Fernando Machado da Silva Lima
22.11.1999
O
deputado federal Severino Araújo já obteve 370 assinaturas para a apresentação
de proposta de emenda constitucional destinada a reajustar os subsídios
parlamentares, que o vulgo denomina salários. Diz esse deputado que é
hipocrisia comparar o salário do parlamentar, que hoje é de oito mil reais, com
o salário mínimo, e que na Itália um parlamentar ganha quatorze mil dólares.
Sendo assim, seria justo um “salário” entre oito e dez mil dólares. Dólares, e
não reais, para ficar ainda mais globalizado.
Pedimos licença, para divergir em absoluto do representante
do povo. A pretensão é dessas, que o mesmo é expor que refutar, porque hoje,
com cinco anos sem reajustes, embora com inflação oficial de 100%; com o
aumento da carga tributária; com o agravamento da recessão e do desemprego; com
a investida oficial contra aposentados e pensionistas; com as pressões sobre o
STF, para lhe imputar a culpa pelo malogro da política econômica e pelo não
cumprimento dos acordos com o FMI; com todo esse quadro, o povo está muito mais
interessado no reajuste do mínimo do que em semelhante valorização do máximo.
Até que poderíamos concordar com esse reajuste em causa
própria, para os nobres congressistas, mas desde que, na mesma emenda, fosse
incluída uma norma que liberasse o valor do salário mínimo, que passaria a
partir de então a ser fixado pelo próprio trabalhador.
Para Adam Smith, em “A Riqueza das Nações”, o produto do trabalho é a recompensa natural
do trabalho, ou seja, seu salário.
Assim, talvez pudéssemos sugerir, para o reajuste anual dos salários, do máximo
ao mínimo, que se tomasse o valor do PIB, dividido pelo número de habitantes, e
que se procurasse evitar um pouco as enormes disparidades hoje existentes.
Já escrevemos sobre o assunto antes. Em 04.12.78, publicamos
neste jornal o texto A Fixação dos Subsídios, apontando a inconstitucionalidade
de projeto de decreto legislativo destinado a fixar subsídios do Governador e
dos deputados estaduais, e dizíamos
então:
“É clara a intenção do legislador
constituinte de evitar a legislação em causa própria, estabelecendo que tanto a ajuda de custo como o subsídio
deverão ser fixados no fim de cada legislatura, para vigorarem durante toda a seguinte.”
Voltamos
a tratar do assunto quando se pretendia implantar em Belém a novidade do
reajuste semestral proporcional ao incremento da arrecadação municipal, com o
artigo A Remuneração dos Vereadores, também aqui publicado, em 24.08.86.
Desejamos, aliás, agradecer a oportunidade que sempre nos foi dada pelo “O Liberal”, que tem assim correspondido
à grande missão da Imprensa, porque contra muitos absurdos publicados até mesmo
nos Diários Oficiais, somente podemos contar, para a defesa de nossos direitos,
com a imprensa, o Judiciário, ou o voto, mas o Judiciário é infelizmente caro e
quase inacessível ao povo e quanto ao voto, o eleitor somente é livre de quatro
em quatro anos, como afirmava Rousseau: “os inglêses enganam-se, eles só são
livres no ato de votar, quando eles têm o poder de escolher os seus
governantes”.
As Constituições Brasileiras sempre se preocuparam com o
problema da fixação da remuneração, ou dos subsídios, dos congressistas. Desde
a Constituição do Império, sempre consagraram uma norma que se pretendia
moralizadora, no sentido de obrigar que os subsídios fossem fixados ao término
da legislatura, para vigorarem durante os quatro anos da legislatura seguinte.
Evidentemente, assim os nossos representantes não precisariam passar pelo
vexame de terem que reajustar seus próprios salários, mesmo que não sejam eles
assim tão hipócritas.
Existem também decisões antigas a respeito, como a do
acórdão unânime do STF, de 04.06.59:
“Exigindo a fixação do subsídio, bem como da ajuda de custo, ao
fim da cada legislatura, a Lei Básica quis preservar o legislador da pecha de
legislar em causa própria, deixando-se influenciar pela cobiça, que é
sentimento fatal à natureza humana e, do ponto de vista jurídico, simplesmente
imoral. Assim, é defeso ao legislador, por artifício, desdobrar o subsídio,
dando-lhe a designação que lhe pareça mais consentânea ou mais sonora, a fim de
aumentá-lo.”
Desde 1.978 vem o Congresso Nacional desobedecendo a essa
norma e não escrevemos agora esperando ser ouvidos, absolutamente, mas porque
nos envergonharíamos de não usar, por medo ou comodismo, da oportunidade que
nos é dada, de divulgar nossos escritos.
Para encerrar, perdoem-nos a comparação com Ruy Barbosa, mas
ele também estava desencantado, quando criticava as despesas do Congresso e
propunha a gratuidade das convocações extraordinárias e a redução do número de
membros da Câmara para a metade e do Senado, de três para dois senadores por
Estado, em artigo publicado no jornal A Imprensa, de 14.06.1.899. Dizia ele:
“Mas, claro está que a nossa receita não poderia competir com a
outra. Tem a outra, para a política brasileira, a superioridade incontestável
de acabar de converter o Congresso em verdadeira ménagerie dos capitães-móres
da República, gente apaixonada pela criação das águias de galinheiro. A nossa,
pelo contrário, apresenta a inferioridade lastimável de reduzir o número de
ninhos para os afilhados. Congresso vasto, numeroso e de mão estendida ao
suborno político e ao suborno privado, isso sim! Leva a breca a Constituição,
com a moralidade pública e a garantia da independência legislativa.”
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