Ao Exmo. Sr.
Dr. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto
DD Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República
Desejo parabenizá-lo, e à Associação
Nacional dos Procuradores da República, pela ação referente à OAB, noticiada na
Internet, no endereço:
Especificamente em relação ao Exame de Ordem,
que de acordo com essa notícia também está sendo questionado pelos Procuradores
da República, no Estado do Rio de Janeiro, permita que lhe solicite, desde
logo, que seja examinada a possibilidade de ingresso com Ação Civil Pública, contra
todas as Seccionais da OAB, em defesa dos milhares de bacharéis que estão sendo
impedidos de trabalhar, em todo o Brasil, devido a essa exigência
inconstitucional. Informo que já estão sendo protocoladas as necessárias
representações, em cada Estado. Já ingressamos com representações perante o MPF
em SP, DF e RS. O modelo da representação pode ser lido neste endereço:
Informo, ainda, que já escrevi diversos artigos, demonstrando
a inconstitucionalidade do Exame de Ordem, que podem ser lidos, juntamente com
muitos outros textos, de diversos autores, na página:
A Ordem dos Advogados do Brasil, em nenhum momento, nos
últimos anos, contestou os argumentos jurídicos que temos usado, para provar a
inconstitucionalidade do Exame de Ordem. Os seus dirigentes se limitam a
afirmar que houve uma enorme proliferação de cursos de direito e que o MEC não
tem fiscalizado, como deveria, a qualidade desses cursos. Assim, logicamente –
no entendimento deles, é claro – cabe à OAB avaliar os bacharéis e impedi-los
de trabalhar. Não é preciso dizer que esse argumento solitário da OAB é,
juridicamente, um rematado absurdo. Equivaleria a afirmar que, se o Governo de
São Paulo não consegue combater a criminalidade, caberia à OAB fazê-lo. Ou,
ainda, que, se o Judiciário não funciona corretamente e com celeridade, caberia
à OAB designar os seus advogados para o exercício da
função jurisdicional.
Aliás, esse mesmo argumento, que denota a mais inconcebível
deturpação dos conceitos de competência e de separação de funções do Estado, vem
sendo utilizado, pela OAB, há muitos anos, para manter diversos convênios com o
Estado de São Paulo e com diversos municípios paulistas, para dar emprego a
mais de cinqüenta mil advogados, que atuam como defensores públicos, o que
também ocorre em vários outros Estados brasileiros.
A razão,
como não poderia deixar de ser, de acordo com os dirigentes da Ordem: se não
existe Defensoria, ou se ela não funciona a contento, cabe à OAB defender os
pobres. Como o Estado não tem sido capaz de organizar as Defensorias e
contratar defensores concursados, a OAB passa a
desempenhar essa importantíssima missão, de defender os pobres. Evidentemente,
os advogados são pagos com verbas públicas e, aliás, na nova Lei que criou –
finalmente, em janeiro de 2.006, depois de mais de dezessete anos, - a
Defensoria de São Paulo, está previsto, também, o pagamento de uma taxa de
administração, à Seccional da OAB, que está sendo estimada em doze milhões
anuais. Pelos seus relevantes serviços, prestados na administração do Convênio.
Vossa Excelência tem toda a razão, quando afirma que, “No
Estado Republicano, nenhuma instituição está isenta do controle de legalidade e
é missão do Ministério Público efetivar esse controle”.
É muito
engraçado que a OAB afirme que não está sujeita a qualquer controle e que “a
fiscalização de sua gestão cabe somente aos seus próprios órgãos de
controle”.
A
respeito dessa absurda idéia, que infelizmente vem prevalecendo, há muitos
anos, graças ao poder e à credibilidade da OAB, mas também ao receio que quase todos
têm, de enfrentar, abertamente, os abusos que ela tem praticado, o Dr. Roberto Busato afirmou, em recente entrevista, que a OAB não está
sujeita a controles, porque não é um poder. Fonte: http://www.oabms.org.br/canal/noticias/?codModelo=19&id=1140
Ou seja,
no entendimento dessa autoridade, a separação dos poderes serve apenas para o
Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
No
entendimento – muito conveniente - dos seus dirigentes, a Ordem dos Advogados,
por não ser um poder, pode controlar a todos e atuar em todos os Poderes do
Estado, sem sofrer qualquer controle. Na
verdade, a OAB não é um dos Poderes do Estado, mas está sendo transformada em
um super-poder, porque não se sujeita a qualquer
controle e passa a desempenhar todas as funções do Estado, desrespeitando a
própria Constituição Federal.
Assim, insatisfeita
com a sua relevante posição constitucional e com o enquadramento da advocacia
no âmbito das funções essenciais à Justiça, ao lado das Defensorias e do
Ministério Público, ela invade as atribuições da Defensoria Pública, para designar
os milhares de advogados, não concursados, que vão
atuar como defensores públicos e receber remuneração diretamente do Estado.
Assim,
sob o pretexto de que o controle pelo Tribunal de Contas da União atentaria
contra a sua independência, a OAB se nega a prestar contas a quem quer que
seja, alegando que “tem os seus próprios controles internos”. Todos os outros
órgãos, da administração direta ou indireta, estão sujeitos a controle, de
acordo com o art. 70 da Constituição Federal. A OAB não, porque, de acordo com
os seus dirigentes, ela não é uma autarquia, como qualquer outra, mas uma
autarquia especial.
Muito
especial, aliás, porque conseguiu, do Tribunal de Contas da União, uma Decisão
absurda – embora por quatro votos a três -, dizendo que deve ser mantida uma
Decisão de 1951, do antigo Tribunal Federal de Recursos, no sentido de que a
OAB não está sujeita ao controle do TCU. O motivo alegado, o respeito à coisa
julgada, que qualquer estudante de curso jurídico sabe que não pode prevalecer
contra uma nova Ordem Constitucional. No caso, foram várias: 64, 67, 69, 88.
Além
disso, segundo eles, as suas anuidades não são tributos, como previsto no art.
149 da Constituição Federal, para as contribuições de interesse de todas as
outras categorias profissionais. Elas são, dizem eles: “dinheiro dos
advogados”.
A OAB
invadiu, até mesmo, as atribuições legiferantes do
Congresso Nacional e o poder regulamentar do Presidente da República, quando
disciplinou, por exemplo, através de seu Conselho Federal, o Exame de Ordem e o
seu próprio Regulamento. Evidentemente, o § 1º do art. 8º e o art. 78 da Lei
n° 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) são inconstitucionais, porque o
poder regulamentar do Presidente da República (art. 84, IV, da Constituição
Federal) não poderia ser transferido para o Conselho Federal da OAB, e isso é
tão evidente que não poderia ser negado pelos seus dirigentes, que têm a
obrigação de respeitar a Constituição (art. 44 de nosso Estatuto). Como qualquer advogado, aliás, nos termos do
nosso Código de Ética e de acordo com o juramento que proferimos. Ou será que
as lições que todos os bacharéis em direito receberam, na Academia, não se
aplicam à OAB?
A OAB se
negou, recentemente, a respeitar mandados judiciais de busca, em escritórios de
advocacia, afrontando assim a Polícia Federal e a Justiça Federal. Os advogados
foram aconselhados a resistir, até mesmo, fisicamente, às ordens judiciais. Em
Manifesto distribuído, na época, constava que:
“8) Por isso, sendo manifestamente
ilegais as invasões de escritórios de advocacia (a ordem emanada de juiz
não lava a ilicitude) e não havendo tempo hábil para a reparação do dano na via
jurisdicional, alternativa não sobra aos advogados que não RESISTIR a tais e
ilícitas invasões, opondo-se à ação policial na defesa de direito
constitucional e legalmente assegurado.
9) Não se ignora que a oposição
física à ilegalidade oficial poderá levar a situações extremas, inclusive com
perigo à incolumidade pessoal e à vida. Não será esta, no entanto, a primeira
vez em que os advogados arrostarão riscos por causa das liberdades no Brasil.
Assim foi no "Estado Novo", assim foi nos "Anos de Chumbo",
e assim será, sempre e sempre.”
A OAB
invadiu a autonomia da Academia, das Universidades, para impor as alterações
que julgou necessárias nos cursos jurídicos. A partir de agora, os cursos
jurídicos são obrigados a preparar os seus alunos, exclusivamente, para a
aprovação no Exame de Ordem, sob pena de serem acusados, os seus dirigentes e
os seus professores, da prática de um “estelionato educacional”, conforme
definido pelo Dr. Roberto Busato, que é um competente
criminalista. Aliás, quem critica o Exame de Ordem ou apresenta projetos de lei
para acabar com o Exame de Ordem pratica, também, o crime de “incitamento ao estelionato”,
de acordo com essa autoridade.
A OAB,
através de suas Escolas Superiores da Advocacia, sob o pretexto de suprir as
lacunas dos cursos jurídicos, passou a organizar inúmeros cursos de extensão e
de pós-graduação. Até mesmo cursos preparatórios para o Exame de Ordem e cursos
de didática e metodologia do ensino jurídico!
A Ordem passou a funcionar como um enorme Curso Jurídico, evidentemente
isento da fiscalização do MEC, fazendo convênios, (http://br.geocities.com/cursos_esa/calc2ed.htm),
também, sem qualquer transparência, com diversas instituições de ensino
superior, o que oferece o risco de favorecimentos a determinadas instituições,
em decorrência de amizades, parentesco, etc.
Além
disso, não satisfeita, a OAB consegue impor, também, ao Executivo e ao Mec, a
sua opinião, a respeito da abertura de novos cursos jurídicos, e passa a
fiscalizar e avaliar os cursos de direito e os bacharéis, submetendo-os a um
Exame de Ordem, que de acordo com os seus dirigentes serviria – o que não é
verdade, absolutamente - para avaliar a capacidade profissional dos futuros
advogados, e, até mesmo – o mais absurdamente inconcebível -, a própria ética
dos bacharéis. Ressalte-se que, para qualquer outro bacharel brasileiro, em
todas as outras profissões liberais regulamentadas, não existe exame semelhante.
Não se respeita, evidentemente, nem ao menos, o princípio constitucional da
isonomia.
O
Presidente da OAB, Dr. Roberto Busato, criticando o recente
projeto do Senador Gilvam Borges, que pretende acabar
com o Exame de Ordem, declarou que se trata de um projeto inconseqüente e de um
incentivo ao estelionato. Disse, ainda, que:
“...a entidade,
através do Exame de Ordem, busca aquilatar o conhecimento ético dos que
pretendem advogar. Nesse sentido, ele observou que a OAB reformulou
recentemente, por meio de um provimento, as regras sobre o Exame de Ordem,
aumentando o número das questões éticas para os bacharéis submetidos a essa
prova. Busato destacou que, diante dessas questões
que são colocadas no Exame, é que a OAB pode aferir a qualidade dos
conhecimentos do ensino que recebeu o profissional e atestar à sociedade que
aqueles que pretendem advogar são merecedores da confiança dos brasileiros.” Fonte:
http://jdia.leiaonline.com.br/index.pas?codmat=14961&pub=1
Ou seja: de acordo com o Presidente da OAB, se o
bacharel em direito decorar todo o nosso Código de Ética, para ser aprovado no
Exame de Ordem, ele passará a ser honesto, e poderá merecer toda a confiança
dos brasileiros que precisarem dos seus serviços. Se a OAB aumentar o número
das “questões éticas” em seu Exame de Ordem, será possível garantir que os
bacharéis aprovados não se envolverão com o crime organizado.
O Presidente da OAB disse, finalizando a sua entrevista, que: “o projeto de Gilvam
incentiva também um estelionato em relação à sociedade, que assim não
conseguirá encontrar um advogado melhor dotado de
princípios éticos.”
Não resta nenhuma dúvida, portanto: o Dr. Roberto Busato
acredita, piamente, que o bacharel que estudar o Código de Ética se converterá,
em um passe de mágica, talvez, em um advogado honesto. Isso seria, não resta a menor dúvida, muito bom, se fosse possível, ou
simplesmente concebível. O que não se pode compreender é que o Presidente da
OAB tenha a coragem de afirmar esse absurdo, mesmo respaldado pelo poder e pela
credibilidade – hoje, bastante reduzida -, de nossa autarquia corporativa.
Se isso fosse verdade, teríamos nas mãos a solução milagrosa para todos
os nossos problemas. Até mesmo para o problema da criminalidade e para a
superlotação dos nossos presídios. Por que não?
O Dr. Roberto Busato, que é um competente
criminalista, poderia providenciar, através das Escolas Superiores da
Advocacia, a realização de cursos de Direito Penal, que seriam ministrados em
todos os nossos presídios. Se necessário, poderiam ser celebrados convênios com
as Universidades e com o Estado brasileiro, para a devida remuneração dos
mestres, designados pela OAB. Ao término
do Curso, a própria OAB poderia realizar um Exame, para avaliar o
aproveitamento dos detentos. Os aprovados poderiam ser libertados,
evidentemente, porque estariam inteiramente recuperados para o convívio social.
Conhecendo o Código Penal, logicamente, eles não poderiam voltar a delinqüir,
da mesma forma como os advogados que conhecem o Código de Ética da Advocacia passam
a demonstrar a mais ilibada conduta, em qualquer situação. Quem afirmou isso
foi o próprio Presidente da OAB.
O mais incrível é que essa idéia não nos tivesse aparecido, muito antes!
Pois bem, Exmo. Sr. Dr. Presidente da ANPR, de acordo com o referido
noticiário, a Seccional da OAB no Rio de Janeiro acusou os integrantes do Ministério
Público de extrapolarem as suas funções, por terem feito diversas requisições,
referentes, por exemplo, aos critérios utilizados pela OAB/RJ
para a realização e correção do Exame de Ordem, aumento das anuidades, registro
de cooperativas de advogados, e aos critérios para a concessão de assistência a
advogados.
O Presidente da OAB/RJ, em represália, pediu providências ao CNMP e ao
Procurador Geral da República, alegando que a Ordem “constitui-se como um
serviço público federal autônomo que não se emoldura como integrante do Poder
Público e, ainda que pública, não tem vinculação ou subordinação a órgão
algum”.
Como se isso fosse
juridicamente possível!!! Se um determinado órgão, no
Brasil, tem natureza jurídica de direito público, precisará ser enquadrado na administração direta, caracterizada pela subordinação,
ou na administração indireta, caracterizada pela vinculação. Não existe uma
terceira hipótese, a não ser a da OAB, cuja caracterização jurídica é, até
hoje, um segredo mais bem guardado do que o segredo da Esfinge!
Não resta dúvida,
portanto, conforme dito por Vossa Excia., que a OAB deve se submeter ao
controle da legalidade, como qualquer outra instituição, pública ou privada. A
OAB deveria defender a Constituição, o que significa, inelutavelmente, que, na
absoluta ausência de argumentos jurídicos favoráveis ao Exame de Ordem, já
inteiramente constatada, ela deveria rever o seu posicionamento. Para cumprir a
sua missão constitucional, o seu Código de Ética e o próprio juramento do
advogado.
No entanto, os seus dirigentes preferem se
comportar como se detivessem o monopólio da moral e da ética, adotando um
comportamento fundamentalista, regido sempre pelo princípio da autoridade e
pela máxima segundo a qual os fins justificam os meios.
Não resta dúvida,
contudo, de que ao Ministério Público cabe, também, a defesa da Constituição e,
no caso, a defesa do direito dos milhares de bacharéis que estão sendo
inconstitucionalmente impedidos de exercerem a advocacia, direito esse
assegurado, como cláusula pétrea, no art. 5º, XIII, de nossa Carta Magna.
Permita, portanto, Excia., que o parabenize,
e aos Procuradores da República, uma vez mais, e que lhe encaminhe esta
Profissão de Fé, em relação ao Ministério Público Federal, que certamente se
manifestará, em defesa dos milhares de bacharéis que estão sendo impedidos de
trabalhar, em todo o Brasil, devido a essa exigência inconstitucional, da Ordem
dos Advogados do Brasil.
Belém (PA), 19.07.2006
Atenciosamente,
Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional da Unama