DO EXAME DA
ORDEM COMO INSTRUMENTO DE INGRESSO NA PROFISSÃO DO ADVOGADO.
José Ernesto de Mattos Lourenço
Juiz de Direito Aposentado
Convidado pelo ilustre Presidente da subseção de Socorro, para quem não ousaria
negar um pedido, estou aventurando a possibilidade de severas críticas
posteriores, mas considero oportuno refletir sobre um tema que angustia os
novos bacharéis, em especial considerando que a aprovação de apenas dez por
cento dos candidatos no último exame, não ilustra a OAB e deslustra a profissão.
Parido no início da
década de setenta, o Exame da Ordem surgiu como condição indispensável para a
inscrição dos bacharéis em direito na Ordem dos Advogados do Brasil. A fonte
inspiradora da conferência das condições para o exercício da advocacia era, na
época e continua sendo hoje, a deficiência dos cursos jurídicos. Ao argumento
de ontem, soma-se hoje a tese da proliferação das faculdades de Direito,
notadamente neste Estado de São Paulo. Contam-se, atualmente, mais de trinta
anos de experiência que merecem, no mínimo, uma reflexão serena, desprovida de
sentimentos de classe, amparada na lógica do raciocínio e nos resultados
alcançados.
Algumas verdades são
incontestáveis. O nível do ensino jurídico e os demais também, deixou de ser
ruim para ser péssimo. Houve, efetivamente, uma irresponsável proliferação de
cursos de bacharelado. Os profissionais do direito de hoje, revelam os vícios
da má formação acadêmica. Os estudantes não lêem, não sabem escrever direito e
os livros de "doutrina" não passam de reproduções de idéias alheias,
recheados de fórmulas e modelos de petições com espaços em branco para serem
preenchidos. A verdade mais crucial é aquela que mais incomoda. O remédio
(exame da ordem), não curou o paciente e pelo jeito vai acabar matando. Se
depois de mais de trinta anos o remédio não afasta a doença, no mínimo é
preciso colocar em dúvida a sua eficácia e, ao menos fundamentado na razão,
iniciar a busca de alternativas, mesmo porque, outras áreas de formação
superior começam a adotar o mesmo sistema, tudo indicando a ausência de
conhecimento da realidade ou a ignorância dos resultados.
Conhecendo e vivenciando
por longos anos a vida acadêmica no exercício do magistério, conferi situações
as mais estranhas. Quem não aprendeu gramática no curso fundamental, não vai
receber noções da língua pátria no curso superior. Não é função do professor de
qualquer das cadeiras do curso de bacharelado, ensinar o que os alunos já
deveriam saber.
Quem não aprendeu a
escrever por deficiência de formação, não vai suprir essa carência no curso
superior de direito. O buraco é mais em baixo, com absoluta certeza. A péssima
formação nos cursos fundamentais reflete na formação universitária. Nesse
sentido, dentre os males debitados à ditadura militar, some-se a deficiência
alcançada como meta na formação intelectual dos brasileiros. A regra é simples
e perversa. Quanto mais ignorantes, menos críticos. A má formação
(deformação) é a genitora da
manipulação. Tudo tem sua lógica, efetivamente e nada acontece por acaso.
Assim, ao término do curso de bacharelado, encontraremos um produto mal
acabado. Há quem diga que é melhor uma sociedade plena de mal formados do que
de incultos e analfabetos. Quem quiser
que escolha. Inúmeras vezes, normalmente nas aulas das segundas feiras
posteriores, os alunos indagavam na busca de respostas de questões que
constaram dos exames da ordem do domingo anterior.
Muitas vezes confessei
que não sabia responder, como outros professores também não souberam, tanto
quanto não conseguia entender a razão da inclusão de questões complexas que
estavam afastadas da realidade prática e do conhecimento de um profissional com
mais de trinta anos de atividade, grande parte na magistratura de São Paulo.
Lembro, em especial, de uma época em que o endereçamento de um recurso era
motivo suficiente para anular uma prova e afastar um candidato. Nunca entendi
tamanha importância no endereçamento, principalmente porque quem encaminha é o
ofício judicial, não o advogado.
Assim, ainda que
endereçado para um tribunal incompetente, a remessa ocorreria para o tribunal
competente, independentemente da ação do profissional da advocacia e
tratando-se de uma norma de organização judiciária, eventual engano não
provocaria nenhuma conseqüência danosa para a parte. Porque indagar de um jovem
pretendente ao exercício de uma profissão, questões que um profissional
experiente muitas vezes não era capaz de responder ou incluir matéria sem
nenhuma relevância prática?
Há muitos anos passados,
como constou do III Seminário de Valorização Profissional do Advogado, o Dr.
Francisco de Assis Vasconcelos Pereira afirmou: "As questões da prova
escrita hão de ser elaboradas sem complexidade, ajustadas aos bacharéis que
apenas precisam demonstrar capacitação para o início das lides profissionais e
que, evidentemente, não trazem para o exame bagagem jurídica substanciosa, e
nem considerável experiência. Por isso, não será com problemas intrincados que
se avaliará a aptidão de um recém formado; ao revés, as questões singelas
ensejam, quase sempre, melhor oportunidade de aferição". (in. Revista do
Advogado, n. 13, ano VI, abril a junho de 1983, pág. 64). Eis a lógica
irretorquível.
Deve-se exigir um mínimo
necessário para o início da profissão. Indagar de um recém formado questões que
profissionais mais experientes não conseguem responder, com toda a certeza não revela a
intenção de depuração, mas a criação de dificuldades e barreiras para o
exercício da profissão. Há quem afirme, por outro lado, a intenção
mercantilista. Quanto mais candidatos, maior a arrecadação. Quanto mais
reprovação... Outros também observaram, em determinada época, a coincidência
dos "cursinhos de preparação", sempre com envolvimento de advogados
ligados à administração do órgão de classe.
Conheci, no sistema
antigo, examinadores que nunca assinaram uma Petição inicial, nem participaram
de audiências. A verdade é uma só. O remédio não curou o paciente. O nível de
ensino ficou ainda pior nos últimos anos.
Como conseqüência
visível, o exame de ordem não é o instrumento mais adequado para avaliar a
capacitação dos bacharéis e para permitir ou negar o direito de exercer a
profissão de advogado. Ao mesmo tempo que a Ordem luta para impedir a criação de novos cursos por
algumas universidades que privilegiam a quantidade mais que a qualidade, outros
são abertos, sem a mesma oposição, porque
ligados a instituições de fama e a profissionais do direito de reconhecida
reputação, em clara confusão e contradição, porque a boa fama, de modo isolado, não constitui garantia
de excelência na formação dos futuros bacharéis. Bons profissionais não têm
tempo e proliferam assistentes dos assistentes dos assistentes de professores
em todas as faculdades de direito, sem nenhuma exceção, inclusive na velha
academia, como é público e notório.
Como afirmava um dos mais
ilustres e exemplares advogados deste Estado, Paulo Sérgio Leite Fernandes,
"a partir de um certo pedaço da vida,
a gente começa a se acostumar a dizer as verdades, porque sente que as verdades
precisam ser ditas" ("A Formação Prática do Advogado"- Revista do Advogado, ano IV, número 13, pág. 33). É o
que estou fazendo neste momento, ainda que sujeito às críticas depois. Quem
conhece a realidade sabe perfeitamente que não apenas os advogados revelam a
debilidade de conhecimentos. O mal afeta todos os que passaram pela academia e
atinge Juízes, Promotores de Justiça, Delegados de Polícia, etc., por uma razão
absolutamente simples. Todos são farinha do mesmo saco. A grande diferença é que
alguns conseguem passar nos concursos públicos e outros não.