O   E X A M E   D A   O A B

Sérgio Cleto

Um cidadão brasileiro cursou Direito, foi aprovado em todas as matérias durante os cinco anos do curso superior, e colou grau em estabelecimento de ensino devidamente reconhecido pela União Federal.

Para se formar, todo aluno precisa cursar obrigatoriamente as disciplinas de estágio profissional. Portanto, quem cola grau está apto ao exercício da profissão.

Ocorre que no caso do Bacharel em Direito e este é o caso único no Brasil, pois para o Contador a exigência do Exame de qualificação está em suspenso em razão de um Mandado de Segurança concedido pela Justiça, para que o mesmo possa exercer a profissão para a qual se qualificou ao longo de CINCO anos, é necessário ingressar na OAB Ordem dos Advogados do Brasil.

Para o ingresso no quadro da OAB é exigida à prestação prévia de um " exame de ordem" , que supostamente o Conselho estaria autorizado a exigir conforme estabelece art. 58 da Lei 8.906/94.

Ao fazer isto, entretanto, a autarquia está agindo à margem da Constituição, praticando ato ilegal e arbitrário e tornando a atividade fiscalizatória em uma  censura prévia, que, a bem da verdade, visa a preservação do mercado de trabalho dos já inscritos visto a maioria deles não prestou o tal exame.

A liberdade ao exercício profissional do formado em curso superior reconhecido e fiscalizado pela União é uma garantia constitucional fundamental e princípio democrático.

NÃO SE ADMITE A CENSURA PRÉVIA ao profissional.

Assumir que o formado " poderá" não ser um bom profissional, e por isto a OAB o proíbe de advogar.

Quem decide se o Bacharel é ou não um bom profissional é o mercado, seja este Bacharel um Veterinário, Médico, Dentista, Engenheiro, Contador, etc.

Os profissionais que comentem erros são excluídos do mercado de trabalho em qualquer país do mundo!

A OAB, embora como órgão profissional tenha o direito de punir os advogados, não pode fazer esta punição previamente, impedindo alguém, declarado qualificado pela instituição de ensino competente e imparcial, de exercer sua profissão.

Seria o mesmo que proibir um jornalista de escrever, sob o argumento de que sua escrita poderia ferir o direito de terceiros.

Ou impedir um médico diplomado de exercer a medicina, sob o argumento de que alguém poderia vir a ser ferido.

Não se pode admitir a censura prévia em uma democracia.

O tal exame de ordem foi um dispositivo introduzido na Lei 8.906/94 para atender o lobby da OAB e criar restrição ao exercício profissional. Disse a lei:

" Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário

I - capacidade civil;

  II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;

III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;

IV - aprovação em Exame de Ordem;>

V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;

VI - idoneidade moral;

VII - prestar compromisso perante o conselho.<

§ 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.

O legislador não se preocupou em conceituar, definir, sequer o que é o exame de ordem. Criou uma norma " em branco" , e ainda por cima delegou ao Conselho Federal da OAB a " regulamentação" do instituto que sequer fora conceituado.

A Constituição Federal estabelece a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

O legislador infraconstitucional não pode impor qualquer outra restrição, que não seja atinente à qualificação profissional. Diz a Lei Magna:

" Art. 5º: XIII- é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer."

Segundo a Constituição Federal, a qualificação profissional decorre da educação, e não de um exame perante conselho profissional de fiscalização do exercício profissional,está no seguinte artigo:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

As qualificações profissionais foram disciplinadas pelo legislador mediante a LDB, a conhecida Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei federal 9.394/96. Ficou estabelecido o seguinte:

" Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

O Legislador disciplinou, dentro dos ideais da Constituição Federal, que os cursos superiores são responsáveis pela declaração da aptidão para inserção no mercado de trabalho. Sendo que os diplomas expedidos por tais cursos são prova da formação recebida pelo titular.

Sendo assim, se o exame de ordem não é qualificação profissional, e se também não é apto para declarar a existência ou não da qualificação profissional, conclui-se que é inconstitucional que o legislador tenha o instituído como um instrumento destinado a restringir o exercício profissional, quando a Constituição Federal assegurou a liberdade restrita apenas à existência de qualificação, e não a outros requisitos.

Ou seja:

                        a) a qualificação profissional, segundo a Constituição Federal, decorre da educação.

                        b) segundo a LDB, a avaliação da aptidão para a inserção no setor profissional será feita pelas instituições de ensino, e será provada mediante os diplomas por elas expedidos.

                        c) o Poder Público quem autorizará a instituição de ensino e avaliará sua qualidade.

                        d) não cabe à OAB ou a qualquer outro Conselho Profissional avaliar a aptidão para a inserção no setor profissional. Logo, o exame de ordem não se presta a tal finalidade.

                        e) não se prestando o exame de ordem à avaliar a qualificação profissional, ele também não pode restringir o exercício da profissão, já que a Constituição Federal diz que a única restrição possível diz respeito à qualificação profissional.

Ninguém será obrigado a deixar de fazer algo senão em virtude de lei: jamais em virtude de normas do Conselho Federal da OAB.

A OAB não pode agir em substituição ao legislador naquilo que é atribuição privativa da lei por determinação da Constituição Federal.

Se a lei instituísse estudos complementares a serem ministrados por alguma entidade, poderia estar exigindo dos estudantes qualificação profissional.

Mas um exame não qualifica ninguém, apenas avalia uma pessoa.

Mormente um exame nos moldes que é aplicado este da OAB:

1) 100 questões com enunciados muito mal redigidos, que levam o examinando a erro;

2) 4 opções de respostas muito similares umas das outras, que induzem novamente o examinando a erro;

3) 4 longas e exaustivas horas aos domingos, dia universalmente sagrado ao descanso do cidadão e do trabalhador, iniciando-se o dito exame logo ao raiar do dia, para que o examinando fique ainda mais desconfortável e não consiga superar estes obstáculos;

4) provas realizadas em bancos escolares, desconfortáveis em 100% dos casos;

5) um batalhão de examinadores que faz lembrar a velha KGB ou a Gestapo;

6) cobram a bagatela de R$ 130,00 de cada examinando, a cada exame;

7) exame realizado em duas fases: a primeira aquela dos ridículos testes e, em sendo aprovado, exame escrito, onde o cidadão deve responder quatro questões e preparar uma Peça Jurídica, em geral extremamente complicada para os conhecimentos de um recém formado;

8) após a conclusão dos testes é necessário um trabalho de transcrição para a folha de respostas, trabalho este que lembra a velha LOTECA tupiniquim;

9) se o examinando é reprovado na Prova da LOTECA, não se submete a fase escrita do Exame. Se passa pela prova da LOTECA, faz a prova escrita. Se é reprovado na escrita, deve na próxima oportunidade novamente se submeter a prova da LOTECA.

É uma verdadeira e exaustiva Roda-Viva!

Se o exame da OAB pudesse prevalecer sobre a avaliação da instituição de ensino, então seriam os critérios da OAB que deveriam ser adotados para a educação profissional, e não os da instituição de ensino.

Aceitar que a OAB possa elaborar ela própria a avaliação do que considera necessário para um profissional ingressar na profissão é lhe conceder o poder de utilizar critérios distintos daqueles que foram escolhidos pelos educadores das instituições de ensino superior, como os imprescindíveis para o exercício da profissão.

O Conselho Federal poderá, ao seu bel prazer, baixar exigências arbitrárias que, na verdade, visam dificultar o acesso ao mercado de trabalho de profissionais que, no entanto, estão perfeitamente preparados para o início do exercício profissional. E o exame de ordem deixará de ser um critério de avaliação profissional para se tornar um critério de exclusão.

O cidadão está  submetido a uma situação arbitrária. Ele estuda durante 5 (cinco) anos em uma instituição reconhecida e fiscalizada pela União Federal, declarada apta a formar para o exercício profissional, gastará em torno de R$  60 mil somente com prestações escolares, mas não saberá senão no dia do exame de ordem se tudo aquilo que estudou é o que deveria ter estudado para poder exercer sua profissão.

Possibilitar que tal instituição de classe recuse ao profissional mediante critérios de sua livre escolha tudo aquilo que foi considerado relevante e o necessário pelos profissionais da educação que compõe as instituições de ensino é um desproposito.

Não cabe à OAB o julgamento de qual é a melhor ou pior instituição de ensino, e tampouco qual é a pessoa mais ou menos apta ao exercício profissional.

Como podem os advogados avaliarem quem poderá exercer ou não a profissão sem espelharem-se em si próprios?

De fato, se permitirem que o julgamento da aptidão seja feito pelos próprios advogados, eles escolherão a si mesmos como paradigmas.

Recusando, por isto mesmo, aqueles que são diferentes.

Justamente aqueles que, em virtude de tal diferença, possam vir a ser melhores e mais aptos que os avaliadores/concorrentes.

NÃO SE PODE ADMITIR A CENSURA PRÉVIA À LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL.

Citando o professor Vital Moreira, constitucionalista da Universidade de Coimbra em Portugal, ao se deparar sobre a situação dos advogados no Brasil não pode deixar de comentar:

                        " A Ordem dos Advogados só deve poder controlar o conhecimento daquilo que ela deve ensinar, ou seja, as boas práticas e a deontologia profissional, e não aquilo que as universidades ensinam, porque o diploma oficial deve atestar um conhecimento suficiente de Direito."

                        " Quando o Estado é fraco e os governos débeis, triunfam os poderes fáticos e os grupos de interesses corporativos. Sempre sob invocação da autonomia da " sociedade civil" , bem entendido. Invocação despropositada neste caso, visto que se trata de entes com estatuto público e com poderes públicos delegados. Como disse uma vez um autor clássico, as corporações são o meio pelo qual a sociedade civil ambiciona transformar-se em Estado. Mais precisamente, elas são o meio pelo qual os interesses de grupo se sobrepõem ao interesse público geral, que só os órgãos do Estado podem representar e promover."

O brilhante constitucionalista português tocou exatamente na ferida da OAB.

É uma entidade que virou um monstro de duas cabeças: um momento se apresenta como entidade privada e em outro quer se fazer passar por atividade pública.

Quando é para contratar servidores, escolher o quinto constitucional e seus dirigentes nacionais e fixar anuidades e prestar contas do dinheiro arrecadado, age como entidade privada. Não faz concurso público, escolhe futuros juízes e dirigentes nacionais em reunião estrita de sua diretoria, mesmo método utilizado para fixar suas anuidades, e não presta contas ao TCU, nem passa por Auditoria Independente, ao contrário de todos os demais conselhos profissionais.

Quando é hora de punir o profissional inadimplente, cobrar anuidades em juízo mediante execuções fiscais, e aplicar provas a pessoas diplomadas quer posar de serviço público.

O professor Fernando Lima, constitucionalista excepcional, um dos poucos neste País que não teme enfrentar a fúria dos poderosos interesses da OAB com argumentos democráticos, em artigo que pode ser lido no site www.profpito.com lançou as seguintes questões a respeito do exame de ordem que merecem ser objeto de rigorosa reflexão:

          " Em primeiro lugar, quanto ao Exame de Ordem:

1) Será essa uma forma correta de avaliar a capacidade dos bacharéis, para o desempenho das atividades de advogado?

2) Será que essa avaliação pode substituir as dezenas de provas a que os alunos se submetem, durante todo o curso jurídico?

3) Qual seria o índice de reprovação, se a esse exame fossem submetidos advogados, promotores, juízes, conselheiros da própria Ordem, professores de Direito, procuradores, etc., todos com dez, vinte ou trinta anos de prática jurídica, e de reconhecida capacidade profissional?

4) Se em qualquer concurso jurídico existe a fiscalização da OAB, como no caso da magistratura (CF, art. 93, I) e do Ministério Público (CF, art. 129, § 3º), não deveria o exame de ordem ser fiscalizado por representantes do Judiciário, do Ministério Público e das Universidades?

5) Considerando-se que esse exame é, na verdade, um " concurso para advogado" , com a peculiaridade de que não se sabe quantas vagas existem, porque é eliminatório, e não classificatório, seria possível evitar a influência, nos seus percentuais de reprovação, dos interesses corporativos da classe dos advogados e dos interesses políticos dos dirigentes da Ordem?

Em segundo lugar, quanto aos cursos de Direito:

1) deve o controle da OAB ser conclusivo, para impedir a instalação de novos cursos, ou para determinar o fechamento dos existentes, apenas em decorrência de sua avaliação discricionária, e do " Ranking" que ela publica?

2) Não deveriam ser também fiscalizadas pelo MEC as Escolas Superiores da Advocacia, mantidas pela OAB, em todo o Brasil, que cobram altas mensalidades, e que já oferecem inúmeros cursos jurídicos, de preparação para o exame de ordem, de atualização e de pós graduação?

3) Como se justifica que o corpo docente dessas Escolas, que têm a mesma natureza autárquica da OAB, seja preenchido por " professores convidados" , e não através de concursos públicos?

Em terceiro lugar, quanto aos objetivos do ensino jurídico:

1) o que se pretende? O estudo e a memorização de fórmulas doutrinárias, ou o estudo exegético do direito positivo, " criado" pelos legisladores e pelos juízes?

2) A simples capacidade de obter a aprovação no exame de ordem?

3) ou os bacharéis precisam ter consciência crítica, e precisam ser capazes de participar dos grandes debates nacionais, para que o Brasil possa repensar, reconstruir, e - especialmente- fazer respeitar as suas instituições jurídicas?

Finalmente, quanto ao órgão fiscalizador das Universidades:

1) a OAB é um órgão de controle do exercício profissional, um sindicato, uma instituição de ensino superior, ou um grande censor, um super poder, que possui atribuições para controlar o Judiciário, o Ministério Público, o Legislativo, o Executivo, e as Universidades?

2) Como poderia a OAB conciliar sua função institucional, e de conselho fiscalizador, cujo núcleo é a ética, com a função sindicalista, de defesa dos interesses dos advogados, e de sua remuneração?

3) Como impedir que os interesses corporativos da Ordem e os interesses políticos de seus dirigentes prevaleçam sobre o interesse público?

4) Não seria necessário que a Ordem aceitasse, definitivamente, a sua caracterização jurídica como autarquia, não apenas para gozar de isenções tributárias, mas também para se sujeitar a todas as regras constitucionais, a exemplo do controle externo e da exigência do concurso público?

5) ou será que uma instituição que nem ao menos se enquadra em nossa ordem jurídica pode fiscalizar as Universidades, o Ministério Público e a própria Justiça?"

Refletindo às perguntas do professor, com sinceridade e desprovidos de preconceito, chegaremos à conclusão de que o absurdo do exame de ordem vem sendo tolerado pelos seguintes motivos:

                        a) a Ordem dos Advogados goza de grande prestígio e influência, sendo inegável a contribuição que tal entidade deu à nossa Nação. Em virtude disto, partindo do pressuposto de que a OAB seria uma entidade ética, as iniciativas que os dirigentes de tal corporação vem tomando não vêm sendo objeto de profunda análise crítica pela sociedade, de modo que os equívocos, e mesmo arbitrariedades praticadas, estão passando desapercebidos.

                        b) é desejo de toda a sociedade que os advogados sejam honestos. E, no dia a dia somos surpreendidos com notícias de desmandos supostamente cometidos por advogados, o que acarreta a má reputação de toda a classe.

Conclui-se que todo o debate pode ser concentrado no fato do legislador, ao invés de cumprir sua obrigação constitucional, ter transferido ao arrepio da Carta Magna tal prerrogativa ao Conselho Federal da OAB.

Isto basta para que seja impossível a submissão do diplomado a tal " exame de ordem" .

O debate é necessário, com o intuito de demonstrarmos que, por maior que seja a reputação da OAB, não é admissível que pessoas comprometidas com a busca da verdade se curvem, por preconceito, à crença de que " tudo que a OAB faz é certo, é justo, é legal e é democrático" .

Se a fumaça do bom direito está estampada na violação aos princípios constitucionais, o perigo na demora reside no fato de que, desde quando colaram grau, os Bacharéis em Direito, se tornam desempregados, não podem exercer a profissão em virtude da arbitrária OAB, que exige ilegalmente exame de ordem escorando-se no poder que supostamente lhe fora conferido pela lei e pelo Conselho Federal.

Não podendo exercer a profissão, está criada uma situação de impossível reparação.

Muitos jovens bacharéis se encontram hoje na obscuridade, pois seus concorrentes da OAB os impedem de trabalhar.

Isto é vergonhoso!

Os proventos que deixam de ganhar jamais poderão ser compensados, vez que, somente a partir do dia que puderem trabalhar serão remunerados.

De quem cobrar esta perda irrecuperável?

Este é o  Brasil que a Sociedade quer, aquele que privilegia o Corporativismo?

Não.

Seja feita a Justiça!

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