Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional da Unama
O meu avô era português, o pai da
minha mãe. Talvez por isso, eu sempre tive muitos amigos portugueses, alguns
deles no Colégio e outros no futebol, da Praça da República. Um era o Vicente,
que até hoje é muito meu amigo, e que abandonou os estudos no ginásio, para
tomar conta da panificadora do pai. Quase todos os dias eu falo com ele. Mas o
Antonio, eu não via há muito tempo, porque ele mora em Portugal. Na semana
passada, foi uma surpresa, quando ele me telefonou: Qâin
féla? Istás lé? É o Méchédo? Sabes qâin istá a falaire? É o António. Quê tâins faito da bida, ó guéjo? Sabes tu qu’istou aposentado, i amênhã
bou a Belâin, péssaire élgum tâmpo, só péra mataire as sôdades dos émigos?
No dia seguinte, o Antonio chegou, e
fui buscá-lo no aeroporto. No caminho de volta, paramos para tomar uma cerveja.
Estacionei o carro, e o flanelinha perguntou: posso olhar
o seu carro, patrão? Eu, evidentemente, procurei parecer calmo e simpático,
para evitar maiores danos, mas o Antonio ficou intrigado: Més
iscuta lé, ó guéjo, olhaire u quérro? Lé in Purtuguél,
as p’ssoas neão ficam a olhaire u quérro di ningain. Isso péra mim é nubidéde. I’iêl bai ti pidire
dinhairo, péra isto? I si
tu neão péguéres?
Levei pelo menos umas três
cervejas para tentar explicar tudo ao Antonio, e para dizer-lhe que, em Belém,
é preciso sempre pagar aos flanelinhas, e que as
próprias autoridades lhes fornecem uniformes. Tentei explicar que esse é um dos
inúmeros problemas que temos, em decorrência da irresponsabilidade dos
governos, da corrupção, da inflação, da recessão, da globalização, da
privatização, do mensalão, da dívida externa, da
dívida interna, do desemprego, dos juros, da economia informal, mas ele não
ficou muito convencido. Antes, ao contrário, ficou até muito revoltado, quando
lhe contei a respeito dos sem-terra, que invadem e depredam as propriedades
particulares, e também sobre os sem-teto, que invadem edifícios inteiros,
alegando que não têm onde morar, que o proprietário não precisa do prédio, e
que os impostos não foram pagos. O Antonio nem acreditou, quando eu contei que
os sem-terra, os sem-teto e os camelôs estão bem organizados, com sindicatos,
com advogados, e até mesmo com apoio político.
Ara quer dizeire,
antão, qui o guéjo trébélha é bida toda, si méta di tento trabélhaire,
i bâin us sâin teto tumaire tudo u qui é dêl? Tu bais mi disculpaire, ó Méchédo, més écho qui
u brésilairo é mesmo bâin tépédo. Éfinél d’contas, péra qui sérbi
u gubêrno, si num tâins ninhuma sigurênça? Só péra cobraire impostos? Tu num és
um quéracole, péra quérrigaire é tua quésa né québêça. Quer dizeire antão, qui si tu biajéres, arrênjas nobo pruprietério péra é tua quésa? Bou contaire esta in Purtuguél, condo boltaire, e bou mataire os émigos di lé, de tento rire. Écho éte
qui équela bérulhaira do quérnabale jé debe teiré
amulecido us miólos dus brésilairos. É berdadi qui u gubêrno
tâin qui risulbeire u prublema dos sâin-teto, més não desse jaito, é tumaire é prupriedadi pérticulaire. Digue-me lé, ó Méchédo, quâin bai pégaire us impostos? Us sâin-teto? In Portuguél, é prupriedade é diseprupriéda, purêm o pruprietério ricébe in dinhairo u bâloire du seu imóbil. U qui débe
seire incentibado é u trébélho, i neão é séfédêza.
Você tem toda a razão, Antonio. Do
jeito que as coisas vão, por aqui, com os políticos se aproveitando da miséria
do povo, ninguém mais vai pagar os impostos, porque mais da metade da população
já está desempregada, e trabalhando no chamado mercado informal. Os camelôs,
por exemplo, não pagam impostos, e ajudam a causar a falência dos comerciantes,
porque vendem as mesmas mercadorias, no meio da rua, e porque impedem a
passagem dos pedestres pelas calçadas do centro comercial. Aqui em Belém, nós
já temos mais comerciantes, no chamado mercado informal, estabelecidos com suas
bancas e barracas no meio da rua, do que propriamente compradores. E o pior é
que eles, além de impedirem a passagem dos pedestres e até mesmo dos veículos,
ainda sujam as ruas, fazem “gatos” de energia elétrica e vendem mercadorias
ilegais, como os cds e dvds
piratas. Ao mesmo tempo, aumenta a criminalidade, e a desculpa são os problemas
sociais. A polícia não tem pessoal suficiente, nem viaturas, mas quando se
envolve, termina ela própria causando problemas bem piores. Os turistas, então,
nem se fala. Desapareceram completamente.
Sabes, ó Méchédo,
écho que tambâin bou disépéreceire. Écho qui bolto
aménhã mesmo péra Portuguél. Nessa, nâin brésilairo écridita.