27.12.2002
SUMÁRIO: 1) Apresentação. 2)
O descalabro. 3) A
justificativa. 4) A
encruzilhada. 5) Os Tribunais. 6) As imoralidades. 7) Os direitos dos temporários. 8) Conclusões.
APRESENTAÇÃO
A Emenda
Constitucional nº 20/98 alterou o art. 40 da Constituição Federal, que trata do
regime de previdência dos servidores públicos. Em conseqüência, apenas os
servidores titulares de cargos efetivos, ou seja, apenas os concursados, poderão
participar da previdência oficial. Todos os outros servidores, aqueles que
ocupam os cargos comissionados ou temporários, estarão sujeitos ao regime geral
da previdência social.
Essa regra teve enorme repercussão, haja vista que até hoje, mais de
quatro anos depois de sua edição, muitos Estados e municípios ainda não
adaptaram os seus sistemas previdenciários e, em muitos casos, continuam se
negando a obedecer ao comando constitucional, sob a justificativa de que fere a
autonomia das unidades federadas, e pode resultar em grave lesão aos cofres
públicos, além de prejudicar a aposentadoria desses servidores. Na verdade, muitos interesses foram
contrariados por essa Emenda Constitucional, como veremos a
seguir.
A Lei nº 9.717, de 27.11.98, em consonância com a Emenda Constitucional
nº 20/98, estabeleceu que “Os regimes próprios de previdência social dos
servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.....(deverão oferecer) ....cobertura exclusiva a servidores
públicos titulares de cargos efetivos...” (art.1º, V)
A Instrução Normativa SEAP nº 05, de 28.04.99, por sua vez, dispõe que:
“O servidor ocupante exclusivamente de cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração, bem como de outro cargo temporário ou de emprego
público, é segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, na
qualidade de empregado, vedada a inclusão desse servidor no regime próprio de
previdência do servidor público.” (art. 25)
Mas, apesar da existência de todas essas normas, a Câmara Municipal de
Belém aprovou, em 20.12.2002, um projeto de lei que pretende prorrogar por mais
dois anos o problema, mantendo esses servidores vinculados ao Instituto de
Pensões e Aposentadorias do Município de Belém - IPAMB, sob a alegação de que é
preciso evitar que eles sofram graves prejuízos em suas aposentadorias. Esse
projeto ainda não foi sancionado pelo Prefeito.
No entanto, no
âmbito estadual, a partir de março de 2002, já cessou essa vinculação ao regime
oficial de previdência, do Instituto de Pensões e Aposentadorias dos Servidores
do Estado do Pará - IPASEP, e as contribuições dos servidores temporários e
comissionados passaram para o regime geral, do INSS.
A questão é polêmica, porque existem muitos interesses contrariados.
Milhares de servidores estão nessa situação, em todo o Brasil. Apenas para
exemplificar, temos que em São Paulo, a imprensa noticiou, há dois anos, a
existência de 200.000 servidores temporários, e em Santa Catarina, o problema
também existe, mas o Ministério Público tem sido atuante.
Em Belém,
milhares de servidores estaduais e municipais, depois de nomeados sem concurso
público, e mantidos nos cargos por mais de uma década, através das sucessivas
prorrogações, chegamos agora a um impasse, porque é preciso resolver o problema
das aposentadorias desses servidores, que não se conformam com a sujeição ao
Regime Geral da Previdência Social, do INSS. A passagem para esse Regime significaria a limitação dos valores
dessas aposentadorias ao valor máximo de R$1.500,00, aproximadamente.
O
DESCALABRO
Apenas para
recordar alguns dos ingredientes do problema, temos que:
1)
Diversas leis
paraenses, as chamadas “Leis Bararú”,
vêm indefinidamente prorrogando, desde 1.991, as contratações dos
servidores temporários. Eles são aproximadamente 20.000 e estão em todos os
órgãos da administração direta e indireta do Estado, inclusive no Ministério
Público, no Tribunal de Justiça do Estado, no Tribunal de Contas do Estado e no
Tribunal de Contas dos Municípios.
2)
Recentemente,
nossa Assembléia Legislativa aprovou, por unanimidade, um projeto destinado a
“efetivar” esses servidores. Por problemas políticos, relacionados com a
proximidade das eleições, esse projeto foi transformado em lei através da sanção
tácita, e promulgado pelo Presidente da Assembléia Legislativa (Lei Complementar
nº 40, de 24.06.2002), mas o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal. Essa Adin, de nº 2.687-9, foi distribuída ao Ministro Nelson
Jobim, que ainda não concedeu a liminar.
3)
Um interessante
ingrediente, na aprovação dessa Lei Complementar, foi
a participação da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, porque o seu
Presidente, depois de se manifestar pela imprensa, ameaçando ingressar com uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade, foi violentamente criticado pelo
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado e por alguns outros deputados. Em
resposta, a Seccional da OAB publicou uma Nota de Desagravo. Mas apesar disso,
dois dias antes das eleições, a imprensa divulgou uma foto do Presidente da
Seccional da Ordem recebendo um cheque de R$150.000,00, como doação “para a
ampliação de sua sede”, o que teve, é claro, uma péssima repercussão.
4)
Inconformada
com a possibilidade de que a Lei Complementar nº 40 seja derrubada pelo Supremo
Tribunal Federal, a Assembléia Legislativa já aprovou, em 10.12.2002, um outro
projeto, prorrogando por mais dois anos o prazo de contratação dos servidores
temporários, que venceria no dia 31.12.2002. Esse projeto ainda não foi
sancionado pelo Governador, e tudo indica que ocorrerá, mais uma vez, a sanção
tácita. O Governador não sancionou o projeto, que foi devolvido à Assembléia
Legislativa.
5)
Mas é muito
interessante que os deputados confessam que sabem que o projeto é
inconstitucional. Leia o seguinte trecho da notícia do jornal O Liberal, de
28.12.2002: “A recusa do
governador em prorrogar os contratos surpreendeu o presidente da Assembléia
Legislativa. “Eu tinha quase certeza de que o governador iria sancionar a
lei. Acredito que essa postura é uma questão pessoal dele com os
temporários”, definiu Martinho Carmona. Ele ressalta que os deputados têm
consciência da inconstitucionalidade da questão, mas no seu entendimento, o que
está em jogo é preservar o emprego de aproximadamente 20 mil pais e mães de
família. “Nesta questão, o governador se mostrou absolutamente
insensível”, criticou o presidente da Assembléia.”
6)
No Município de
Belém, também existem inúmeros temporários, em todos os órgãos da administração
direta e indireta. A lei mais antiga é de 1.989. Na Câmara Municipal de Belém,
eles seriam aproximadamente 700, de acordo com as notícias dos jornais, e não
existiria nenhum concursado!
7)
No Tribunal de
Contas dos Municípios, existem, de acordo com o noticiário, 37 servidores dos
altos escalões (procuradores e auditores), além dos técnicos, todos nomeados sem
concurso público, com base no art. 46 e seu parágrafo único, da Lei nº 5.033, de
18.06.1982, posteriormente alterado pela Lei nº 5.292, de 17.12.1985. São todos
parentes do ex-Governador Jader Barbalho, do ex-Prefeito Hélio Gueiros, e de
alguns outros políticos. Não se sabe quantos já terão sido aposentados. No
entanto, esse artigo 46, que permitia a nomeação sem concurso público, já foi
julgado inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, há mais de 15 anos, na
Representação nº 1.359-6 – Pará. A Decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal,
de 28.05.1987, foi unânime. A Ação
Popular ajuizada contra essas nomeações, porém, ainda tramita no Tribunal de
Justiça do Estado do Pará. Um Ofício que teria sido enviado ao Governo do
Estado, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2.002,
exigindo o cumprimento dessa Decisão, está desaparecido, até hoje. A imprensa
nada mais noticiou. Mas o certo é que a Decisão do Supremo ainda não foi
cumprida, e que o Estado do Pará também ainda não sofreu uma intervenção
federal.
8)
No Tribunal de
Justiça do Estado e no Tribunal de Contas do Estado, os números totais de
servidores temporários não foram divulgados. Apenas algumas denúncias têm sido
publicadas pela imprensa, a respeito da nomeação de parentes de desembargadores,
em detrimento de candidatos aprovados em concurso público.
9)
No Ministério
Público do Estado, os contratos dos servidores temporários, que são pelo menos
158, muitos também parentes de membros do Órgão, foram de novo prorrogados, pela
Portaria nº 1.041/2002-PGJ, publicada no D.O.E. de 01.07.2002, por mais seis
meses, contados a partir de 01.07.2002.
8.1) A
Promotoria de Justiça de Direitos Constitucionais e Patrimônio Público do
Ministério Público do Estado entende que nada pode fazer contra os agentes
públicos que continuam contratando e prorrogando os contratos dos temporários,
porque “o seu ato se pauta no cumprimento de leis que se encontram em
vigor”. Por essa razão, os Promotores encaminharam ao Procurador-Geral de
Justiça o Ofício nº 201/2002-MP/2ºPJ/DC/PP, de 03.06.2002, no qual solicitaram a
propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as Leis
Complementares Estaduais nº 07/91 e nº 36/98.
8.2) Dizem
eles, em seu requerimento:
“Ainda
que patente a inconstitucionalidade da
Lei Complementar nº 07/91 -
bem como das outras posteriores que autorizaram diversas prorrogações aos
contratos ditos "temporários" -; ainda que se possa declarar judiciaalmente a
nulidade de tais contratos - como
de fato tem reiteradamente decidido a Justiça do Trabalho -,
pois flagrantemente extrapolam da pequena abertura deixada pelo texto
constitucional na excepcionalidade da dispensa do concurso público; não parece,
entretanto, ser possível condenar um agente público às sanções civis cominadas à
improbidade administrativa quando o seu ato se pauta no cumprimento de leis que se encontram em vigor, embora
imorais e de inconstitucionalidade latente, mas ainda não extirpadas do
ordenamento jurídico.”
8.3) E finalizam com as seguintes considerações:
“Por último,
com justificável redundância, registra-se que a propositura imediata de Ação Direta de
Inconstitucionalidade visando suspender e remover os efeitos nefastos das leis estaduais
acima indicadas, é a ação primeira, básica e indispensável que se impõe ao
Ministério Público, Instituição responsável pela defesa da ordem jurídica e do
regime democrático, como único meio
eficaz, no atual estágio, de restaurar a moralidade no acesso ao Serviço Público
deste Estado.
“Sem
essa providência (proposição da ADIN), que no âmbito deste Ministério Público
cabe unicamente ao Procurador-Geral de Justiça (art.162,III, da CE e art.29, I,
da LONMP), as atribuições dos órgãos de execução no primeiro grau de jurisdição,
destinadas ao efetivo combate a
improbidade administrativa que derive de contratação no serviço público,
continuarão obstaculizadas e inviabilizadas pelo chicanismo excrementado das
leis estaduais ora questionadas.
“O Ministério Público, expressão máxima do poder social, protetor judicial das esperanças e sonhos abrigados na Constituição cidadã, não pode compactuar com essa manifesta, patente e contínua agressão à Constituição do Pará, à Constituição do Brasil.
“CONCLUSÃO.
Diante das razões fático-jurídicas acima aduzidas, esta Promotoria de Justiça, neste ato,
devolve, em anexo, a essa Procuradoria Geral, os autos dos Procedimentos
Extrajudiciais abaixo relacionados, para que, com base nos documentos neles
inseridos, Vossa Excelência, utilizando o poder-dever conferido pelo art. 162,
III, da Constituição Estadual c/c o art. 29, I, da Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público(8.625/93), proponha Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade, visando à declaração de inconstitucionalidade da Lei
Complementar nº 07/91 e da Lei Complementar nº 036/98, nos termos acima
explicitados, em face da Constituição Estadual e/ou proceda o encaminhamento de
representação ao Ministério Público Federal pleiteando o ajuizamento da
mencionada ação judicial, em face da Constituição Federal. HAMILTON NOGUEIRA
SALAME - 3º
Promotor de Justiça de Direitos Constitucionais e do Patrimônio
Público.
JOÃO GUALBERTO DOS SANTOS SILVA - 2º
Promotor de Justiça de Direitos Constitucionais e do Patrimônio Público.”
8.4)
Até
esta data, o Procurador-Geral de Justiça ainda não ajuizou a ADIN solicitada. E,
naturalmente, ainda não foi restaurada a moralidade no acesso ao serviço público
deste Estado, na expressão utilizada pelos Promotores.
8.5)
Ressalte-se
que a Lei Complementar nº 36/98, apontada pelos Promotores como óbice ao
desempenho de suas atribuições, e que havia prorrogado por 4 (quatro) anos
(!) as contratações dos
temporários, ou seja, até 31.12.2002,
já está sendo substituída por uma nova Lei Complementar, cujo projeto já
foi aprovado pela Assembléia Legislativa, em 10.12.2002, e está dependendo
apenas da sanção do Governador. De acordo com essa nova Lei, as contratações
serão prorrogadas por mais dois anos, até 31.12.2004 !
8.6)
Especificamente
em relação aos servidores comissionados, tramita no Congresso Nacional a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 15/2000, que propõe a alteração do § 13 do art.
40 da Constituição Federal, para permitir que a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios disciplinem a matéria, e decidam, de acordo com a sua
conveniência, se esses servidores seriam mantidos no respectivo regime próprio
de previdência, ou se seriam transferidos para o regime geral de previdência
social. Essa proposta tem o apoio de boa parte dos governos estaduais e dos
senadores da base governista, e se encontra desde 04.04.2000 na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado Federal, que já emitiu parecer favorável à sua
aprovação.
O problema é
sério, evidentemente. Os governantes deliberadamente desobedecem a norma
constitucional que impõe o concurso público, indispensável em face do princípio
constitucional da igualdade, e vulneram, freqüentemente, os princípios básicos
da moralidade administrativa, nomeando parentes, amigos, e correligionários. A
alegação mais freqüente, para se justificarem, é a de que estão apenas cumprindo
as leis, que permitem as nomeações dos servidores temporários, e a prorrogação
desses contratos, por mais de uma década! Salvam, portanto, a sua
responsabilidade. A culpa é das leis, como afirmaram os
Promotores.
Mas os próprios
promotores disseram, no Ofício acima referido, que “O Ministério Público (...)
não pode compactuar com essa manifesta, patente e contínua agressão à
Constituição do Pará, à Constituição do Brasil.” No entanto, sabem eles que
existem pelo menos 158 servidores temporários em nosso Ministério Público,
muitos deles parentes de membros do Órgão. O Procurador-Geral de Justiça não
ingressa com a ADIN, e os Promotores se dizem impedidos de tomar as providências
cabíveis, porque a Lei existe, e deve ser cumprida! Essa é, realmente, uma
situação bastante estranha. Será que não existe nenhuma solução jurídica para
esse impasse? Será que o Ministério Público está impedido de cumprir a
Constituição Federal, porque precisa cumprir essas leis teratológicas? Mas será
que a Constituição não existe, também? Será que, na ocorrência do conflito entre
a Lei e a Constituição, não estariam todos obrigados a obedecer a
Constituição?
Todos sabem que
essas leis são inconstitucionais. Até mesmo os deputados estaduais e os
vereadores, em declarações à imprensa, reconheceram essa inconstitucionalidade,
mas afirmaram que as leis seriam aprovadas, de qualquer maneira, porque seria
preciso resguardar os temporários contra o desemprego!
Segundo eles, a
aprovação dessas leis seria a única maneira de resolver esse grave problema
social. Não seria possível, simplesmente, demitir os temporários, muitos com
mais de 10 anos de serviço, deixando assim ao desamparo milhares de
famílias!
A ENCRUZILHADA
Mas é preciso compreender, também, que depois de tantos anos de
sucesso, esse esquema armado pelos
detentores do poder, para se beneficiarem, e aos seus amigos, familiares e
correligionários, chegou a uma encruzilhada, porque agora é preciso garantir de
uma vez por todas o que já foi apenas precariamente conquistado. É preciso
garantir a aposentadoria integral, com todos os direitos, a esses servidores,
como se fossem eles servidores efetivos, concursados, e para isso existem apenas
duas maneiras: a primeira, que foi tentada pela Assembléia Legislativa, consiste
em “efetivar” os servidores temporários, e essa era a intenção da Lei
Complementar nº 40, acima referida, contra a qual foi proposta uma ADIN, pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Depois de efetivados, o que
juridicamente é impossível, claro, eles teriam direito, sem dúvida, à
aposentadoria pelo IPASEP, mesmo que fosse mantida a norma do § 13 do art. 40 da
Constituição Federal. A outra maneira consistiria em alegar a
inconstitucionalidade dessa norma, e em tentar fazer com que os servidores
temporários continuem vinculados à Previdência Oficial, o que também já vem
sendo tentado, a exemplo do já referido projeto aprovado pela Câmara Municipal
de Belém, em 20.12.2002, pelo qual os servidores temporários ficarão, por mais
dois anos, vinculados ao IPAMB.
OS TRIBUNAIS
A respeito da alegação de inconstitucionalidade do § 13 do art. 40 da
Constituição Federal, nem mesmo os nossos Tribunais de Contas se entendem.
Assim, é perfeitamente possível encontrar casos em que se nega o registro da
aposentadoria de um temporário, sob a alegação de que o contrato é nulo,
enquanto outro Tribunal concede a aposentadoria pela Previdência Oficial para um
Assessor. Vejamos:
1) Na
internet, em:
http://www.tcm.pa.gov.br/informativo/N125/informativo_p1d.htm,
encontra-se um Informativo do Tribunal de Contas dos Municípios, referente à
negação do registro de uma aposentadoria por invalidez de um servidor temporário
(Processo nº 19992564-00, Itaituba). Depois de quase vinte anos de trabalho,
tudo indica que o servidor ficou sem a sua aposentadoria, nem a municipal, nem a
do INSS! Ressalte-se que este Tribunal é o mesmo que foi constituído, desde a
sua origem, por servidores nomeados pelo Governador, sem concurso
público!
2) Também
na internet, em http://www.atricon.org.br/parecer-emendaconst.htm,
existe um Parecer da ATRICON (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do
Brasil), em resposta a uma consulta formulada pelo Presidente do nosso Tribunal
de Contas dos Municípios, a respeito da aplicação do regime geral de previdência
social aos servidores comissionados e temporários.
2.1)
Inicialmente,
foi informada nesse Parecer a orientação que vem sendo adotada por diversos
Tribunais de Contas: O TC do Amazonas informou que ainda não apreciou nenhum
caso concreto. O TC do Mato Grosso informou que “doravante
o servidor exercente de cargo comissionado fica sujeito ao regime previdenciário
do Estado, sofrendo os descontos nos mesmos índices dos servidores efetivos, com
direito a aposentadoria por tempo de contribuição.”
O TC do Município do Rio de Janeiro informou que entende ser a norma
constitucional de eficácia plena. O TC do Estado do Rio de Janeiro informou que
os servidores que ocupam, exclusivamente, cargos em comissão, passaram a ter
seus descontos previdenciários dirigidos ao INSS, e que a Lei nº 3.189/99 mandou
aplicar a esses servidores o regime geral de previdência social. O TC de Santa
Catarina também informou que os descontos referentes aos comissionados e aos
temporários já vinham sendo feitos diretamente ao INSS. O TC do Paraná disse que
os comissionados e temporários deverão ser obrigatoriamente filiados ao Regime
Geral de Previdência Social, e acrescentou que os ocupantes exclusivamente de
cargos em comissão somente poderão ser aposentados pela Previdência Social, e
que são inconstitucionais as normas dos estatutos municipais que prevêem
aposentadorias para cargos comissionados.
2.2)
No
entanto, o Parecer do Dr. Flávio Régis Xavier de Moura e Castro, Presidente da
ATRICON, foi pela inconstitucionalidade do novo dispositivo constitucional,
introduzido pela Emenda Constitucional nº 20/98, porque esse dispositivo se
[f1] choca,
segundo ele, com a autonomia dos
entes políticos federativos. Diz ele que a disposição do parágrafo 13 do art.
40, enquanto não for declarada a sua inconstitucionalidade, deverá ser aplicada apenas aos
servidores comissionados e temporários nomeados a partir de 16.12.98, data da
entrada em vigor dessa norma. Todos os outros, que já ocupavam esses cargos,
devem permanecer no regime de previdência em que se encontravam, porque se trata
de ato jurídico perfeito, constituído sob a égide de lei
anterior.
3.
O
jornal O Liberal, do dia 22.12.2002, noticiou que o Tribunal de Contas do
Estado, pelo Acórdão nº 33.419, sendo Relator o Conselheiro Lauro de Belém
Sabbá, concedeu a aposentadoria do colunista social Isaac Soares, no cargo de
Assessor Especial da Assembléia Legislativa do Estado, que ele exerceu durante
pouco mais de onze anos.
A decisão dos Conselheiros Elias Naif Daibes Hamouche, Nélson Luiz Teixeira
Chaves, Maria de Lourdes Lima de Oliveira e Fernando Coutinho Jorge, foi
unânime. Também estava presente à sessão o procurador chefe do Ministério
Público junto ao TCE, Antônio Maria Filgueiras Cavalcante, que na oportunidade
pediu a palavra para se associar às manifestações proferidas na votação do
processo, todas elas pela legalidade da aposentadoria, e de elogios à pessoa do
aposentado.
Mas
não resta qualquer dúvida sobre a constitucionalidade desse dispositivo,
do
parágrafo 13 do art. 40 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda
Constitucional nº 20/98. O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu, por
unanimidade, na ADI 2024 MC/DF, julgada em 27.10.99, que essa regra é
perfeitamente constitucional, porque não atinge o princípio do federalismo, e
entendeu, portanto, que devem ser submetidos ao regime geral da previdência
social os servidores que ocupam
exclusivamente cargos em comissão, assim como outros cargos temporários, ou empregos
públicos.
A
contratação de servidores públicos sem concurso, da forma como vem sendo feita,
é uma aberração e uma completa imoralidade, porque atinge o direito público
subjetivo de todo brasileiro, de igual oportunidade de acesso aos cargos e
funções públicas, de acordo com o seu mérito e com as suas habilitações. E mais:
o fato de que existam essas leis, estaduais e municipais, permitindo as
prorrogações desses contratos, não exime de responsabilidade, absolutamente, os
administradores, porque é de meridiana clareza que a eles se apresenta uma
simples opção, entre o respeito à Constituição Federal, e a indevida aplicação
das leis inconstitucionais. E a responsabilidade maior pelo descalabro que tomou
conta de nosso Estado cabe, evidentemente, aos que compactuaram e se omitiram,
especialmente quando teriam, por dever de ofício, a defesa da ordem jurídica e
da supremacia constitucional.
Ninguém
duvida de que essas leis sejam inconstitucionais. Nem os promotores, nem os
próprios deputados e vereadores, que já se cansaram de declarar que reconhecem
essa inconstitucionalidade, mas que preferem “o social”, a defesa dos
temporários contra o desemprego, a defesa do seu direito à aposentadoria, e etc.
Não se sabe o que mais seria preciso para que os promotores competentes pudessem
iniciar um inquérito, para a posterior propositura de uma Ação Civil Pública.
Provavelmente, poderiam os legisladores ser indiciados em alguma das figuras
tipificadas na Lei de Improbidade Administrativa. Também deveriam ser punidos
todos os administradores que indevidamente nomearam e prorrogaram os contratos
dos servidores temporários, durante todos esses anos, porque eles sabiam
perfeitamente que estavam cumprindo uma lei nula e de nenhum efeito, exatamente
porque conflitante com a Lei Fundamental.
Ninguém
duvida, também, da constitucionalidade do § 13 do art. 40 da Constituição
Federal, o que significa, é claro, que seria impossível a concessão da
aposentadoria pela Previdência Oficial a um servidor temporário, ou a um
assessor. Tão imoral quanto a contratação e a prorrogação indevida dos contratos
dos servidores temporários é a concessão indevida dessa aposentadoria, como no
caso acima referido, do Tribunal de Contas do Estado, quando é evidente que o
Assessor da Assembléia Legislativa estaria sujeito ao Regime Geral da
Previdência Social, do INSS.
É também muito interessante
comparar os dois casos já referidos, para ressaltar a disparidade da
“jurisprudência”. Enquanto o Tribunal de Contas do Estado aposentou o colunista
social que atingiu a compulsória, e que havia trabalhado onze anos, o Tribunal
de Contas dos Municípios negou o registro da aposentadoria por invalidez do
servidor pobre, do Município de Itupiranga, que trabalhou dezoito anos! Ao mesmo
tempo, é muito provável que já estejam aposentados alguns dos auditores e
procuradores do próprio Tribunal de Contas dos Municípios, que foram também
nomeados sem concurso, com fundamento naquela lei que já foi julgada
inconstitucional há quinze anos (!), pelo Supremo Tribunal Federal. E que ainda
não foi cumprida, como se sabe.
OS DIREITOS DOS
TEMPORÁRIOS
Mas
o pior é que os entes públicos promovem essas contratações, que de antemão sabem
que são nulas, porque esse tem sido o entendimento dos tribunais, e os
servidores temporários, quando são despedidos, não têm qualquer direito, sob a
alegação de que a sua contratação foi nula, porque faltou o concurso público.
Esse já é, aliás, o entendimento sumulado do Tribunal Superior do Trabalho:
“A
contratação de servidor público, após a Constituição de 1988, sem prévia
aprovação em concurso público, encontra óbice no seu art. 37, II, e § 2º,
somente conferindo-lhe direito ao pagamento dos dias efetivamente trabalhados
segundo a contraprestação pactuada”.
(Enunciado nº 363).
Diga-se, de passagem, que muitos desses
servidores temporários, que nunca serão despedidos, porque possuem o necessário
respaldo das autoridades que os indicaram ou nomearam, agora também pretendem se
aposentar pela Previdência Oficial, como se fossem efetivos. Mas em relação aos
outros, que não contam com os mesmos “padrinhos”, poderá ocorrer uma situação
injusta, porque na verdade, eles trabalharam durante dez ou quinze anos, mas de
acordo com a jurisprudência trabalhista, não têm direito a qualquer indenização,
e talvez nem tenham direito a uma aposentadoria (como no exemplo acima, da
Decisão do Tribunal de Contas dos Municípios), embora tenham contribuído,
durante todos esses anos, para o Órgão Previdenciário, do Estado ou do
Município.
Como
resultado, o ente público estará se beneficiando de mão-de-obra escrava,
desprovida de qualquer direito, o que também facilitará, é claro, o
acobertamento de qualquer outra irregularidade que venha sendo praticada por
esses administradores, porque um servidor temporário nada poderá denunciar, sob
pena de ser imediatamente demitido. Ao mesmo tempo, poderá ser também levado a
compactuar com essas irregularidades, com muito maior facilidade do que poderia
ocorrer, por exemplo, com um servidor concursado e estável.
Mas
esse entendimento, já sumulado pelo TST, que nega os direitos do servidor
temporário, com fundamento na nulidade do contrato, pela simples leitura do art.
37, II, da Constituição Federal, não é pacífico na doutrina, exatamente pelas
injustiças que em muitos casos pode provocar. Assim, muitos entendem que é
preciso reconhecer os direitos dos servidores que tenham sido admitidos sem
concurso, por culpa do ente público que descumpriu, ele próprio, a Constituição
Federal, ao pretender transformar em regra a exceção constitucional, que permite
a contratação temporária apenas por seis meses, e apenas por excepcional
interesse público, e não no interesse do administrador, ou dos seus parentes,
amigos e correligionários. Não se pode admitir, certamente, que o governante
descumpra a Constituição Federal, mas também não se pode negar ao trabalhador os
seus direitos fundamentais, apenas porque o contrato seja considerado nulo.
Afinal, essa nulidade terá ocorrido por culpa da administração. Não é possível
que o ente público se beneficie do trabalho dos servidores e que depois os
afaste, sumariamente, sob a alegação de que a sua contratação foi nula, pela
inexistência do concurso público. Não é possível, porque esse trabalhador
estaria sendo atingido em sua dignidade, que é um valor constitucional da maior
relevância. Pela negação de seus direitos, o trabalhador estaria sendo privado
das suas condições mínimas de existência, depois de toda uma vida dedicada ao
serviço público.
CONCLUSÕES
Não resta dúvida de que caberia, perfeitamente, a responsabilização dos legisladores,
estaduais e municipais, por improbidade administrativa, e também a dos
administradores, que deliberadamente cumpriram e aplicaram, com o maior zelo
possível, em detrimento do interesse público, as leis inconstitucionais.
Não se pode apenas negar, peremptoriamente, aos servidores temporários,
com fundamento na nulidade do contrato, todo e qualquer direito, porque essa
decisão seria injusta, e permitiria que os entes públicos se beneficiassem do
trabalho desses servidores, sem lhes pagarem o mesmo que pagariam aos outros
servidores, os concursados. O descumprimento da Constituição traria vantagens
para o ente público. Causaria o seu enriquecimento ilícito. Qualquer particular,
quando contrata um trabalhador e descumpre as leis trabalhistas, é obrigado a
pagar todos os direitos do trabalhador, até o último
centavo.
No entanto, também não seria justo afirmar que os servidores temporários
devem ter todos os direitos dos servidores efetivos, pelo simples fato de que
trabalharam durante muitos e muitos anos, e porque a culpa teria cabido
exclusivamente ao administrador, que os nomeou. Isso nem sempre seria verdade,
porque em muitos casos, a culpa não cabe apenas ao administrador, e os próprios
servidores temporários também participaram do esquema, de má-fé, deliberadamente
burlando os direitos dos possíveis candidatos a esses cargos, e sabiam
perfeitamente que estavam cometendo uma imoralidade, porque estavam ocupando
indevidamente, por muitos anos, e sem o concurso público, os cargos que deveriam
ser reservados aos mais habilitados e mais competentes.
Portanto, a solução jurídica não poderá ser assim tão simples, como se
pretende. Nem negar, simplesmente, todo e qualquer direito, conforme decorre do
Enunciado 363 do Tribunal Superior do Trabalho, nem muito menos garantir a esses
servidores todos os direitos, inclusive a sua efetivação, e até mesmo a sua
aposentadoria pela Previdência Oficial, como agora se pretende, para coroar o
descalabro. Em certos casos, poderá até mesmo ficar comprovado que houve
prejuízo para o Estado, porque o servidor temporário nomeado poderia ser
completamente incompetente e inabilitado para as funções, como é freqüente
ocorrer. Os seus salários terão sido pagos, nesse caso, sem que ele tenha
cumprido as obrigações do cargo.
Recorde-se que caberia ainda, além da já referida responsabilização
criminal dos legisladores e dos administradores, a sua responsabilização na
esfera cível, para que os cofres públicos pudessem ser ressarcidos pelos
prejuízos que eles causaram.
O sistema de livre nomeação permite, do modo como vem sendo feito, uma
enorme concentração de poder nas mãos dos legisladores e administradores, e de todas as
autoridades que possam indicar e nomear esses servidores, especialmente quando
se trata de cargos importantes, pelo seu poder de decisão, como é o caso dos
auditores e procuradores do Tribunal de Contas dos Municípios. O direito de
nomear esses servidores tem sido usado como moeda de troca, para diversas
finalidades, e tem servido até mesmo para garantir a reeleição de muitos
políticos.
Mas
tudo isso somente tem ocorrido porque falta um efetivo controle do poder, para
que a ação do Estado vise apenas, ou pelo menos preponderantemente, o bem comum,
sem se deixar impregnar com os interesses, a cobiça ou as paixões de seus
dirigentes.
O controle do poder não existe, o que propicia a completa
impunidade, porque em nosso Estado
prevalece um complexo esquema de
interesses, que há muito contaminou seriamente todos os órgãos da nossa
administração direta e indireta, estadual e municipal, conforme já
demonstrado.
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