O CONTO DO DESCONTO

Fernando Machado da Silva Lima

 11.06.2000

 

 

    Até parece que muita gente ainda acredita que todos têm o nariz furado, porque essa turma está sempre procurando um jeitinho de demonstrar sua esperteza e de enganar os outros. Estão sempre inventando novidades, e fórmulas mágicas para o reajuste dos contratos, ou então para o cálculo dos acréscimos, se você tiver a infelicidade de pagar após a data do vencimento.

 

    Isso pode acontecer com qualquer um de nós que precisa adquirir produtos ou serviços, e que pode ser obrigado a assinar um daqueles contratos cheios de fórmulas cabalísticas complicadas, que nem os Ministros do Supremo Tribunal Federal conseguiriam entender, mesmo que pudessem ler aquelas letrinhas microscópicas.

 

    Mas o problema é que nem todos sabem que seus direitos estão legalmente resguardados, há quase dez anos, pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.90), que foi elaborado por expressa determinação da Constituição de 1.988, e também não sabem que consumidor não é apenas aquele sujeito que adquire um eletrodoméstico ou um bem de consumo qualquer, mas igualmente o usuário dos serviços da Cosanpa, da Rede Celpa, das empresas telefônicas, o cliente de uma instituição financeira, ou o pai do aluno matriculado em um estabelecimento particular de ensino.

 

Da mesma forma, nem todos sabem que podem ser anuladas as cláusulas abusivas de um contrato, seja ele bancário, comercial ou de uma instituição de ensino. Não têm validade jurídica, por exemplo, os juros exorbitantes, calculados de maneira enigmática e cobrados de forma abusiva e coercitiva, ou as multas contratuais extorsivas, referentes ao atraso no pagamento das parcelas devidas.  A assinatura de um contrato pressupõe o prévio conhecimento de seu inteiro teor, sem o qual o consumidor não estará obrigado a cumpri-lo. A regra se aplica inclusive aos contratos de adesão, cujas cláusulas são estabelecidas por apenas uma das partes, enquanto que a outra, no caso, o consumidor, se limita a concordar com tudo o que foi previamente estabelecido.

 

    O Código de Defesa do Consumidor estabelece uma série de normas destinadas a proteger a parte hipo-suficiente na relação de consumo, exatamente o consumidor, que é a parte economicamente mais fraca.

 

O art. 52 desse Código estabelece que o fornecedor dos produtos ou serviços, por exemplo, o banco, o colégio, ou a loja comercial, deverá informar prévia e adequadamente o consumidor a respeito do preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional, do montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros, dos acréscimos legalmente previstos, do número e periodicidade das prestações, e da soma total a pagar, com e sem financiamento.

 

Poucos são os que cumprem essa norma, e inúmeras artimanhas são inventadas para enganar o consumidor, e para dissimular o valor real dos juros que estão sendo cobrados. O parágrafo 1o desse art. 52 estabelece que “as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a 2% do valor da prestação”.

 

Quer dizer: se o valor da prestação é de R$100,00, e ela não for paga até o dia do vencimento, o valor máximo da multa que poderá ser cobrada é de R$2,00. Além disso, poderão ser cobrados, ainda, os juros de 0,16% por dia de atraso. Ou seja: com dez dias de atraso, você vai pagar apenas R$103,60.

 

    Mas já inventaram, como não poderia deixar de ser, um artifício ridículo para burlar essa norma, que fixa o valor máximo de 2% para a multa.

 

Preste bem atenção na sua guia de pagamento. Se o valor da mensalidade é R$300,00, mas existe, por exemplo, um desconto de R$80,00 para pagamento no prazo, pode ter certeza de que você está sendo enganado. Isso nada mais é do que uma trapaça vulgar, porque na realidade, o valor que deveria constar na guia, para pagamento no prazo, seria o de R$220,00.

 

 Por esse artifício, o verdadeiro conto do desconto, quem atrasar o pagamento, vai pagar esse valor, mais um acréscimo de R$80,00, mais a multa legal de 2%, já antes referida, mais os juros diários de 0,16%.

 

Quer dizer: uma mensalidade de R$220,00, se você tiver o azar de pagar dez dias depois, terá que pagar “apenas” R$310,80, sendo R$300,00 o valor fictício, R$6,00 da multa legal de 2% e R$4,80 dos juros referentes aos dez dias de atraso.

 

    Uma beleza, não é verdade? Você vai pagar a sua mensalidade com um acréscimo de quase 50%, e será que ainda vai acreditar que perdeu o direito ao desconto, que lhe estava sendo oferecido por uma grande camaradagem do comerciante, do banqueiro, ou do dono do colégio?

 

Você ainda vai achar que a culpa foi sua?

 

Na verdade, você foi enganado através de uma simples fraude, destinada a aumentar os lucros dessa turma, ou a reduzir os índices de atraso nos pagamentos, e que talvez possa ser enquadrada como crime, previsto no art. 66 do Código do Consumidor:

 

 “Fazer afirmação falsa ou enganosa..............sobre o preço ...... de produtos ou serviços”.

 

Na verdade, o consumidor foi enganado a respeito do preço, porque quem pagou em dia não ganhou desconto nenhum. Quem pagou atrasado, por qualquer motivo, é que acabou sendo extorquido, de maneira que a norma do Código de Defesa do Consumidor que fixa a multa máxima em 2% virou letra morta.

 

    Outra artimanha também muito comum é aquela que consiste em oferecer um desconto de 10% para pagamento em dinheiro, e um desconto de apenas 5% para pagamento com cartão de crédito. Através desse ardil, na verdade o consumidor estará pagando um acréscimo de 5,55%, sobre o valor real da mercadoria ou do serviço, apenas para usar o seu cartão de crédito, pelo qual já paga para a administradora. Com isso, o fornecedor estará lesando não apenas o consumidor, mas também a administradora do cartão de crédito.

 

    Ao consumidor, resta a necessidade, e até mesmo a obrigação, de conhecer os seus direitos e de reclamar, sempre que necessário, ao Procon, ou às Promotorias de Defesa do Consumidor, do Ministério Público.

 

    e.mail: profpito@yahoo.com