O
ADVOGADO E A VERDADE
Fernando Lima
Professor de
Direito Constitucional da Unama
01.01.2007
O que é
a Verdade? Mente, com certeza, quem diz que a conhece. Mente, às vezes, quem se
gaba de sempre a respeitar. Eu, pelo menos, nunca pretendi que as minhas “verdades”
fossem absolutas. Ou será que estou mentindo, apenas para agradar a
platéia? O fato é que eu tenho sido
acusado, freqüentemente, de ser “o dono da verdade”. Talvez seja porque sou
muito teimoso, e não costumo abandonar facilmente as minhas convicções. Ou pode
ser que eu queira, apenas, acreditar que isso é verdade, para satisfazer o meu
ego.
Eu
sempre me esforcei para que as minhas convicções, ou as minhas “verdades”, não
se tornassem maleáveis, de acordo com os preconceitos, ou com as conveniências
de cada momento. A plasticidade ética nunca me seduziu, felizmente. Sempre me
prejudiquei, financeira e profissionalmente, com essa estranha mania, porque o importante,
na minha opinião, é a busca sincera da verdade. Até mesmo os meus artigos já
foram censurados!
Como
poderia eu pretender que alguém acreditasse em mim, se eu não buscasse,
intransigentemente, sempre, a verdade?
Apesar
de tudo, eu não tenho a pretensão de conhecer a verdade, nunca. Talvez não
possamos compreendê-la, afinal. Talvez estejamos, apenas, tentando
compreendê-la, sempre, como no mito da caverna de Platão, a partir das sombras
projetadas na parede. Mas o importante, eu penso, e repito, é continuar
procurando. Com honestidade, sem hipocrisia.
Mas não
acredite, nunca, naqueles que se gabam de defender a verdade. Não acredite, gratuitamente,
nem mesmo,
Não
acredite em nada, nunca, sem mais nem menos, sem provas. Leia os dois jornais, ouça a opinião de todos
os seus conhecidos e tente acreditar, depois, em alguma coisa. Afinal, todos
nós mentimos, pelo menos uma vez ou outra. Isso é da própria natureza humana. É
o velho instinto de sobrevivência.
A Ética,
a Moral, a Religião, as convenções sociais, a Lei, e a própria Constituição,
que fazem parte de nosso ordenamento normativo, destinado a possibilitar a
pacífica convivência social, costumam ser deturpados e descumpridos,
hipocritamente. Servem apenas, às vezes, para legitimar a dominação, e para dar
à tirania, ou ao governo de uma elite privilegiada, uma aparência de
legalidade. Isso acontece, sempre, porque o homem já descobriu que a melhor
maneira de manter a dominação não é a força bruta, mas sim a mentira. De
preferência, a mentira travestida de verdade, com o auxílio da mídia, da
propaganda e dos preconceitos.
Mas e o
advogado? O que tem ele a ver com a Verdade? Tem tudo a ver, e não tem nada a
ver. Tem tudo a ver, porque o advogado, o juiz e o promotor, atuando no
processo de aplicação da lei ao caso concreto, devem fazer Justiça; e a
mentira, pelo menos em tese, não pode levar a uma decisão justa.
No entanto, o advogado tem a obrigação de
defender os interesses de seu cliente, mesmo que esse cliente seja o pior de
todos os bandidos. Com esse objetivo, poderia o advogado “torcer” os fatos e
esconder a verdade? Poderia ele “driblar” a lei? Evidentemente, o advogado deve
respeitar os limites da lei e do Código de Ética. Mas e a verdade? Será que
existe uma verdade para cada advogado?
Dizia Calamandrei, em obra clássica, que “A luta entre os advogados e a verdade é tão
antiga como a disputa entre o Diabo e a água benta e, entre as facécias
correntes acerca das mentiras profissionais dos advogados, ouve-se às vezes, a
sério, este raciocínio: Em qualquer processo há dois advogados, que não podem
ambos falar a verdade, uma vez que sustentam teses contraditórias; logo: um
deles mente. Isto autorizaria a dizer que cinqüenta por cento dos advogados são
mentirosos”.
Por essa
razão, talvez, é que os americanos têm, em seu idioma, duas palavras, de
pronúncia muito semelhante, para designar, respectivamente, o advogado e o
mentiroso: lawyer (lóier) e lieyer (láier). Na Inglaterra, Shakespeare, no famoso verso de Henrique IV, dizia: “a
primeira coisa que faremos, será matar todos os advogados”.
Hoje,
ninguém acredita na Justiça, nos políticos, ou nos legisladores. Os advogados,
de acordo com as pesquisas, também não têm muita credibilidade. Mas o problema
é que todos precisam de um advogado e, quando necessário, para a defesa de seus
interesses, o cliente se preocupa mais com os resultados do que com os meios
empregados, pelo advogado, para alcançá-los.
Aliás, será que ainda existe, em nossa sociedade, um mínimo de valores
morais, necessários para qualquer sociedade civilizada? A verdade é que a
formação e a atuação de um profissional, como o advogado, refletem
obrigatoriamente os parâmetros morais da sociedade em que ele vive. O
mesmo acontece, é claro, em relação à Justiça, aos governantes e aos
legisladores.
Sócrates e Platão se opunham aos
sofistas, aos políticos e aos advogados ardilosos e matreiros, porque não
aceitavam a manipulação da verdade e da justiça, de acordo com as conveniências
e com os interesses do momento.
A
respeito dos advogados de sua época, Platão disse que qualquer um tem o direito
de não confiar em pessoas cuja preocupação primordial não seja o
estabelecimento da verdade, e que sempre mudam de opinião, dependendo de quem
os está remunerando.
Felizmente,
eu sou mais um professor do que um advogado, embora eu acredite que Platão
exagerou, porque o advogado também deve respeitar a verdade e porque,
certamente, existem hoje professores, juristas e até mesmo “filósofos”, que não
a respeitam muito, dependendo das conveniências. Infelizmente, não existem
professores inteiramente isentos das paixões humanas, assim como não existem
advogados santos.
Será que
Platão não esqueceu que também os filósofos e os professores podem sofrer
influências e desvios, em sua eterna busca da verdade???
Será que
Platão não faltou com a verdade, quando criticou apenas os advogados?