O
DIREITO DOS TEMPORÁRIOS
Fernando
Machado da Silva Lima
Advogado
e Mestrando da UNAMA
29.06.2002
Não é nova, no Brasil, a exigência do concurso, como forma de moralizar a
administração pública. O art. 170 da Constituição de 1934 já exigia o concurso
de provas ou títulos para “a primeira investidura nos postos de carreira das
repartições administrativas.” No entanto, os nossos administradores sempre
utilizaram diversos expedientes para que as nomeações pudessem ser feitas com a
maior liberdade, e de acordo com as suas conveniências.
A primeira das inúmeras modalidades de burla ao princípio ocorreu através
das ascensões, transposições, transferências ou reclassificações, que visavam
permitir o provimento em carreira diversa daquela na qual o servidor havia
ingressado originariamente. Como
resultado desses expedientes, o faxineiro poderia ser facilmente transformado em
advogado da União, do Estado ou do Município, sem qualquer aferição dos seus
conhecimentos jurídicos.
A segunda válvula de escape, durante muito tempo, foi a contratação de
celetistas, porque a Constituição Federal somente exigia o concurso para a
primeira investidura em cargos de carreira.
Para evitar os abusos que ocorriam nos Estados e nos Municípios, o
Governo Militar editou, em 1966, o Ato Complementar nº 15, que exigia o concurso
público para a primeira investidura, e até mesmo para as classificações,
reclassificações e readaptações de cargos ou funções. Ficavam excluídos da
exigência do concurso público apenas os cargos de confiança ou em comissão e as
nomeações interinas, limitadas a um ano de duração.
A Constituição de 1988, para resolver o problema que já existia em todos
os níveis do Governo, considerou estáveis todos os servidores públicos não
concursados, que em 05.10.88 já estivessem em exercício há pelo menos cinco anos
continuados. Mas para evitar a continuidade dos abusos, ampliou a exigência do
concurso, que passou a alcançar também os empregos públicos, em qualquer dos
Poderes, e em qualquer órgão
federal, estadual ou municipal, da administração direta ou indireta, como as
autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista. Determinou, ainda,
que a nomeação sem concurso
implicaria na nulidade do ato e na punição da autoridade responsável. Como
exceção, permitiu apenas a contratação por tempo determinado, para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público.
No entanto, aproveitando essa exceção, as contratações sem concurso
continuaram a ser feitas, indiscriminadamente. No Estado do Pará, elas foram
expressamente autorizadas e prorrogadas, desde 1991, por diversas leis
complementares, até que chegamos à situação atual, do fato consumado, com
aproximadamente 20.000 temporários, muitos deles com mais de dez anos de serviço
público.
Como resolver esse enorme problema? Cumprindo a Constituição Federal,
determinando a realização dos concursos e afastando os servidores temporários
não aprovados? Transferindo os servidores temporários para um Quadro
Suplementar, conforme pretende a nossa Assembléia Legislativa, que aprovou a Lei
Complementar nº 40, cuja inconstitucionalidade deverá ser argüida perante o
Supremo Tribunal Federal? Ou, ainda, prorrogando esses contratos temporários por
mais um ano, de acordo com os novos projetos que já estão tramitando na
Assembléia? E quais seriam os
direitos dos servidores temporários?
De acordo com o enunciado nº
363, do Tribunal Superior do Trabalho, o servidor temporário somente teria
direito ao pagamento dos dias efetivamente trabalhados.
No entanto, alguns Tribunais Regionais do Trabalho, como os da 13ª e da
15ª Regiões, entendem que o servidor temporário não pode ser prejudicado em seus
direitos trabalhistas. Transcrevo a seguir trechos do Acórdão do TRT da Paraíba
(Recurso Ordinário nº 637/96), que mostra como aquele Tribunal encara o
problema:
“Em
Direito do Trabalho, a regra geral há de ser a irretroatividade das nulidades. O
contrato nulo produz efeitos até a data em que for decretada a nulidade.(....) O
agente político ou administrativo, responsável pela contratação irregular,
usando indevidamente a máquina administrativa, quase sempre com fins
eleitoreiros ou paternalistas, sai ileso da situação a que deu causa,
desprezando os princípios da legalidade e moralidade a que está sujeito no trato
da coisa pública. É esse aspecto que não deve prevalecer, impondo-se a mudança
pelo Poder Judiciário. (....) Diante do encerramento da contratação não poderá o
empregado, dispensado, sofrer prejuízo com os seus direitos trabalhistas. Por
outro lado, não é justo que o erário público venha a arcar com os encargos
decorrentes de uma má gestão ou até de má-fé. E como forma de acabar com tais
desmandos, deve ser responsabilizado pelos encargos decorrentes do contrato de
trabalho irregular o agente que lhe der causa, aplicando-se a regra prevista no
artigo 37, parágrafos 2º e 6º, da Constituição Federal....Sabe-se que a
politicagem levada a efeito pelos administradores públicos, na contratação de
correligionários e dispensa dos opositores, repete-se a cada quatro anos, e se
adotar a hipótese da nulidade de contrato, sem o reparo trabalhista devido, essa
irregularidade jurídica irá se alastrar por todo o território nacional, restando
impunes os que patrocinaram em benefício próprio atos nocivos à administração
pública.”
A solução seria, para resolver o problema do desemprego, que o Estado
pudesse manter os 20.000 temporários, mas ao mesmo tempo determinasse a
realização de concursos para mais 20.000 cargos, pelo menos. Para isso, no
entanto, seria necessário conseguir, em Brasília, que fosse feita uma nova
Constituição Federal, para que ela concedesse a estabilidade aos servidores
temporários, como ocorreu em 1988. A outra solução, ainda mais radical, seria a
declaração da independência deste “País que se chama Pará”, de modo que a
Assembléia poderia ser transformada em Constituinte, e poderia elaborar uma nova
Constituição Estadual, que não contivesse essa inútil e estéril exigência do
concurso público.
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