O REAJUSTE DA CÂMARA

Fernando Lima

Professor de Direito Constitucional da Unama

 

 

A Câmara Municipal de Belém aprovou, por unanimidade, um projeto de lei, de nº 661/2003, referente à revisão geral anual da remuneração dos vereadores e de seus próprios servidores. De acordo com a notícia de O Liberal, do último dia 16, por esse projeto, que ainda depende da sanção do Prefeito Municipal, os vereadores se concederam uma “revisão” de 17,77%, referente à inflação do período 2000/2002, e também um “reajuste”, a eles e aos servidores da Câmara, no percentual de 13%, com base na atualização monetária do período 2002/2003.

 

         No entanto, esse projeto é duplamente inconstitucional, quanto à sua forma e quanto ao seu conteúdo. Vejamos:

 

         Quanto à forma, a inconstitucionalidade consiste na desobediência ao art. 45, inciso VI, da Lei Orgânica do Município de Belém, que dispõe competir privativamente à Câmara Municipal “fixar a remuneração do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Vereadores, em cada legislatura, para a subseqüente....”

 

         Por essa norma, é claro que a fixação dos subsídios não pode ser feita através de lei ordinária. A Lei Orgânica exige, a exemplo das Constituições Federal e Estadual, o Decreto Legislativo, porque a fixação dos subsídios é competência privativa da Câmara. Somente nas hipóteses enumeradas nos oito incisos do art. 44 da Lei Orgânica caberia a elaboração de um projeto de lei ordinária. O art. 44 se refere à competência legiferante, e o art. 45 à competência inspectiva.

 

Quanto ao conteúdo, o projeto é também inconstitucional, porque vulnera a norma constitucional, repetida em nossa Lei Orgânica, que exige a fixação “em uma legislatura, para vigorar na subseqüente”, isto é, na próxima legislatura. O motivo, é claro, é a necessidade de evitar que o legislador aprove o reajuste de seus próprios subsídios, o que depõe contra a imagem do Órgão Legislativo, criando uma falsa idéia de que o legislador não se preocupa com os problemas do povo.

 

Recentemente, um jurista opinou pela legalidade de uma lei municipal que já previa esse reajuste, atrelando-o ao percentual máximo de 75%, dizendo que a Constituição Federal somente exige a lei para a fixação dos subsídios e não para a sua atualização. Essa afirmativa seria verdadeira, mas apenas em relação à “revisão geral anual”, prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal, e não como um simples jogo de palavras.  Para justificar esse projeto, não basta falar em reajuste, revisão, atualização, adequação, correção, ou aperfeiçoamento. Não é o nome que torna a lei inconstitucional, mas o que se esconde por trás de suas sílabas. 

 

Ainda sob a vigência da Constituição de 1946, o STF, em Acórdão unânime (04.06.59), dizia: “Exigindo a fixação do subsídio, bem como da ajuda de custo ao fim de cada Legislatura, a Lei Básica quis preservar o legislador da pecha de legislar em causa própria, deixando-se influenciar pela cobiça, que é sentimento fatal à natureza humana e, do ponto de vista jurídico, simplesmente imoral. Assim, é defeso ao legislador, por artifício, desdobrar o subsídio, dando-lhe a designação que lhe pareça mais consentânea ou mais sonora, a fim de aumentá-lo”. (Rev. For., vol. 195, pp.133/138)

 

         O que está sendo feito agora, por esse projeto, não é uma “revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”, nos termos do art. 37, X, da Constituição Federal, porque somente os vereadores e os servidores da Câmara serão beneficiados. Assim, não resta dúvida de que esse projeto é inconstitucional, também, quanto ao seu conteúdo.

 

         Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal entende que a fixação dos subsídios dos parlamentares federais, estaduais e municipais, deve ser feita antes das eleições, para que se evite a aprovação de um reajuste em causa própria: “(...) quando a lei fala em fixação de remuneração, em cada legislatura, para a subseqüente, necessariamente prevê que tal fixação se dê antes das eleições que renovem o corpo legislativo. Isso decorre, necessariamente, da ratio essendi do preceito.” (RE nº 62.594, Relator Ministro Djaci Falcão)

 

         O Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Belém, em “Nota de Esclarecimento” publicada no O Liberal de 12.01.2003, informou que a Lei Municipal nº 8.064/2001, em seu artigo 4º, fixou os subsídios dos vereadores no percentual máximo estabelecido pela Constituição Federal, ou seja, 75% do subsídio dos deputados estaduais. Data vênia, isso não é fixar subsídios, mas sim revogar a Constituição Federal, a Constituição Estadual e a Lei Orgânica. A Constituição Federal estabelece, no inciso VI de seu art. 29, que o subsídio dos vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais, em cada legislatura, para a subseqüente, observados os limites máximos fixados em função do número de habitantes. No caso de Belém, com mais de 500.000 habitantes, o subsídio máximo corresponderia a 75% do subsídio dos deputados estaduais. Ora, a Lei Municipal 8.064/2001, claramente, modificou, ou tentou modificar, essa norma, dispensando a fixação em cada legislatura para a subseqüente, e criando uma simples “atualização”, em moeda corrente, dos valores correspondentes a esse percentual.

 

         Em suma, os subsídios devem ser fixados antes das eleições, para a legislatura seguinte, observados os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, contidos no “caput” do art. 37, bem como os princípios de ordem geral da igualdade, da razoabilidade, da finalidade pública e da imparcialidade.  A moralidade administrativa e o princípio isonômico, especialmente, impõem ao legislador a adoção, no reajuste de seus subsídios, de um critério coincidente com o do reajuste geral dos servidores públicos. Evidentemente, não apenas dos servidores da Câmara Municipal, mas de todos os servidores do Município de Belém.

 

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