Fernando
Lima
No entanto, esse projeto é duplamente inconstitucional, quanto à sua
forma e quanto ao seu conteúdo. Vejamos:
Por essa norma, é claro que a fixação dos subsídios não pode ser feita
através de lei ordinária. A Lei Orgânica exige, a exemplo das Constituições
Federal e Estadual, o Decreto Legislativo, porque a fixação dos subsídios é
competência privativa da Câmara. Somente nas hipóteses enumeradas nos oito
incisos do art. 44 da Lei Orgânica caberia a elaboração de um projeto de lei
ordinária. O art. 44 se refere à competência legiferante, e o art. 45 à
competência inspectiva.
Quanto
ao conteúdo, o projeto é também inconstitucional, porque vulnera a norma
constitucional, repetida em nossa Lei Orgânica, que exige a fixação “em uma
legislatura, para vigorar na subseqüente”, isto é, na próxima legislatura. O
motivo, é claro, é a necessidade de evitar que o legislador aprove o reajuste de
seus próprios subsídios, o que depõe contra a imagem do Órgão Legislativo,
criando uma falsa idéia de que o legislador não se preocupa com os problemas do
povo.
Recentemente,
um jurista opinou pela legalidade de uma lei municipal que já previa esse
reajuste, atrelando-o ao percentual máximo de 75%, dizendo que a Constituição
Federal somente exige a lei para a fixação dos subsídios e não para a sua
atualização. Essa afirmativa seria verdadeira, mas apenas em relação à “revisão
geral anual”, prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal, e não
como um simples jogo de palavras.
Para justificar esse projeto, não basta falar em reajuste, revisão,
atualização, adequação, correção, ou aperfeiçoamento. Não é o nome que torna a
lei inconstitucional, mas o que se esconde por trás de suas sílabas.
Ainda
sob a vigência da Constituição de 1946, o STF, em Acórdão unânime (04.06.59),
dizia: “Exigindo a fixação do subsídio, bem como da ajuda de custo ao fim de
cada Legislatura, a Lei Básica quis preservar o legislador da pecha de legislar
em causa própria, deixando-se influenciar pela cobiça, que é sentimento fatal à
natureza humana e, do ponto de vista jurídico, simplesmente imoral. Assim, é
defeso ao legislador, por artifício, desdobrar o subsídio, dando-lhe a
designação que lhe pareça mais consentânea ou mais sonora, a fim de
aumentá-lo”. (Rev. For., vol. 195, pp.133/138)
O
que está sendo feito agora, por esse projeto, não é uma “revisão geral anual,
sempre na mesma data e sem distinção de índices”, nos termos do art. 37, X,
da Constituição Federal, porque somente os vereadores e os servidores da Câmara
serão beneficiados. Assim, não resta dúvida de que esse projeto é
inconstitucional, também, quanto ao seu conteúdo.
Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal entende que a fixação dos
subsídios dos parlamentares federais, estaduais e municipais, deve ser feita
antes das eleições, para que se evite a aprovação de um reajuste em causa
própria: “(...) quando a lei fala em fixação de remuneração, em cada
legislatura, para a subseqüente, necessariamente prevê que tal fixação se dê
antes das eleições que renovem o corpo legislativo. Isso decorre,
necessariamente, da ratio essendi do preceito.” (RE nº 62.594, Relator
Ministro Djaci Falcão)
O Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Belém, em “Nota de
Esclarecimento” publicada no O
Liberal
de 12.01.2003, informou que a Lei Municipal nº 8.064/2001, em seu artigo 4º,
fixou os subsídios dos vereadores no percentual máximo estabelecido pela
Constituição Federal, ou seja, 75% do subsídio dos deputados estaduais. Data
vênia, isso não é fixar subsídios, mas sim revogar a Constituição Federal, a
Constituição Estadual
e a Lei Orgânica. A Constituição Federal estabelece, no inciso VI de seu art.
29, que o subsídio dos vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras
Municipais, em cada legislatura, para a subseqüente, observados os limites
máximos fixados em função do número de habitantes. No caso de Belém, com mais de
500.000 habitantes, o subsídio máximo corresponderia a 75% do subsídio dos
deputados estaduais. Ora, a Lei Municipal 8.064/2001, claramente, modificou, ou
tentou modificar, essa norma, dispensando a fixação em cada legislatura para a
subseqüente, e criando uma simples “atualização”, em moeda corrente, dos valores
correspondentes a esse percentual.
Em suma, os subsídios devem ser fixados antes das eleições, para a
legislatura seguinte, observados os princípios constitucionais da moralidade e
da impessoalidade, contidos no “caput” do art. 37, bem como os princípios
de ordem geral da igualdade, da razoabilidade, da finalidade pública e da
imparcialidade. A moralidade
administrativa e o princípio isonômico, especialmente, impõem ao legislador a
adoção, no reajuste de seus subsídios, de um critério coincidente com o do
reajuste geral dos servidores públicos. Evidentemente, não apenas dos servidores
da Câmara Municipal, mas de todos os servidores do Município de
Belém.