ANA MARIA RODRIGUES BARATA
As
oportunidades profissionais para quem é graduado em Direito, as deficiências do
ensino jurídico e o perfil do bom professor são questões abordadas com objetividade
e franqueza pela professora ANA MARIA RODRIGUES BARATA, umas das principais
referências da cultura jurídica do Estado do Pará. Advogada, mestre
Dona
de uma didática singular, costuma impressionar os
alunos pela praticidade das suas aulas. Quando foi lecionar sobre patrimônio
histórico, em vez de ler o velho Decreto-lei nº 25/37, envolveu a turma em um
profundo estudo sobre os bens históricos de Belém. Seus pupilos já assistiram a
sessões de licitação, fizeram audiência simulada de processo disciplinar e,
assim, foram experimentando o contato com o mundo real, geralmente diferente
daquele que se oculta na letra fria da lei.
Durante
seminário
Revista
Jurídica Consulex - Que perspectivas
profissionais espera o bacharel em Direito?
Professora Ana
Maria Barata - O campo do Direito é
muito amplo. Entretanto, não acho que se deve fazer direito só por causa da
ampliação de mercado. O profissional que vai atuar nesse âmbito deve se
identificar com a ciência jurídica. Digo aos meus alunos que duas coisas são
estruturais em nossa vida e devemos vivê-las com prazer: o nosso amor e a nossa
profissão. Os que conseguem ter as duas, são mais felizes. Assim, quem ainda
não tem as duas, tenha pelo menos uma delas e lute para conseguir a
outra.
Consulex - A formação jurídica, na verdade, abre um leque de
oportunidades...
Professora Ana
Maria - O curso, com toda certeza, é
o que oferece maiores inserções no mercado de trabalho. Esse profissional pode
ser: advogado, procurador jurídico nas três esferas políticas, membro do
Ministério Público nas duas esferas, magistrado federal e estadual, defensor
público federal e estadual, consultor jurídico nas três esferas, assistente
jurídico, delegado de polícia, investigador, auditor, fiscal de tributos e do
INSS, assessor jurídico. Além de todas essas profissões, é possível cumular com
a de professor, entre outras. Enfim, o mercado é amplo, mas a exigência é
compatível com as possibilidades, pois esses cargos são disputadíssimos.
Consulex – Mas a procura pelo serviço público representa uma
enorme concorrência. Um concurso é uma loteria...
Professora Ana
Maria - Vejo na carreira púbica,
principalmente a jurídica, o meio estável de garantir um trabalho e estruturar
a vida, quando se gosta da profissão escolhida. Hoje determinadas carreiras
chegam ao valor de R$
Consulex - Qual é a melhor preparação?
Professora Ana
Maria - Atualmente os cursos de
pós-graduação estão fazendo um diferencial nos concursos, porquanto os editais
estabelecem pontuações para os títulos, o que tem gerado ampla procura por
cursos dessa natureza. Também, a concorrência hoje é nacional. O que se vê são
verdadeiras caravanas de candidatos fazendo concurso em todo o Brasil,
acirrando mais ainda a competição. Por essa razão é que não compreendo por que
o estudante perde tempo na faculdade, esperando mais pelo diploma do que pelo
conhecimento.
Consulex - Essa forma de acesso aos cargos e empregos públicos
vem também empurrando muitas questões para o Judiciário. Há casos em que a
decisão é na Justiça...
Professora Ana
Maria - É verdade. A
responsabilidade de quem realiza e executa concursos públicos é muito grande.
Muitas situações ensejam demandas judiciais. Desde os aspectos formais
relativos à contratação de empresas sem licitação, e, que às vezes não é o caso
de dispensa, e isso vem paralisando os concursos. No âmbito material, outras
questões promoveram discussões, pois o fato de não termos uma legislação
estabelecendo regras gerais para esse processo seletivo, força o Ministério
Público a atuar e o Judiciário a decidir alguns desses conflitos.
Consulex – Voltemos à questão da preparação para a carreira.
Como a Senhora vê o panorama do ensino jurídico no Brasil?
Professora Ana
Maria - Se consideramos o ensino pelo
desempenho das avaliações do Exame de Ordem, do antigo Provão, hoje ENADE, e,
nos concursos públicos, temos um panorama não muito satisfatório. Inclusive
hoje temos sobra de vagas em concursos públicos de maior relevância. Dessa
forma, alguma coisa está errada. Entretanto, precisamos diagnosticar onde estão
os erros. Essas deficiências poderão ter origens nas instituições de ensino, no
professor e no próprio aluno, devendo alguma coisa ser repensada para mudar
esse quadro.
Consulex – E o excesso de cursos de Direito no país?
Professora Ana
Maria – Também é preciso considerar
isso. Muitas vezes as instituições não possuem estrutura satisfatória para
promover cursos de qualidade. Essa estrutura diz respeito também ao corpo
docente. Sabemos que um bom docente deve preencher um perfil especial. Não sei
se posso chamar isso de vocação, aliado ao aperfeiçoamento que ele precisa
dominar para desenvolver técnicas de ensino e assim possa ministrá-lo com
qualidade. Se temos “fábricas” de bacharéis, não temos
“fábricas” de bons docentes, no bom sentido. Vai chegar um momento em que
haverá falta de bons professores para preencher as necessidades de tantos
cursos jurídicos.
Consulex - Na sua avaliação, o que é ser um bom docente?
Professora Ana
Maria - Não existe teste para
detectar um bom docente. Entretanto algumas diretrizes apontam para um perfil.
Acredito que a vocação é um dado inicial. Depois é necessário que esse docente
possa acumular volume de conhecimentos que lhe garanta amplo domínio sobre a
matéria, e seus conteúdos periféricos. Ser portador de titulação é importante
como crescimento pessoal. Produzir conhecimento também é ideal. Aliado a isso,
buscar sistemáticas metodológicas de ensino por meio de cursos formativos que
se apliquem à área jurídica, pois quando nos formamos não temos uma linha
vinculada à área da licenciatura, somos tão-somente bacharéis, e para um bom
professor essas técnicas pedagógicas são de fundamental importância.
Consulex - O que a Senhora acha do ensino baseado no chamado
“método caso”?
Professora Ana
Maria - Participei
Consulex - Já se viu proposta de curso de Direito em três anos,
o que foi combatido pela OAB. Qual é a sua opinião?
Professora Ana
Maria - O curso em três anos é golpe
empresarial. Defendo inclusive que a duração do curso seja ampliada para seis
anos, sendo o 6º ano dedicado à sedimentação para a profissionalização do
formando, que consistiria em o aluno, após os cinco anos, já se decidir pela
área que gostaria de atuar. Assim, o advogado faria um ano ou um semestre de
prática de advocacia e isto poderia até já ser uma proposta substitutiva do Exame
de Ordem, pois a Universidade já prepararia aquele profissional.
Consulex - E se quisesse seguir uma carreira no serviço público?
Professora Ana
Maria - O aluno que resolvesse
seguir a carreira de serviço público seria preparado para exercer os cargos de
juiz, membro do Ministério Público, e assim sucessivamente, com outros
segmentos profissionais. A sistemática seria como ocorre na residência médica
ou no caso da diplomacia.
Consulex - A propósito, como tem sido o papel da OAB no processo
de revitalização do ensino jurídico?
Professora Ana
Maria – A OAB tem um papel
fundamental nesse processo, que deve ultrapassar sua competência de mero
fiscalizador. Deve ser uma entidade partícipe desse processo. A OAB pode atuar
além do “Exame de Ordem” ou o selo “OAB Recomenda”. No Pará, o nosso Presidente
criou o “Fórum Permanente de Debates sobre o Ensino Jurídico”, de que tive a
honra de participar. Os debates foram muito bons. Penso mesmo que a OAB deve
abrir um canal permanente para discentes e docentes, uma espécie de ouvidoria,
para detectar os problemas surgidos no ensino e tentar junto com todos
solucionar o problema.
Consulex - Hoje ainda se assiste conflito entre professor e
aluno?
Professora Ana
Maria - Esse conflito acadêmico é
eterno. Nós, como coordenadores, vivemos intensamente o estresse desse
conflito. E sempre há razão para ambas as partes. O professor reclama de aluno
que não quer nada com o curso. Por outro lado, há reclamação de que o professor
“sabe muito, mas não sabe passar”. Essa é a mais recorrente. Ou que o professor
perseguiu o aluno na hora da nota. Enfim, tentamos resolver esses impasses.
Pensa que acabou? O problema mais sério é solucionar a violência que está
entrando pela sala de aula. Já vimos algumas manifestações que às vezes podem
passar da verbalização. Alguns alunos apresentam graves desvios de condutas, e,
se a família não conseguiu resolver isso, fica difícil a faculdade dar
solução.
Consulex - Muitos alunos são ainda absolutamente imaturos...
Professora Ana
Maria - É um outro dado a ser
considerado. Há alunos que ingressam no curso superior muito
jovens, em média 16, 17 anos, e alguns ainda não perceberam que a
postura deve ser outra, o que nos leva a ter de lidar com os eventuais
problemas da idade em plena formação universitária.
Consulex - Qual é a sua avaliação sobre o sistema de cotas nas
universidades?
Professora Ana
Maria - Esse é um tema bastante
polêmico. Mas, começo pela regra do direito, de que todos são iguais perante a
lei. Diante da nossa cruel realidade, isso é verdadeiro? Com isso, parto para a
pergunta. Será que todos terão acesso às universidades púbicas? Ora, tenho de
trabalhar com a realidade que se põe. Será que os egressos das escolas públicas
apresentam as mesmas condições dos que vieram das escolas privadas? Será que
eles se preparam para enfrentar o vestibular de forma igual? Penso que a
resposta é óbvia: não. Como não são iguais é preciso estabelecer critérios que
os igualem, e o sistema de cotas pretende traduzir essa igualdade.
Consulex – Nas suas palestras, ouve-se falar em multidisciplinariedade
no ensino. O que vem a ser isso?
Professora Ana
Maria - Significa que o professor
não pode enxergar apenas a sua disciplina específica. Também não acho que ele
deva ser um enciclopedista, que ensine de tudo. Sabe-se que o universo do
Direito é muito grande, e há certa dificuldade em se saber tudo, até porque ele
é dinâmico. Entretanto, o docente precisa ter conhecimento das ferramentas
periféricas do seu estudo. Nenhuma temática jurídica pode estar apartada da
Constituição brasileira, assim como nenhum operador do direito pode saber
conteúdos se não construir sua produção jurídica com base na Constituição. Acho
mesmo que grande parte do curso de direito deveria abranger direito e processo
constitucional. Afora isso, outros ramos do direito precisam estar refletidos
na concepção de sua matéria. Algumas vezes precisamos até de outras ciências,
como a economia, por exemplo.
Consulex - Falando agora em mercado de trabalho, dá para viver
só como professor?
Professora Ana
Maria - A política remuneratória dos
professores é muito baixa. Nem todas as faculdades privadas contam com plano de
carreira universitária. Em regra, o professor trabalha como horista. Por
conseguinte, não tem compromisso institucional. Chega lá, dá sua aula e vai
embora. É importante a instituição envolver seu docente em uma política de
maior permanência.
Consulex - Isso é regra?
Professora Ana
Maria - Na verdade, tenho encontrado
algumas instituições privadas que avaliam o perfil de bons docentes que
apresentam boas idéias, aliada à sua boa titulação, e travam contratos de
fidelidade, em que, aquele profissional atuará apenas naquela Instituição, uma
espécie de dedicação exclusiva. Porém, aquele que não consegue se inserir nesse
perfil, tem de ensinar em várias instituições para poder almejar um salário
razoável, é o chamado professor “Fórmula Um”, e, isso não é bom, pois há queda
na qualidade de seu trabalho, haja vista que o bom professor precisa ter tempo
para estudar e preparar suas aulas, isso sem contar com o grande número de
provas que tem de corrigir.
Consulex - Como é a participação dos alunos no resgate da
qualidade do ensino jurídico?
Professora Ana
Maria - Dependendo do perfil de
aluno que temos, poderemos ter várias condutas. Só para dar um exemplo, existe
na nossa instituição, aqui no Pará, um aluno que tem um caderno onde anota: os
minutos de atraso do professor ou de sua saída antecipada; ausências; se todo o
conteúdo foi ministrado ou não; se a luz não funciona a contento. Enfim anota
tudo, e depois vai com seu caderno na coordenação. Esse é o aluno comprometido
com o processo educacional. Costumo dizer que ele é o ombudsman da
instituição. Nós o temos como um parceiro. O aluno, na verdade, não pode ser um
hóspede na escola. Ele deve ser um colaborador, principalmente apontando os
erros, para ajudar a construir um novo paradigma de educação, até porque a
gênese da palavra educar é: guiar, conduzir, encaminhar. Portanto, o aluno
não deve jogar nos ombros do professor apenas a sua parcela de compromisso no
processo de ensino e aprendizagem: a participação é de todos.
Consulex - Sua postura é de otimismo?
Professora Ana
Maria - Claro. Penso em instituições
investindo no elemento humano, apostando nas suas potencialidades. Investindo
em tecnologias, incentivando a produção dos saberes. Exigindo posturas dos
discentes compromissados com a participação, interação e iniciação científica,
rejeitando velhas fórmulas de ensino. Desejo muito que esse quadro do ensino
jurídico se transforme, para que possamos contar com profissionais capacitados,
éticos e comprometidos com a cidadania e o humanismo. Chegaremos lá.
“Hoje temos sobras de vagas em concursos públicos de maior relevância.
Se há tantos candidatos e as vagas, ainda assim, estão sobrando, alguma coisa
está errada.”
“O curso de Direito em três anos é golpe empresarial. Defendo inclusive
que a duração do curso seja ampliada para seis anos, sendo o 6º ano dedicado à
sedimentação para a profissionalização do formando, que consistiria em o aluno,
após os cinco anos, já se decidir pela área que gostaria de atuar”
“A política remuneratória dos professores é muito baixa. Nem todas as
faculdades privadas contam com plano de carreira universitária. Em regra, o
professor trabalha como horista. Por conseguinte, não tem compromisso
institucional. Chega lá, dá sua aula e vai embora.”
“Existe na nossa instituição, aqui no Pará, um aluno que tem um caderno
onde anota: os minutos de atraso do professor ou de sua saída antecipada;
ausências; se todo o conteúdo foi ministrado ou não; se a luz não funciona a
contento. Enfim anota tudo, e depois vai com seu caderno na coordenação. Esse é
o aluno comprometido com o processo educacional.”