PROJECTO DE
LEI N.º 384/X (PORTUGAL)
REGIME DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS
Exposição de motivos
Numa sociedade complexa e crescentemente
marcada pelo pluralismo social, os fenómenos de autoregulação profissional adquirem renovado vigor. Ao Estado
importa facilitar essa auto-regulação, honrando a lógica de descentralização
administrativa que promana da Constituição da
República Portuguesa (cfr.,
especificamente, artigo 267.º, n.º 4).
Uma das manifestações mais visíveis desse fenómeno tem sido a criação de numerosas associações
públicas profissionais que nos últimos anos se vieram juntar às clássicas
ordens profissionais surgidas nos anos 20 e 30 do século passado, no contexto
do «regime corporativo», depois reconvertidas no
seguimento da instauração do regime democrático. A pressão no sentido da
criação de associações públicas de base profissional mantém-se elevada,
assistindo-se à reiterada divulgação pública da pretensão de vários grupos
profissionais no sentido da instituição de novas associações profissionais
submetidas a um estatuto de direito público.
A criação das associações públicas de base
profissional não tem obedecido a critérios, princípios ou regras transparentes
ou precisas, muito menos consistentes, uma vez que não há um quadro legal que
defina os aspectos fundamentais do processo, forma e parâmetros materiais a que
deve obedecer essa criação. Trata-se certamente de uma
situação indesejável, uma vez que a criação de associações públicas
profissionais envolve um delicado equilíbrio e concordância prática entre o
interesse público que lhe deve estar subjacente, os direitos fundamentais de
muitos cidadãos e o interesse colectivo da profissão
em causa.
Existindo já numerosas associações públicas
profissionais, algumas das quais com estatutos consolidados ao longo de muitas
décadas, há que não perturbar o seu funcionamento. Contudo, em relação às
associações que a partir deste momento devam ser criadas importa evitar a
proliferação desregrada e a banalização das mesmas como simples meio de defesa
e promoção de interesses profissionais. Por outro lado, deve-se
definir as balizas do controlo por parte do Estado do cumprimento dos
interesses públicos confiados a estas associações e da protecção
dos direitos fundamentais que eventualmente possam estar afectados
pelo seu funcionamento, garantindo, designadamente, o respeito de um conjunto
de regras e princípios com assento constitucional e projecção
específica, designadamente na formação e no funcionamento destas associações.
Os princípios da
necessidade — com projecção quer na própria criação
da associação quer na previsão das suas atribuições —, o princípio da
especialidade — com relevo na delimitação dos poderes das entidades públicas
profissionais —, ou o princípio democrático — com incidência na organização e
na formação da vontade colectiva, constituem exemplos
qualificados da projecção constitucional no
necessário regime enquadrador da criação das associações
públicas profissionais.
Uma lei de enquadramento da criação das
associações públicas profissionais constitui um passo mais no aprofundamento da
democracia e da descentralização administrativa, sob a égide de uma
administração autónoma sintonizada com os imperativos
de interesse público que, como administração pública que também é, lhe cabe
prosseguir.
São ideias fundamentais
desta lei-quadro:
a) Estabelecer os requisitos substantivos e
procedimentais da criação de novas associações profissionais de direito
público;
b) Assegurar os requisitos essenciais da
sua organização democrática interna, segundo os princípios da democracia
representativa;
c) Garantir o exercício da função de
supervisão profissional, incluindo a função disciplinar, por um órgão dotado de
condições de independência dentro das associações;
d) Acautelar a tomada em conta dos
interesses dos utentes dos serviços profissionais.
Assim, os Deputados do Partido Socialista
apresentam o seguinte projecto de lei:
Capítulo I
Disposições gerais
Artigo
1.º (Objecto)
1 — O presente diploma estabelece o regime
jurídico da criação, da organização e do funcionamento de novas associações
públicas profissionais.
2 — O presente diploma aplica-se somente às
associações públicas profissionais que forem criadas depois da sua entrada em
vigor.
Artigo
2.º (Definição)
1 — Para efeitos deste diploma
consideram-se associações públicas profissionais as entidades públicas de
estrutura associativa representativas de profissões que devam, cumulativamente,
ser sujeitas ao controlo do respectivo acesso e
exercício, à elaboração de normas técnicas e deontológicas
específicas e a um regime disciplinar autónomo.
2 — A constituição de associações públicas
profissionais é excepcional e visa a satisfação de
necessidades específicas, podendo apenas ter lugar nos casos previstos no
número anterior, quando a regulação da profissão envolver um interesse público
de especial relevo que a administração do Estado não deva prosseguir por si
própria.
3 — A criação de novas associações públicas
profissionais é sempre precedida de um estudo elaborado por entidade de
reconhecida independência e mérito sobre a sua necessidade em termos de
realização do interesse público e sobre o seu impacto sobre a regulação da
profissão em causa.
Artigo
3.º (Natureza e regime jurídico)
1 — As associações públicas profissionais
são pessoas colectivas de direito público e estão
sujeitas a um regime de direito público no desempenho das suas tarefas
públicas.
2 — Em tudo o que não estiver regulado
neste diploma e na respectiva lei de criação, bem como nos seus estatutos, são
subsidiariamente aplicáveis às associações públicas profissionais, com as
necessárias adaptações, as normas e os princípios que regem os institutos
públicos, no que respeita às suas atribuições e ao exercício dos poderes
públicos de que gozem, e as normas e os princípios que
regem as associações de direito privado, no que respeita à sua organização
interna, respectivamente.
Artigo 4.º (Atribuições)
1 — São atribuições das associações
públicas profissionais, nos termos da lei:
a) A representação e a defesa dos interesses
gerais da profissão;
b) A regulação do acesso e do exercício da
profissão;
c) A elaboração e a actualização
do registo profissional;
d) O exercício do poder disciplinar sobre
os seus membros;
e) A prestação de serviços aos seus membros
no respeitante ao exercício profissional, designadamente em relação à
informação e à formação profissional;
f) A colaboração com a Administração
Pública na prossecução de fins de interesse público
relacionados com a profissão;
g) A participação na elaboração da
legislação que diga respeito às respectivas profissões;
h) A participação nos processos oficiais de
acreditação e avaliação dos cursos que dão acesso à
profissão;
i) Quaisquer outras que lhes sejam
cometidas por lei.
2 — As associações públicas profissionais
estão impedidas de exercer ou de participar em actividades
de natureza sindical ou que tenham a ver com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros.
3 — As associações públicas profissionais
não podem estabelecer restrições à liberdade de profissão que não estejam
previstas na lei, nem infringir as regras da concorrência na prestação de
serviços profissionais, nos termos do direito nacional e da União Europeia.
4 — Ressalvado o código deontológico,
as associações públicas profissionais não podem deliberar sobre o regime
jurídico da profissão nem sobre os requisitos e as restrições ao exercício da
profissão.
Artigo 5.º
(Princípio da especialidade)
1 — Sem prejuízo da observância do
princípio da legalidade no domínio da gestão pública, e salvo disposição
expressa em contrário, a capacidade jurídica das associações públicas abrange a
prática de todos os actos jurídicos, o gozo de todos
os direitos e a sujeição a todas as obrigações necessárias à prossecução do seu objecto.
2 — As associações públicas profissionais
não podem exercer actividades nem usar os seus
poderes fora das suas atribuições nem dedicar os seus recursos a finalidades
diversas das que lhes tenham sido legalmente cometidas.
Artigo
6.º (Criação)
1 — As associações públicas profissionais
são criadas por lei, ouvidas as associações representativas da profissão.
2 — A lei de criação de cada associação
pública profissional deve no preâmbulo justificar devidamente a necessidade da
sua criação, nos termos do artigo 2.º, bem como as opções
que neles foram tomadas.
3 — A lei de criação define os aspectos
essenciais do seu regime, nomeadamente:
a) Denominação;
b) Profissão abrangida;
c) Atribuições.
4 — As associações públicas profissionais
são criadas por tempo indefinido e só podem ser extintas, fundidas ou cindidas
nos mesmos termos previstos para a sua criação.
Artigo
7.º (Estatutos)
1 — Quando não forem aprovados pela lei de
criação da associação, os estatutos são aprovados por decreto-lei, no respeito
da presente lei e da lei de criação da associação.
2 — Os estatutos das associações públicas
profissionais devem regular as seguintes matérias:
a) Âmbito;
b) Aquisição e perda da qualidade de
membro;
c) Espécies de membros;
d) Direitos e deveres dos membros;
e) Organização interna e competência dos
órgãos;
f) Incompatibilidades no respeitante ao exercício
dos caros associativos;
g) Eleições e respectivo processo
eleitoral;
h) Deontologia
profissional;
i) Estágios profissionais;
j) Processo disciplinar e respectivas
penas;
k) Regime económico
e financeiro, em especial relativo à fixação, cobrança e repartição de quotas;
l) Colégios de especialidades, se os
houver.
3 — Os estatutos podem reconhecer às
associações públicas profissionais o poder de iniciativa de propostas da sua
modificação, sendo, todavia, sempre aprovadas nos termos do n.º
1.
Artigo
8.º (Autonomia administrativa)
1 — No exercício dos seus poderes públicos
as associações públicas profissionais praticam os actos
administrativos necessários ao desempenho das suas funções e aprovam os
regulamentos previstos na lei e nos estatutos.
2 — Ressalvados os casos previstos na lei, os actos e
regulamentos das associações públicas profissionais não estão sujeitos a aprovação governamental.
Artigo
9.º (Autonomia patrimonial e financeira)
1 — As associações públicas profissionais
dispõem de património próprio e de finanças próprias,
bem como de autonomia orçamental.
2 — A autonomia financeira inclui o poder
de fixar o valor da quota mensal ou anual dos seus membros, bem como as taxas
pelos serviços prestados, nos termos da lei.
Artigo
10.º (Denominação de «Ordem»)
1 — As associações públicas profissionais
têm a denominação de «Ordem» quando correspondam a profissões cujo exercício é
condicionado à obtenção prévia de uma habilitação académica
de licenciatura ou equivalente e de «câmara profissional» no caso contrário.
2 — As designações de «Ordem», e de «câmara
profissional», bem como de «colégio profissional», só podem ser usadas pelas
associações públicas profissionais ou seus organismos, respectivamente.
Artigo
11.º (Cooperação com outras entidades)
1 — As associações públicas profissionais
podem constituir associações de direito privado e outras formas de cooperação
com entidades afins, nacionais ou estrangeiras, especialmente o âmbito da União
Europeia e da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa.
2 — Para melhor desempenho das suas
atribuições as associações públicas profissionais podem estabelecer acordos de
cooperação com outras entidades públicas ou privadas, ressalvadas as entidades
de natureza sindical ou política.
Capítulo
II Organização interna
Artigo
12.º (Âmbito geográfico)
1 — As associações públicas profissionais
têm âmbito nacional.
2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, as associações públicas
profissionais podem compreender estruturas regionais e locais, cujas
circunscrições territoriais devem corresponder à divisão administrativa do
território, às quais incumbe a prossecução das suas
atribuições na respectiva área, nos termos dos estatutos.
3 — Se existirem, o estatuto de cada
associação profissional especifica quais as delegações regionais e locais em
que se estrutura, bem como a sua organização e competências.
Artigo
13.º (Colégios de especialidade)
1 — Sempre que a lei preveja a existência
de especializações profissionais, as associações públicas profissionais
correspondentes podem organizar-se internamente em colégios de especialidade.
2 — Os estatutos estabelecem a organização
e as competências dos colégios de especialidade.
Artigo
14.º (Formação democrática dos órgãos)
1 — As associações públicas profissionais
dispõem de órgãos próprios, incluindo necessariamente uma assembleia
representativa eleita por sufrágio universal, directo,
secreto e periódico.
2 — Qualquer membro efectivo
com a inscrição em vigor e no pleno exercício dos seus direitos pode votar e
ser eleito para os órgãos da respectiva associação.
3 — Os estatutos podem condicionar a elegibilidade
para o cargo de presidente, de bastonário ou de
membro do órgão com competência disciplinar à verificação de um tempo mínimo de
exercício da profissão, nunca superior a 10 anos.
4 — Os órgãos das associações públicas não
estão sujeitos a homologação governamental.
Artigo
15.º (Órgãos)
1 — As associações públicas profissionais
observam o princípio da separação de poderes, sendo seus órgãos necessários:
a) Uma assembleia
representativa, com poderes deliberativos gerais, nomeadamente em matéria de
aprovação do orçamento e do plano de actividades, de projectos de alteração dos estatutos, de aprovação de
regulamentos, de quotas e de taxas, de criação de colégios de especialidades,
ou de celebração de protocolos com associações congéneres;
b) Um órgão executivo colegial, que exerce
poderes de direcção e de gestão, nomeadamente em
matéria administrativa e financeira, bem como no tocante à representação
externa dos interesses da associação;
c) Um órgão de supervisão, que vela pela
legalidade da actividade exercida pelos órgãos da
associação e exerce poderes de controlo, nomeadamente em matéria disciplinar;
d) Um órgão de fiscalização da gestão
patrimonial e financeira, que inclui um revisor oficial de contas.
2 — Os estatutos das associações públicas
profissionais podem prever a existência de um presidente ou bastonário,
como presidente do órgão executivo ou como órgão autónomo,
com competências próprias, designadamente de representação externa da
associação.
3 — Os estatutos podem prever ainda a existência de outros órgãos,
designadamente reuniões alargadas, em congresso, para deliberar sobre questões
de carácter geral, bem como órgãos técnicos e
consultivos.
4 — Os mandatos dos titulares dos órgãos das associações públicas profissionais
não podem ser superiores a três anos, sendo renováveis por duas vezes.
5 — A denominação dos órgãos é livremente escolhida pelo estatuto de cada
associação pública profissional, ressalvada a designação de «bastonário», que é privativa de presidente das ordens.
6 — A assembleia é eleita por sufrágio universal e
pelo sistema de representação proporcional, nos círculos territoriais definidos
nos estatutos, podendo, porém, incluir uma representação das estruturas
regionais, se existirem.
7 — Quando directamente eleito, o presidente ou bastonário é eleito nos termos previstos na Constituição
para a eleição do Presidente da República, com as necessárias adaptações.
8 — O órgão de supervisão é independente no exercício das suas funções, sendo
eleito por maioria qualificada pela assembleia
representativa e podendo incluir elementos estranhos à profissão, até 1/3 da
sua composição.
9 — As delegações regionais e locais, quando existam, têm como órgãos
obrigatórios a assembleia dos membros inscritos na
respectiva circunscrição territorial e um órgão executivo por aquela eleito.
10 — Os cargos executivos permanentes podem ser remunerados, nos termos dos
estatutos ou de regulamento da associação.
Artigo
16.º (Poder regulamentar)
1 — Os regulamentos das associações
públicas profissionais vinculam todos os seus membros e, bem assim, os
candidatos ao exercício da profissão.
2 — A elaboração dos regulamentos segue o procedimento previsto no Código de
Procedimento Administrativo, incluindo no que respeita à consulta pública e à
participação dos interessados, com as devidas adaptações.
3 — Os regulamentos de eficácia externa das associações profissionais públicas
são publicados na II Série do Diário da República, sem prejuízo da sua
publicação na revista oficial da associação.
Artigo
17.º (Poder disciplinar)
1 — As associações públicas profissionais
exercem acção disciplinar sobre os seus membros, nos
termos dos respectivos estatutos.
2 — Os estatutos de cada associação pública profissional enunciam os factos que constituem infracção
disciplinar, bem como as sanções disciplinares aplicáveis.
3 — As sanções disciplinares de suspensão e de expulsão da associação pública
profissional são apenas aplicáveis às infracções
graves praticadas no exercício da profissão, não podendo ter origem no incumprimento do dever de pagar quotas ou de qualquer outro
dever de membro de natureza pecuniária.
4 — A pena disciplinar de expulsão é aplicável quando, tendo em conta a
natureza da profissão, a infracção disciplinar tenha posto
em causa a vida, a integridade física das pessoas ou seja
gravemente lesiva da honra ou do património alheios
ou de valores equivalentes.
5 — O exercício das funções disciplinares das associações públicas
profissionais compete, pelo menos em última instância, ao órgão previsto no n.º 1, alínea c), do artigo 15.º.
6 — Em tudo o que não estiver regulado no estatuto de cada associação pública
profissional ou, quando exista, no respectivo regulamento disciplinar, são
aplicáveis as disposições do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da
Administração Central, Regional e Local.
7 — Podem desencadear o procedimento disciplinar:
a) Os órgãos de governo da associação;
b) O provedor dos utentes,
quando exista;
c) O Ministério Público.
Artigo
18.º (Provedor dos utentes)
1 — As associações públicas profissionais
podem designar uma personalidade independente com a função de defender os utentes dos serviços profissionais dos membros daquelas.
2 — O provedor dos utentes é designado nos termos previstos
nos estatutos, não pode ser membro da associação profissional e não pode ser
destituído, salvo por falta grave no exercício das suas funções.
3 — Compete ao provedor analisar as queixas apresentadas pelos utentes e fazer recomendações tanto para a resolução dessas
queixas como em geral para o aperfeiçoamento do desempenho da associação.
4 — O cargo de provedor é remunerado, nos termos dos estatutos ou de
regulamento da associação.
Artigo
19.º (Incompatibilidades no exercício de funções)
1 — O exercício das funções executivas,
disciplinares e de fiscalização em órgãos das associações públicas
profissionais é incompatível entre si.
2 — O cargo de titular de órgão das associações públicas profissionais é
incompatível com o exercício de quaisquer funções dirigentes na função pública
e com qualquer outra função com a qual se verifique um manifesto conflito de
interesses.
3 — A regra prevista na primeira parte do número anterior pode ser
excepcionalmente derrogada pelos estatutos, quando razão de especial interesse
público o exija.
Artigo
20.º (Referendo interno)
1 — Os estatutos das associações públicas
profissionais podem prever a submissão a referendo, com carácter
vinculativo ou consultivo, mediante deliberação da assembleia
representativa, sobre questões de particular relevância para a associação que
caibam nas respectivas atribuições.
2 — São obrigatoriamente submetidas a referendo interno as propostas de
dissolução da associação.
3 — Os estatutos de cada associação pública profissional podem especificar
outras questões a submeter obrigatoriamente a referendo interno.
4 — A realização de referendos é precedida obrigatoriamente pela verificação da
sua conformidade legal ou estatutária pelo órgão de supervisão previsto no
artigo 15.º, n.º 1, alínea c).
Capítulo
III – Membros
Artigo
21.º (Inscrição)
1 — O exercício em regime liberal de
profissão organizada em associação pública profissional fica condicionado a
inscrição prévia, salvo se regime diferente for estabelecido na lei de criação,
podendo a lei estender a obrigação de inscrição a todos os profissionais, ou
impor pelo menos uma obrigação universal de registo
profissional.
2 — Os requisitos de que depende a inscrição em associação pública profissional
são taxativamente definidos pela lei de criação da associação ou pela lei de
regulação da profissão, com respeito pelos seguintes princípios:
a) Existência de uma habilitação,
profissional ou curricular, oficialmente reconhecida, exigida pela lei para o
exercício da profissão;
b) Eventualmente, verificação das
capacidades profissionais pela sujeição a estágio ou a período probatório;
c) Formação e verificação dos conhecimentos
relativos ao código deontológico da profissão.
3 — Em caso algum haverá numerus clausus
no acesso à profissão, nem exame de entrada na profissão, nem acreditação, pelas associações profissionais, de cursos
oficialmente reconhecidos.
Artigo
22.º (Direito de inscrição)
1 — Têm direito a inscrever-se nas
associações públicas profissionais todos os que preencham os requisitos legais
para o exercício da profissão e a desejem exercer, em regime liberal ou não.
2 — Em caso de interdição profissional, cessa automaticamente a inscrição na
associação pública profissional.
3 — Podem inscrever-se nas associações públicas profissionais os nacionais de
outros Estados-Membros da União Europeia que sejam
titulares das habilitações académicas e profissionais
requeridas legalmente para o exercício da profissão no respectivo Estado de
origem.
4 — Podem ainda inscrever-se os nacionais de outros Estados, em condições de
reciprocidade, desde que obtenham a equiparação do seu diploma nos termos da
legislação em vigor.
Artigo
23.º (Direitos dos membros)
São direitos dos membros:
a)
Eleger os órgãos da associação e candidatar-se às eleições, ressalvadas as
inelegibilidades estabelecidas na lei e nos estatutos;
b) Participar nas actividades
da associação;
c) Beneficiar dos serviços proporcionados
pela associação, sem qualquer discriminação;
d) Outros previstos na lei e nos estatutos.
Artigo
24.º (Deveres dos membros)
São deveres dos membros:
a) Participar na vida da associação;
b) Pagar as quotas;
c) Contribuir para o prestígio da
associação;
d) Os demais deveres legais e estatutários.
Capítulo
IV - Regime laboral, financeiro e fiscal
Artigo
25.º (Pessoal)
Os trabalhadores das associações públicas
profissionais regem-se pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho,
sem prejuízo de um procedimento de recrutamento idêntico ao previsto no regime
do contrato de trabalho na Administração Pública.
Artigo
26.º (Orçamento e gestão financeira)
1 — As associações públicas profissionais
têm orçamento próprio, proposto pelo órgão executivo e aprovado pela assembleia representativa.
2 — As finanças das associações públicas estão sujeitas às regras de equilíbrio
orçamental e de limitação do endividamento estabelecidos em diploma próprio.
3 — As associações públicas profissionais estão sujeitas às regras da
contratação pública e ao regime de empreitada de obras públicas.
4 — As associações públicas profissionais estão sujeitas ao plano oficial de
contabilidade pública.
5 — O Estado não garante as responsabilidades financeiras das associações
públicas profissionais nem é responsável pelas suas dívidas.
Artigo
27.º (Receitas)
1 — São receitas das associações públicas
profissionais:
a) As quotas dos seus membros;
b) As taxas cobradas pela prestação de
serviços;
c) Os rendimentos do respectivo património;
d) Heranças, legados e doações;
e) Outras receitas previstas na lei e nos
estatutos.
2 — O Estado só pode financiar as associações públicas profissionais quando se
trate da contrapartida de tarefas específicas acordadas mediante protocolo não
compreendidas nas suas incumbências legais.
3 — As deliberações sobre a fixação das quotas e das taxas serão aprovadas pela
assembleia representativa, por maioria absoluta, sob
proposta do órgão executivo, e na base de um estudo que fundamente
adequadamente os montantes propostos, observados os requisitos substantivos
previstos na lei geral sobre as taxas e outras contribuições da Administração
Pública.
4 — A cobrança dos créditos resultantes das receitas previstas nas alíneas a) e
b) do n.º 1 segue o processo de execução tributária.
Artigo
28.º (Serviços)
1 — As associações profissionais públicas
instituirão os serviços operacionais e técnicos necessários para o desempenho
das suas atribuições, sem prejuízo da faculdade de externalização
de tarefas.
2 — As associações públicas profissionais podem estabelecer acordos de
cooperação com os serviços de inspecção da
Administração Pública para o desempenho da tarefa de fiscalização do
cumprimento dos deveres profissionais por parte dos seus membros.
Capítulo
V - Tutela, controlo judicial e responsabilidade
Artigo
29.º (Tutela administrativa)
1 — As associações públicas profissionais
não estão sujeitas a superintendência governamental nem a tutela de mérito,
ressalvados, quanto a esta, os casos especialmente previstos na lei.
2 — As associações públicas profissionais estão sujeitas a tutela de legalidade
idêntica à exercida pelo Governo sobre a administração autónoma
territorial.
3 — O diploma de criação estabelece qual o membro do Governo que exerce os
poderes de tutela sobre cada associação pública profissional.
4 — Ressalvado o disposto no número seguinte, a tutela administrativa sobre as
associações públicas profissionais é de natureza inspectiva.
5 — Carecem de aprovação tutelar, que se considera dada se não houver decisão
em contrário nos 90 dias seguintes, os regulamentos que versem sobre os
estágios profissionais e as provas profissionais de acesso à profissão, as
quotas e taxas associativas e as especialidades profissionais.
6 — É aplicável às associações públicas profissionais, com as necessárias
adaptações, o disposto na Lei n.º 27/96, de 1 de
Agosto.
Artigo
30.º (Controlo judicial)
1 — As decisões das associações públicas
profissionais praticadas no exercício de poderes públicos estão sujeitos ao
contencioso administrativo, nos termos das leis do processo administrativo.
2 — Podem impugnar a legalidade dos actos e
regulamentos das associações públicas profissionais:
a) Os interessados, nos termos das leis do
processo administrativo;
b) O Ministério Público;
c) O Ministro da tutela;
d) O Provedor dos utentes.
Artigo
31.º (Fiscalização pelo Tribunal de Contas)
As associações públicas profissionais estão
sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas, nos termos estabelecidos na lei
orgânica deste.
Artigo
32.º (Relatório anual e deveres de informação)
1 — As associações públicas profissionais
elaboram anualmente um relatório sobre o desempenho das suas atribuições, que
será presente ao Governo e à Assembleia da República.
2 — As associações públicas profissionais
prestam à Assembleia da República e ao Governo toda a
informação que lhes seja solicitada relativamente ao exercício das suas
atribuições.
3 — Os bastonários e os presidentes dos órgãos
executivos devem corresponder ao pedido das comissões parlamentares competentes
para prestarem as informações e esclarecimentos de que estas necessitem.
Artigo
33.º (Processo penal)
As associações públicas profissionais podem
constituir-se assistentes nos processos penais relacionados com o exercício da
profissão que representam ou com o desempenho de cargos nos seus órgãos, salvo
quando se trate de factos que envolvam
responsabilidade disciplinar.
Capítulo
VI – Instalação
Artigo
34.º (Comissões instaladoras)
1 — Até à tomada de posse dos órgãos das
novas associações públicas profissionais criadas nos termos deste diploma, os
respectivos estatutos devem prever, pelo período máximo de um ano, a existência
de comissões instaladoras, às quais incumbe a prática dos actos
necessários à eleição da assembleia representativa e
à instalação definitiva daqueles órgãos.
2 — As comissões instaladoras são compostas por três membros, sendo um deles o
Presidente, todos nomeados pelo Governo, ouvidas as
associações profissionais interessadas.
Capítulo
VII - Disposições finais
Artigo
35.º (Aplicação facultativa)
1 — Por decisão tomada pelo seu órgão
competente, as associações profissionais públicas existentes podem solicitar ao
Governo a submissão ao regime previsto na presente lei.
2 — O pedido deve ser acompanhado do projecto de novos
estatutos.
3 — A publicação dos novos estatutos implica a caducidade dos estatutos
pré-existentes.
Artigo
36.º (Entrada em vigor)
O presente diploma entra em vigor 30 dias
após a sua publicação.
Assembleia da República, 22 de Maio de 2007.
Os Deputados do PS: Alberto Martins — Vitalino
Canas — Manuel Maria Carrilho — Mota Andrade —
Manuela Melo — António Galamba — Helena Terra — Sónia Sanfona — Ricardo Rodrigues — Jorge Strecht.