INCONSTITUCIONALIDADE DO REGULAMENTO
DA OAB
Fernando Lima
Professor de Direito
Constitucional da Unama
16.05.2004
O Regulamento
Geral da Ordem dos Advogados do Brasil, aprovado há quase dez anos, em novembro
de 1994, pelo seu Conselho Federal, é inteiramente inconstitucional. São 158
artigos nulos, que de acordo com a melhor doutrina nunca existiram, e que
tratam dos mais diversos assuntos, desde o exercício da advocacia, as
prerrogativas e os direitos dos advogados, a inscrição na OAB, o estágio, a
cobrança das anuidades e taxas, até a fiscalização dos cursos jurídicos, o
exame de ordem e as eleições para os conselhos dessa autarquia corporativa.
O Regulamento
Geral é inconstitucional porque foi elaborado pelo Conselho
Federal da Ordem, que não teria competência para regulamentar a Lei nº 8906, de
04.07.1994, exatamente o Estatuto da Advocacia, porque compete
privativamente ao Presidente da República, de acordo com a Constituição Federal
(art. 84, IV), expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis.
É verdade que a
Lei nº 8906/94 disse, em seu art. 54, V, que compete ao Conselho Federal da OAB
“editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina e os
provimentos que julgar necessários”, e que o art. 78
dessa mesma Lei determinou que “Cabe ao Conselho Federal
da OAB, por deliberação de dois terços, pelo menos, das delegações, editar o
regulamento geral deste Estatuto, no prazo de seis meses, contados da
publicação desta lei”.
No entanto, é
evidente que esses dispositivos do Estatuto da OAB conflitam frontalmente com a
norma constitucional, do art. 84, IV, que atribuiu privativamente ao Presidente
da República o poder de regulamentar as leis federais. Além disso, cabe
esclarecer que nem mesmo o Presidente da República poderia delegar esse poder
que lhe é constitucionalmente atribuído, haja vista que o parágrafo único do
mesmo art. 84 estabelece que o Presidente poderá delegar aos Ministros de
Estado, ao Procurador Geral da República ou ao Advogado Geral da União, as
atribuições mencionadas nos incisos VI, XII, e XXV, primeira parte, desse
artigo. Não se refere, portanto, ao poder regulamentar, constante do inciso IV,
nem se refere, muito menos, à Ordem dos Advogados.
É princípio inconteste, em nosso ordenamento
jurídico, a supremacia constitucional, de modo que, ocorrendo o conflito entre
a norma constitucional e a Lei 8906/94 (arts. 54, V e
78), que pretendeu atribuir ao Conselho Federal da OAB uma
competência que é privativa do Presidente da República, não resta outra solução:
a norma infraconstitucional não poderá produzir efeitos jurídicos. Por essa
razão, é nulo e de nenhum efeito todo o Regulamento Geral da OAB, aprovado em
1994 pelo Conselho Federal, em obediência a essas normas inconstitucionais do
Estatuto da OAB.
Mas como seria
possível que, durante dez anos, fossem aplicadas essas normas
inconstitucionais, sem que nenhuma providência fosse tomada? Não foi a
primeira, nem será a última vez. Ocorre que somente o Judiciário, se provocado
através da propositura de uma ação, poderia decidir a respeito dessa
inconstitucionalidade, e até mesmo retirar da ordem jurídica os dispositivos
que conflitam com a Constituição Federal, provavelmente depois de alguns anos
de tramitação processual, devido à tradicional morosidade de nossa Justiça. No
Supremo Tribunal Federal, apenas para que se tenha uma idéia, existem mais de
mil ações diretas de inconstitucionalidade aguardando julgamento, além dos
outros milhares de processos que congestionam esse Órgão. Por essa razão, como tem ocorrido em inúmeros
outros casos, a nossa Constituição se torna inefetiva,
porque costumam prevalecer, durante décadas, as normas inconstitucionais. A
Constituição se torna letra morta, porque a nossa jurisdição constitucional tem
sido incapaz de impedir os freqüentes atentados contra a sua supremacia.
No entanto, em
pelo menos uma oportunidade, a questão já foi levada até o Supremo Tribunal
Federal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.194, ajuizada em
1.996, pela Confederação Nacional da Indústria, que argüiu a
inconstitucionalidade de diversos dispositivos do Estatuto da Advocacia, entre
eles o do art. 78, que pretendeu transferir o poder regulamentar ao Conselho
Federal da OAB. O Supremo julgou inconstitucionais
alguns desses dispositivos, mas acatou a preliminar de ilegitimidade ativa da
Confederação Nacional da Indústria, em relação ao art. 78, por falta de
pertinência temática. Em outras palavras: devido a certos detalhes
técnico-processuais, o Supremo se negou a examinar o art. 78 do Estatuto da
OAB, para decidir se ele é ou não inconstitucional, porque a Confederação da
Indústria somente poderia argüir a inconstitucionalidade desse artigo se
ficasse comprovada a pertinência temática, isto é, a existência de uma relação
entre a norma impugnada e as atividades da requerente.
Apesar disso, todos sabem que essa norma é inconstitucional,
assim como a do art. 54, V, também do Estatuto, porque nenhuma lei poderia
atribuir ao Conselho Federal da OAB uma competência, a de regulamentar as leis,
que é privativa do Presidente da República, de acordo com o art. 84, IV, da
Constituição Federal, e todos sabem, também, que o Regulamento Geral é nulo,
porque não poderia ter sido aprovado pelo Conselho Federal da OAB.
É estranho que a própria OAB, que também deveria saber dessa
inconstitucionalidade, tenha preferido utilizar a competência que lhe foi
irregularmente atribuída, ao em vez de defender a Constituição, conforme
previsto no art. 44 de nosso Estatuto.
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