Sabatina
do erro
Exame da OAB virou instrumento de reserva do mercado
por Edmar Luiz de Oliveira Fabrício
Segundo interpretação
praticamente unânime acerca do disposto no artigo 8º, inciso IV, do Estatuto da
Ordem do Advogados do Brasil, o Exame de Ordem visa aferir conhecimentos
básicos do candidato à inscrição definitiva nos quadros de advogados da OAB, de
sorte a prevenir que ingressem no mercado de trabalho
profissionais sem os conhecimentos mínimos indispensáveis ao exercício da
advocacia.
Também segundo reiteradas
declarações públicas de presidentes e conselheiros da OAB, é precisamente esse
o espírito da citada norma e o objeto principal da exigência de aprovação do
candidato no Exame de Ordem para ingresso na carreira da advocacia.
Esse entendimento acerca da
finalidade da lei também integra um documento firmado pela ENA — Escola
Nacional de Advocacia, encaminhado ao presidente do Conselho Federal da OAB.
Trata-se de uma proposta aprovada pela diretoria-geral da ENA, sugerindo ao
Conselho Federal da OAB a adoção de diretrizes para a criação de uma “Política
de Formação Continuada para a Advocacia”.
Merece especial destaque ao
tema ora tratado a transcrição do seguinte trecho desse documento:
“Se inexiste habilitação
universitária específica a formar o profissional da advocacia, mas, pelo
contrário, o grau de bacharel possibilita ingresso em uma de várias categorias
de operadores jurídicos, imperiosa a verificação de conhecimentos mínimos
indispensáveis ao exercício da profissão. Nesse fundamento repousa o Exame de
Ordem, exigência legal ao encargo da OAB” (sem destaques no original).
Não se sabe ao certo o
destino que tomou essa proposição da ENA no âmbito do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil. No entanto, vale a reafirmação do entendimento nela
contido, do qual nem a própria OAB discorda: a verificação de conhecimentos
mínimos indispensáveis ao exercício da profissão é o fundamento central da
exigência legal da submissão do candidato ao Exame de Ordem. Infelizmente, na
prática, não é isso que se verifica.
O Exame de Ordem que, em sua
essência, deveria destinar-se a verificar a aptidão do candidato ao exercício
da profissão, transmudou-se em verdadeiro instrumento de “reserva de mercado”,
obstruindo o ingresso de profissionais da advocacia no mercado de trabalho.
Outra lamentável constatação
sobre a forma com que vêm sendo conduzidos esses certames e suas conseqüências
é a crescente proliferação de “cursinhos
preparatórios” de duvidosa seriedade, dentre os quais alguns que contam em seu
corpo docente com profissionais ligados às próprias escolas de advocacia das
seccionais estaduais.
Com efeito, a forma com que
vêm sendo elaboradas as provas do Exame de Ordem não deixa margem para qualquer
dúvida sobre o fato de que esse exame abandonou
por completo o objetivo de testar conhecimentos mínimos dos candidatos para o
exercício profissional.
Trata-se de provas cujas
questões, além de mal redigidas, vêm impregnadas de sutilezas e artimanhas
próprias a induzir o candidato ao erro e que, de outro modo, pouco ou nada
servem para efetivamente testar conhecimentos jurídicos dos sabatinados.
Some-se ainda o fato de que,
segundo a nova sistemática adotada pela OAB, os candidatos deverão submeter-se a uma
prova de conhecimentos gerais contendo 100 questões, o que dificulta ainda mais
a possibilidade do bacharel em Direito (bom ou mau) de ingressar na carreira da
advocacia.
Evidentemente, não se está
aqui a defender a tese de que se deva abolir a exigência do Exame de Ordem para
ingresso na carreira da advocacia. Tampouco a de que se deva torná-lo mera
formalidade para o cumprimento da exigência legal, facilitando o ingresso na
carreira de profissionais sem os mínimos conhecimentos técnicos para o
exercício da advocacia, como ocorria há alguns anos.
Se houve equívoco nos
primeiros certames feitos logo após o início da vigência do atual estatuto, por
meio dos quais despejou-se no mercado da advocacia milhares
de profissionais inaptos ao exercício da profissão (que certamente
continuam a atuar), esse erro não pode ser compensado agora com outro, a saber,
com a equivocada idéia de que o exame deva constituir obstáculo ao ingresso na
profissão de candidatos potencialmente aptos para o múnus da advocacia.
O que não se pode admitir, em
qualquer hipótese, é o desvio de finalidade da norma legal para outros fins,
tais quais a reserva de mercado e o estímulo à proliferação dos famigerados
cursinhos preparatórios, principais beneficiados com a atual sistemática
adotada na condução desse exame.
É bom lembrar que os
altíssimos índices de reprovação registrados nos últimos anos, invariavelmente
justificados pela OAB como decorrência do baixo nível do ensino nas
universidades, não podem ser debitados exclusivamente a este problema que,
admita-se, efetivamente existe. Há casos de bacharéis egressos de boas
faculdades de Direito, com excelente histórico escolar e que, no entanto, não
conseguem atingir a pontuação mínima para aprovação na prova de conhecimentos
gerais do exame.
Algo de errado parece
acometer o raciocínio trilhado pelos dirigentes da OAB. Do contrário, passemos
então a admitir que os indigitados cursinhos preparatórios estão ensinando
melhor do que as faculdades de Direito — instituições de ensino oficial.
Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2006