou até
mesmo defendem, abertamente, essa absurda inconstitucionalidade, que afronta os
direitos fundamentais de milhões de bacharéis em Direito – no dizer do
Presidente da OAB, seriam quatro milhões – , muito provavelmente com a
finalidade de fazer uma reserva de mercado, protegendo o mercado de trabalho
dos atuais inscritos, que parecem ter medo da concorrência dos novos bacharéis
em Direito, apesar da propalada má qualidade do ensino jurídico, que os
dirigentes da OAB fazem questão de alardear.
4. O artigo do Dr. Leon Szklarowsky
O já referido artigo, quer em sua
publicação original, na Revista Consulex, quer nas
publicações posteriores, aparece como um trabalho hercúleo do Autor, que é
Conselheiro e Presidente da Comissão de Arbitragem da OAB/DF, na tentativa de
justificar o Exame de Ordem, certamente em decorrência dos inúmeros ataques que
ele vem sofrendo, pela via judicial, através da propositura de inúmeros
mandados de segurança, ações declaratórias, e outras, ou nos meios políticos,
com a apresentação de diversos projetos, que visam a sua extinção, no Congresso
Nacional, ou com as críticas doutrinárias, constantemente divulgadas pela
mídia, em todo o Brasil, e até mesmo com as diversas operações e investigações
diversas, da Polícia Federal, que têm sido feitas
4.1. As Ordenações Filipinas
Assim, o Autor iniciou o seu longo artigo
fazendo um breve histórico a respeito da advocacia e da criação da Ordem dos
Advogados. Em seguida, ele iniciou a abordagem do Exame de Ordem, dizendo,
logo, que o Exame não é novidade, porque “as
Ordenações Filipinas já o exigiam para os que fossem atuar na Casa de
Suplicação, em Portugal”. E, imediatamente, complementou: “é uma forma de aquilatar os conhecimentos
jurídicos básicos, técnicos e práticos daqueles que pretendem exercer a
advocacia. Só a Ordem dos Advogados pode faze-lo”,
e citou o art. 8º, §1º do Estatuto da
Advocacia, que “determina que a regulamentação se fará por meio de Provimento”.
Naturalmente,
com esse “importante” precedente histórico, mesmo sem se preocupar em
esclarecer que a Casa da Suplicação tinha competência para receber recursos
contra as decisões dos tribunais brasileiros, o Autor pretendeu demonstrar,
desde logo, que o Exame de Ordem é a coisa mais natural do mundo e que não é,
absolutamente, inconstitucional.
Aliás, ele
também não se preocupou em esclarecer se esse Exame era feito pelo Estado
português, através da própria Casa da Suplicação, ou se era feito por alguma
Sociedade de Advogados, à semelhança das Guildas, que
desde a Idade Média atuaram, em toda a Europa, contra a liberdade de exercício
profissional, que ainda não era juridicamente reconhecida. Dessa forma, somente
poderiam exercer uma profissão – especialmente aquelas mais importantes e
melhor remuneradas – os filhos, ou os protegidos, dos dirigentes dessas Guildas. Ou seja, os nobres, e os filhos dos nobres...
Também não se
preocupou, o Autor, em esclarecer que as Ordenações Filipinas já foram revogadas,
que o Brasil já teve sete Constituições, depois disso, e que a Constituição
atual garante, como cláusula pétrea, a liberdade de exercício profissional, no
inciso XIII de seu art. 5º.
A comparação é,
portanto, para dizer o mínimo, inteiramente absurda.
4.2. Ruy não fez
o Exame da OAB
Mas o Dr. Leon Szklarowsky buscou enfatizar, em seu artigo, a importância
da figura do advogado, desde a Antiguidade, para finalmente citar algumas
palavras de Rui Barbosa, referentes à vocação do advogado: “amar a pátria, estremecer o próximo, guardar
a fé em Deus, na verdade e no bem”.
Esqueceu, porém,
de dizer, que o maior dos advogados brasileiros, que nunca foi inscrito na OAB,
porque esta não existia, nem fez, evidentemente, o Exame de Ordem, defendia
a liberdade profissional do bacharel, conforme já referido anteriormente,
na citação transcrita dos “Comentários de Ruy Barbosa, coligidos por Homero
Pires”: "demonstrada a
aptidão profissional, mediante a expedição do título, que, segundo a lei,
cientifica a existência dessa aptidão, começa constitucionalmente o domínio da
liberdade profissional."
4.3. A relação dos juristas
A seguir, o Autor sentenciou: “Quanto à
necessidade do Exame de Ordem, que tem o seu equivalente no Direito Comparado,
com extremo rigor, a maioria dos juristas é francamente favorável à sua
manutenção. Raras são as vozes que se levantam em seu desfavor”.
Com isso, o Dr. Leon Szklarowsky
passou a citar esses juristas: Carlos Mário Velloso, Roberto Rosas, Fábio
Ferreira de Oliveira, João Nascimento Franco, Teófilo Cavalcante Filho, Marcelo
Laveniere, Maria Moura Martins, Vitorino Francisco
Antunes Neto, Michel Temer, José Afonso da Silva, Calamandrei,
Álvaro de Melo Filho, Fábio Ferreira de Oliveira, Reginaldo Oscar de Castro,
Ronaldo Cardoso Alexandrino, Marcelo Guimarães da Rocha e Silva, Paulo Roberto
de Gouvêa Medina, Alberto Venâncio Filho, César Luiz Pasold,
José Cid Campêlo, Estefânia
Viveiros, Luiz Flávio D’Urso, Ives Gandra da Silva
Martins, Flávio Bierrenbach, Marco Maciel, César
Brito Aragão, Cássio Mesquita Barros Junior, João Batista Prado Rossi, Nehemias Gueiros, Waldyr Troncoso
Peres, Domingos Marmo, Geraldo Ferrari, Ruy Homem de
Mello Lacerda, Paulo Luiz Lobo, e Ruy de Azevedo Sodré.
Não resta dúvida de que se trata de uma
relação impressionante, dos mais renomados juristas, muitos deles ilustres dirigentes da OAB, encabeçada aliás pelo nome do
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário Velloso. Que,
aliás, teve a sua opinião transcrita, com direito a foto, na matéria da Consulex: “As escolas
de direito formam bacharéis e não advogados, o que é bem diferente.” E
complementada com a seguinte assertiva, do Dr. Leon Szklarowsky: “Esta também é a opinião da Corte
Suprema, enfatizada pelo Ministro aposentado Carlos Mário Velloso.”
Ao que se saiba, porém, ainda não existe
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quanto à constitucionalidade do
Exame da OAB, quer pela via do controle difuso, quer pelo controle concentrado.
Não resta dúvida, porém, de que muito
provavelmente o Supremo Tribunal Federal poderia decidir, eventualmente, pela
constitucionalidade desse Exame, em mais uma decisão política, como tantas
outras, algumas delas recentes, a exemplo daquela referente à contribuição dos
aposentados. Afinal, a influência dos dirigentes da OAB é enorme, sobre o Poder
Judiciário, quer na escolha do quinto constitucional, quer na indicação dos
membros do Supremo Tribunal Federal.
Apenas a título de curiosidade, verifica-se
que, na atual composição do Supremo, apenas o Ministro César Peluso era magistrado de carreira. José Paulo Sepúlveda
Pertence, recentemente aposentado, foi Conselheiro da OAB/DF (1.969-1.975); foi
membro do Conselho Federal da OAB (1.967-1.985); e Vice-Presidente da OAB
(1.977-1.981). Ellen Gracie Northfleet
integrou o Conselho Seccional da OAB/RS; e foi Diretora-fundadora da Escola
Superior da Advocacia da OAB/RS (1.986-1.987). Carlos Ayres Britto foi Conselheiro
Federal da OAB (1.993-1.994) e membro da Comissão de Constituição e Justiça da
OAB federal, nos períodos de 1.995-1.996 e 1.998-1.999. Eros Roberto Grau foi membro da Comissão de Acompanhamento dos
Trabalhos da Constituinte da OAB/SP, membro da Comissão de Acompanhamento
Constitucional, designada pelo Presidente do Conselho Federal da OAB e membro
da Comissão Pós-Constitucional, criada pelo Presidente do Conselho Federal da OAB,
em 12.09.1.988. Enrique Ricardo Lewandowski
foi Conselheiro da OAB/SP (1.989-1.990). Carmen Lúcia
Antunes Rocha foi membro da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho
Federal da OAB e membro da Comissão de Reforma Constitucional da OAB/MG (1.993).
Seria lícito supor, dessa maneira, que
poderíamos ter, muito provavelmente, mais uma decisão política de nossa Suprema
Corte, como no caso da contribuição dos aposentados, que atingiu até mesmo
servidores já aposentados, há alguns anos, e que mesmo assim voltaram a
contribuir para a previdência.
Mas, enquanto isso não acontece, não é
possível deixar de lado a constatação de que, embora seja, realmente,
impressionante, a relação de juristas citados pelo Dr. Leon Szklarowsky, para defender o Exame da OAB, mais
impressionante ainda é a falta de argumentos jurídicos, de tantos e tão
insignes cultores do Direito, porque a leitura atenta de suas opiniões
demonstra, na verdade, que todos eles dizem, apenas, que os cursos jurídicos
formam bacharéis, e não advogados, e que o Exame é necessário, devido à
proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade.
Quanto a essa
primeira alegação, de que os cursos jurídicos formam bacharéis, e não advogados, acredito já ter sido demonstrada, à saciedade, nos
tópicos anteriores, a sua total insignificância jurídica.
Quanto à
segunda, de que o Exame é necessário, basta fazer uma pergunta: será que, em
Direito, os fins justificam os meios?
Será que, pelo
fato de que exista uma proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade, e
de que o Ministério da Educação não esteja cumprindo a sua função, com o devido
rigor, passaria a pertencer à OAB a competência para fiscalizar o ensino, que
de acordo com o art. 209 da Constituição pertence ao
“poder público”?
Será que a OAB
poderia, por uma “exegese” semelhante, assumir, também, a competência do Poder
Judiciário, para tornar a Justiça mais célere e mais eficaz?
Será que a OAB
poderia, também, substituir as Defensorias Públicas, por uma simples questão de
necessidade, como, aliás, já vem acontecendo
Será que a
Constituição Federal não está sendo desrespeitada, também neste caso, pela
própria OAB, que insiste em manter os seus convênios de assistência judiciária,
mesmo sabendo que está invadindo a competência das Defensorias e promovendo,
ainda, o mercado de trabalho, sem concurso público, para 50 mil advogados,
somente
Será que a OAB poderia
substituir, também, o Ministério Público, em caso de necessidade?
Será que a OAB
poderia, também, assumir a competência dos órgãos de segurança, para combater o
crime organizado, tendo em vista os sérios problemas, tão freqüentemente
noticiados?
Será que a OAB
poderia, também, assumir a competência das autoridades que cuidam do nosso
sistema prisional, para evitar que se repetissem os absurdos desrespeitos aos
direitos humanos?
Será que a OAB
poderia assumir a competência do Congresso Nacional, caso necessário, também?
Ora, tenham a
santa paciência!
Enfim: até parece brincadeira, mas esse é o
raciocínio absurdo dos defensores do Exame da OAB: tendo em vista que o MEC não
cumpre as suas funções, o Exame da OAB é necessário, e os dirigentes da
OAB passam a desempenhar as funções do MEC.
E mais: como os cursos de Direito não têm
qualidade, os dirigentes da OAB passam a promover diversos encontros, para
ensinar aos professores universitários novas regras,
para o seu magistério (Vide a Carta
do X Seminário de Ensino Jurídico da OAB). E os dirigentes das instituições
de ensino superior, com receio de retaliações, talvez, se prestam a esse
teatro.
4.4.
A quem
interessa a manutenção do Exame?
Mas o que chama
a atenção, também, no artigo do Dr. Leon Szklarowsky,
é que nas publicações feitas posteriormente, no Jus Navigandi
e no Jus Vigilantibus, acima referidas, o título do
artigo foi alterado para: “Exame de Ordem – a quem interessa sua extinção?”
Parece que o
Autor pretendeu, com esse título, dizer que nós, que defendemos a extinção do
Exame da OAB, não temos razões jurídicas, e que somente o fazemos porque temos
algum interesse, provavelmente um interesse espúrio, que poderia ser,
talvez, o interesse do acadêmico, que não quer estudar, ou o interesse dos
dirigentes dos cursos jurídicos de baixa qualidade, que se preocupam apenas com
o lucro.
Não é verdade,
porém. Temos razões jurídicas suficientes, e custa crer que os defensores do
Exame não consigam entender essas razões. Além disso, não advogamos,
absolutamente, o fim do Exame da OAB, pura e simplesmente, apenas para que
proliferem os cursos jurídicos – e os outros cursos, de todas as áreas – de
baixa qualidade. O que defendemos é a Constituição, o mesmo, aliás, que deveria
fazer a própria OAB, de acordo com o art. 44 de seu Estatuto. O que defendemos
é a liberdade de exercício profissional, dos milhões de bacharéis em Direito,
que estão sendo impedidos de trabalhar, pelo Exame inconstitucional da OAB.
E tanto isso é
verdade, que recentemente encaminhamos a alguns políticos, através de nossos
colegas integrantes do MNBD - Movimento Nacional de Bacharéis em Direito (Veja
aqui: http://www.mnbd-rs.com.br/), que
recentemente se organizou para combater essa inconstitucionalidade, um
Anteprojeto de lei, que pretende a extinção do Exame de Ordem, mas também, em
contrapartida, a criação de um outro Exame, o ENAQ – Exame Nacional de
Avaliação da Qualificação Profissional, para todas as profissões, este sim
constitucional, porque feito pelo Ministério da Educação, em parceria com as
instituições de ensino superior, e não por uma corporação profissional, que não
tem competência para isso, como é mais do que evidente. Veja aqui o
anteprojeto: http://www.profpito.com/PROJETODELEIversaofinal.html
Poderíamos,
assim, devolver a pergunta do Dr. Leon Szklarowsky: a
quem interessa a
manutenção desse Exame inconstitucional?
Aos advogados já
inscritos, para evitar a concorrência e proteger o seu mercado de trabalho?
Aos cursinhos
preparatórios para o Exame da OAB, sendo que alguns são promovidos pelas
próprias Escolas Superiores da Advocacia, da própria OAB?
Às Editoras, que
publicam obras especializadas, para os candidatos ao Exame da OAB?
Aos dirigentes
da OAB, que ampliam, extraordinariamente, o seu poder, especialmente sobre as
próprias instituições de ensino jurídico?
4.5.
O Direito Comparado
Neste tópico, o
Dr. Leon Szklarowsky se preocupou em relacionar as
exigências existentes em diversos países, para o exercício da advocacia.
Em “nota de
agradecimento” , o Dr. Leon Szklarowsky fez
referência aos Doutores Mário Frota e Ângela Frota, de Portugal, Daniel
Domingos Scott, Esdras Dantas, Miguel Gerônimo da
Nóbrega Netto, Cássio Mesquita Barros Júnior e ao Dr.
Edmundo Oliveira, meu querido ex-aluno e renomado criminalista. O Dr. Edmundo
Oliveira é PhD
Diz, então, o
Dr. Leon Szklarowsky: “o Exame de Ordem ou o equivalente Exame de Estado, prestado perante
tribunais ou outros órgãos, é praticado na maioria dos países, como salvaguarda
das pessoas, da ordem jurídica e da sociedade.”
Verifica-se,
desde logo, que o Autor parece não fazer distinção nenhuma entre o Exame da OAB
e um “Exame de Estado, prestado
perante tribunais ou outros órgãos”.
Evidentemente,
no Brasil, o Exame da OAB é, sem dúvida, inconstitucional, mas poderia ser
criado um Exame de Estado, e essa foi, justamente, a proposta apresentada ao Senado, com o nosso anteprojeto, acima referido.
O Dr. Leon Szklarowsky precisa entender que o Exame de Estado, ou
seja, uma avaliação do ensino feita pelo próprio poder público – através
do Ministério da Educação, por exemplo – seria perfeitamente constitucional,
porque, de acordo com as normas vigentes, o ensino deve ser autorizado e
avaliado pelo poder público (Constituição Federal, art. 209, II).
O que não é
possível é que seja entregue, essa fiscalização, à própria Ordem dos Advogados,
porque esta é suspeita, para o exercício dessa competência, porque diretamente
interessada nos resultados dessa avaliação, e os seus dirigentes podem ser
tentados a proteger o mercado de trabalho dos advogados já inscritos em seus
quadros.
Entregar a
avaliação dos bacharéis nas mãos dos advogados é o mesmo que contratar a mucura
para guardar o galinheiro. O desastre é inevitável...
Verifica-se,
também, que da relação citada pelo Dr. Leon Szklarowsky
não constam os países da América do Sul, porque nenhum deles adota um Exame de
Ordem, para o exercício da advocacia.
Quanto aos outros
países citados, a maioria adota apenas a obrigatoriedade do estágio e de um
Exame, que tanto pode ser o Exame de Ordem, como o Exame de Estado. Foi o
próprio Dr. Leon Szklarowsky quem nos trouxe esses
dados, e volto a afirmar: o Exame de Estado, “que é prestado diante de
determinado órgão público ou tribunal”, conforme definido, também, no
próprio artigo do Dr. Leon Szklarowsky, pela citação
do Dr. José Cid Campelo (Revista Consulex, p. 26),
seria perfeitamente constitucional, se adotado no Brasil.
Quanto ao
“modelo português”, que foi examinado detalhadamente, o Dr. Leon Szklarowsky esqueceu, ou talvez desconheça, que
recentemente foi aprovado, em Portugal, um Projeto de Lei, pelo
qual fica proibido qualquer Exame semelhante, e até mesmo o famoso “OAB
Recomenda”: “Em
caso algum haverá numerus clausus
no acesso à profissão, nem exame de entrada na profissão, nem acreditação, pelas associações profissionais, de cursos
oficialmente reconhecidos.” (art.
21, nº3)
Aliás, esse Projeto foi defendido pelo
Professor Vital Moreira, constitucionalista da Universidade de Coimbra, que há
muito denuncia
a inconstitucionalidade desses Exames.
5.
A opinião do Dr. Carlos Humberto de Souza
O Dr. Carlos
Humberto de Souza, Juiz Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Goiás, já
decidiu contra a OAB, em diversas oportunidades. De acordo com a
opinião desse magistrado, “a exigência do Exame de Ordem pela OAB,
mais cedo ou mais tarde, ruirá; não passa de medida antipática; uma espécie de
castelo construído em base insólida, sobre areia, posto
que inconstitucional.”
A respeito da alegação de que as universidades não formam
advogados e sim bacharéis, diz o Dr. Carlos Humberto que “não tem qualquer sentido (lógico ou
jurídico) a tese sustentada pela OAB. Eventuais distinções em níveis infraconstitucionais
são gritantemente inconstitucionais. Isto é óbvio. (...) A Universidade (ou
Faculdade) é que tem a prerrogativa legal de outorgar ao aluno o diploma de
Bacharel em Direito, isto em razão do disposto no art. 207, da CF/88. Essa
formalidade de outorga de grau é pública e solene,
conferindo ao bacharel o direito de exercer, dentre inúmeras outras profissões,
a de advogado, mesmo porque, naquele instante, fez ele o juramento respectivo.
É preciso deixar bastante claro que, num primeiro momento, ou seja, do
vestibular até à outorga de grau, o aluno fica inteiramente por conta da
Universidade, cuja grade curricular é autorizada e fiscalizada pelo MEC. Dentro
desses dois limites, entendo que a OAB não pode e nem deve exercer qualquer
ingerência, seja de que natureza for.”
6.
Mais algumas opiniões
Pesquisando
na internet, foi possível encontrar mais algumas opiniões “jurídicas”, além das
citadas pelo Dr. Leon Szklarowsky. Ao fim, serão citadas outras,
pinçadas do próprio texto desse Autor. Vejamos:
“O Exame de Ordem é de absoluta importância para a sociedade de modo
geral, porque, na verdade, serve para garantir, ainda que minimamente, que os
bacharéis nele aprovados têm suficiência técnica para iniciar a advocacia.
... É preciso ter conhecimento que o curso de Direito não forma
advogados, assim como não forma juízes, não forma promotores de justiça, não
forma delegados, não forma procuradores municipais, estaduais ou federais. O curso de Direito forma bacharéis que, se quiserem
ser juízes, se quiserem ingressar no Ministério Público (Estadual ou Federal),
se quiserem integrar os quadros da Polícia Civil como delegados, devem se
submeter a prévios concursos públicos. E, com efeito, da mesma forma, se
quiserem advogar, também devem se submeter ao Exame de Ordem, que também é um
concurso, mas com uma ímpar característica, qual a de que os candidatos não
concorrem a uma vaga, disputando-a entre si, mas, dada a ilimitação
de seu número, concorrem, apenas, contra uma nota mínima, sem qualquer
limitação de lugares.” (José
Hipólito Xavier da Silva, Presidente da OAB-PR).
“É certo que o Curso de Direito não forma
advogados, mas bacharéis
“A
Faculdade de Direito não forma advogados, mas apenas bacharéis. Essa
constatação tem grande relevância, especialmente pelo fato de que muitos jovens
atualmente ingressam na faculdade apenas para prestar um concurso, mesmo que
não possam imaginar para quê. Isto é: não
pretendem ser advogados. Estão apenas a buscar um diploma. Dizia-se
antigamente, por exemplo, que se tornavam funcionários públicos os bacharéis
que não estudassem o suficiente para se tornarem advogados. Hoje, infelizmente,
muitos são os que buscam no emprego a sobrevivência que não conseguem encontrar
na advocacia.” (Raul Haidar, ex-conselheiro e ex-presidente do Tribunal de Ética
e Disciplina da OAB/SP)
“Eu acho que o Exame de Ordem, enquanto não
tivermos um sistema muito bem fiscalizado, muito bem qualificado, na educação
superior - principalmente nos cursos jurídicos -, demonstra ser uma
necessidade; não é nem uma questão de ser contra ou a favor, ele é necessário.”
(Tarso Genro, ex-Ministro da Educação, durante audiência com o Dr. Roberto Busato, em 31.05.2005)
“Ao comentar a decisão do Ministério da Educação de iniciar
um processo para fechamento de cursos de Direito de má qualidade, o Presidente
nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que a
intenção da OAB ao propor ao MEC essa medida é evitar “o estelionato
cultural, o estelionato à família do jovem que dedica vários anos da sua vida
na faculdade e, ao final do curso, descobre que é um analfabeto jurídico”. “Há no Brasil faculdades de Direito que são verdadeiros cursos
"caça-níqueis". São cursos de Direito que
são escolas de enganação”, afirmou Cezar Britto, que no próximo
dia oito de outubro irá receber na sede da entidade o Ministro da Educação,
Fernando Haddad. Nesta visita aos membros do Conselho Federal da OAB, Haddad
irá anunciar o fechamento das primeiras faculdades de Direito que não têm
condições de funcionar em razão da má qualidade do ensino jurídico. Lamentavelmente
– disse Britto - a proliferação de cursos jurídicos no Brasil é uma realidade e
o funcionamento de cursos sem qualidade um “calote social”, uma vez que o
mercado está saturado há muito tempo. Os números causam desconforto.
Segundo Cezar Britto, funcionam no país, hoje, 1.080 faculdades de Direito,
contabilizando em torno de 1,5 milhão de estudantes. "Sem o Exame da Ordem
teríamos cerca de 4 milhões de advogados no Brasil dentro de três ou quatro
anos, a maior parte sem qualificação adequada". Hoje, o País possui cerca
de 600 mil advogados — o equivalente a 20% do total de advogados do mundo.”
“Em sua imensa maioria (os maus cursos) são patrocinados por
empresários picaretas, inescrupulosos, sem compromisso com a causa da
educação, movidos apenas pela avidez mercantilista. Em vez de bani-los
do mercado ou submetê-los a padrões mínimos de eficiência e compostura
acadêmica, há quem sugira o inverso: que se elimine o instrumento que denuncia
a anomalia – o Exame de Ordem.” (Cezar Britto Aragão, no artigo “A Proliferação
dos Cursos de Direito e o Exame de Ordem”, publicado na Revista Consulex, p. 27, com o artigo do Dr. Leon Szklarowsky).
“A partir de 1.972, com a proliferação indiscriminada das
faculdades de Direito pelo Brasil, episódio central do crescente processo de mercantilização do ensino no nosso País, o Exame de Ordem
revelou-se o único meio eficaz e indispensável para permitir à Ordem dos
Advogados do Brasil o exercício de um controle de qualidade em relação aos
bacharéis que saem, a cada ano, aos milhares, das centenas de faculdades de
Direito.” (Flávio Bierrenbach, Ministro do Superior
Tribunal Militar – Revista Consulex, p. 29).
“A proliferação dos cursos de Direito tem colocado no mercado profissionais que nem sempre passam por uma boa
formação. Por isso, o Exame de Ordem tornou-se uma ferramenta fundamental para
a garantia da qualidade dos serviços prestados pelos advogados.” (Estefânia Viveiros, Presidente da OAB/DF – Revista Consulex, p. 32).
Verifica-se,
portanto, com esta nova amostragem, que os defensores do Exame de Ordem não têm
mesmo outros argumentos. Ou eles dizem que o Exame da OAB é necessário,
como um filtro, para proteger o interesse público contra os maus profissionais,
devido à proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade, ou dizem que os
cursos jurídicos não formam advogados e sim bacharéis, que se quiserem
trabalhar deverão fazer concursos públicos e/ou o Exame da OAB.
Na
verdade, o que muda é apenas a vitrola, porque a música é exatamente a mesma....
7. Conclusões: comentários às conclusões do
Dr. Leon Szklarowsky
Inicialmente,
como uma espécie de intróito às suas conclusões, o Autor falou a respeito do
“grito da sociedade, que não pode ser ignorado” e sobre a preocupação da
sociedade organizada, para dizer que “o legislador não pode descurar dos
valores essenciais do ser humano”, etc.., querendo com isso dizer,
naturalmente, que o Exame de Ordem é necessário. Vejamos, uma a uma, com alguns
comentários, as conclusões do Dr. Leon Szklarowsky:
7.1.
“O Exame de Ordem é indispensável para o exercício da advocacia, tal qual se
exige o concurso da aferição de conhecimentos para o ingresso na Magistratura,
no Ministério Público e em todas as áreas sensíveis, em vista da relevância
dessas atividades, com repercussão na liberdade e na vida das pessoas.”
Evidentemente,
por mais importante que seja a advocacia, nada poderia justificar o desrespeito
que a OAB comete, contra a Constituição Federal, porque não lhe compete avaliar
a qualificação profissional dos bacharéis
7.2.
“Além do Exame de Ordem, na fase preliminar, o estágio é essencial, desde que
utilizado o modelo português, que é de fácil adaptação ao Brasil.”
Sem
comentários, porque o estágio tem sido exigido, há muito tempo, no Brasil, e
poderia ser aperfeiçoado, para que fosse garantido o maior conhecimento prático
dos novos advogados.
7.3.
“Atualmente, renomados médicos e professores de Medicina defendem que também os
recém-formados sejam submetidos a rigorosa avaliação,
como ocorre com os bacharéis em Direito, sem embargo da residência obrigatória,
em virtude da má qualidade do ensino em todas as áreas. Há exceções,
felizmente.”
Da
mesma forma, existem muitos médicos que se opõem a essa idéia, de modo que,
mesmo com o apoio dos dirigentes da OAB, o Exame dos Médicos ainda não foi
aprovado pelo Congresso Nacional.
7.4.
“Tramitam, no Congresso Nacional, dois projetos de lei que obrigam o médico e o
cirurgião–dentista a submeterem-se a exame prévio de avaliação, para obtenção
da inscrição nos respectivos conselhos profissionais, bem como o projeto de lei
que autoriza o exame de suficiência a todos os formandos de profissões
regulamentadas.”
Ressalte-se
que todos esses projetos têm o apoio dos dirigentes da OAB, que vêem na sua
aprovação uma forma de justificarem a continuidade do Exame da OAB, que hoje é
o único existente. Sem a aprovação desses projetos, o Exame da OAB continuará
sendo o único, ferindo assim o princípio constitucional da isonomia, ou seja:
por que somente para os bacharéis em Direito, essa exigência? Todos os outros
bacharéis podem obter a sua inscrição no Conselho e podem trabalhar, sem
qualquer Exame semelhante.
7.5.
“Outras profissões exigem o exame de suficiência para obtenção do registro
profissional, v.g., o corretor de imóveis e o contador.”
O
Autor talvez não saiba, mas todas as tentativas foram derrubadas pelo
Judiciário, e por uma razão muito simples: no caso dos corretores e dos
contadores, o Exame foi criado por um Provimento dos Conselhos Profissionais,
por simples atos administrativos. No caso da OAB, ao menos, existe lei – embora
ela seja inteiramente inconstitucional.
7.6.
“A maioria dos países impõe o exame de suficiência, sob a forma de Exame de
Ordem ou o equivalente Exame de Estado, prestado perante os tribunais ou outros
órgãos, e/ou o estágio sob supervisão e obrigatória avaliação, como salvaguarda
das pessoas, da ordem jurídica e da sociedade.”
Esta
questão também já foi comentada, anteriormente. O Autor não faz nenhuma
distinção entre o Exame de Ordem e o Exame de Estado!!! O Exame de Estado não
é, absolutamente, equivalente ao Exame de Ordem!!!
7.7.
“Os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de
extinguir o Exame de Ordem devem ser abortados imediatamente, porque contrariam
a realidade e eliminam o que se mostra excelente, provocando um retrocesso
absurdo e inadmissível.”
Excelente,
para quem? O Exame de Ordem atenta contra o direito fundamental do exercício
profissional, que é cláusula pétrea da Constituição Brasileira. O Exame de
Ordem atenta contra a autonomia universitária e transforma os cursos de Direito
em cursinhos preparatórios. O Exame de Ordem atenta contra as próprias
tradições da OAB, porque impede o direito ao exercício profissional de milhões
de bacharéis em Direito, que são as vítimas, e não os culpados, no que tange à
“proliferação dos cursos de baixa qualidade”. O Exame de Ordem continua sendo
defendido intransigentemente, pelos dirigentes da OAB, que se limitam a dizer que ele é necessário, em uma absurda
“exegese”, para quem se considera capaz de avaliar a qualificação profissional
e o conhecimento jurídico dos bacharéis, diplomados pelas nossas instituições
de ensino superior.
Excelente,
para quem?
Respeitar
a Constituição, por acaso, agora é retrocesso?