CONTRATAÇÃO DE TEMPORÁRIOS

Fernando Machado da Silva Lima

 13.08.2000

 

 

Desde a Constituição de 1.946, existe no Brasil a expressa exigência do concurso público, nos seguintes termos:

 

“A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde” (art. 186).

 

Essa norma nunca foi respeitada, primeiro em decorrência dos vários artifícios jurídicos que permitiram inúmeras formas de nomeação ou de aproveitamento de funcionários em cargos superiores, e depois através da contratação, sem concurso, para cargos regidos pelas leis trabalhistas. O Supremo Tribunal Federal, em inúmeras oportunidades, decidiu sempre no sentido de que o concurso público somente poderia ser dispensado para o preenchimento de cargos de natureza especial.

 

      O concurso público é, portanto, obrigatório na administração direta e indireta das três esferas de governo, a federal, a estadual e a municipal, e no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. De acordo com o inciso II do art. 37 da Constituição Federal de 1.988,

 

“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

 

      Apenas uma exceção existe, nos termos do inciso IX do mesmo artigo, para a contratação dos temporários:

 

“a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

 

      As normas da Constituição do Estado do Pará não são diferentes quanto a essa exigência, contida no § 1o do art. 34:

 

“A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, respeitada, rigorosamente, a ordem de classificação, sob pena de nulidade do ato, não se aplicando o aqui disposto às nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

 

      A exceção referente aos temporários está no art. 36:

 

“A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

 

      A Lei Orgânica do Município de Belém, no art. 21 e seus parágrafos, repete quase integralmente as normas federais e estaduais.

 

Mas apesar da existência de todas essas normas, o que deveria ser apenas exceção hoje é regra, porque os administradores federais, estaduais e municipais costumam inchar os quadros do funcionalismo através de contratações temporárias, sem o concurso público, e de acordo com as suas conveniências, ou com as suas preferências partidárias, e os contratados se vão eternizando através de sucessivas prorrogações.

Apenas para exemplificar, temos os servidores estaduais temporários, contratados de acordo com a Lei Complementar nº 7/91, de 25.09.91, que estabelecia, em seu art. 2o , que o prazo máximo da contratação seria de seis meses, prorrogável no máximo, por igual período, uma única vez.

 No entanto, em 04.02.93, a Lei Complementar nº 11/93 autorizou a prorrogação dos contratos temporários até 31.12.93, embora prevendo que deveria “o Estado promover concurso público para provimento das funções, na medida da necessidade”.

No ano seguinte, em 01.02.94, a Lei Complementar nº 19/94, embora estabelecendo que deveriam ser realizados os concursos públicos até 31.07.95, permitiu a prorrogação dos contratos temporários até 31.12.95, “em função da insuficiência de pessoal para a execução dos serviços e do desempenho anterior do servidor”.

A Lei Complementar nº 30, de 28.12.95, autorizou a prorrogação dos contratos dos servidores temporários até 31.12.98. Recomendou, porém, que “devem as autoridades responsáveis tomar as providências para a realização de concurso público, para admissão de pessoal, em caráter permanente, nos setores em que houver vagas e necessidade de serviço”.

 Finalmente, a Lei Complementar nº 36, de 04.12.98, autorizou a prorrogação desses contratos até 31.12.02, embora repetindo a recomendação acima transcrita.

Ou seja: em dezembro de 2.002, teremos servidores temporários contratados há mais de onze anos, burlando evidentemente, com essas prorrogações sistemáticas, a norma constitucional do inciso IX do art. 37, que permite excepcionalmente a contratação por tempo determinado, “para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

 

Aliás, não haveria qualquer razão jurídica para que essas cinco leis tivessem o formato de leis complementares, porque o assunto tratado, nomeação de temporários, não se enquadra no § 1o do art. 113 da Constituição, e porque o art. 36 fala em “lei”, e não em “lei complementar”. Conseqüentemente, deveria ser aplicada a regra do art. 88, das deliberações por maioria relativa, e a matéria deveria ter sido regulada através de lei ordinária.

Mas a verdade é que a Constituição Federal previu sanções para o descumprimento das normas pertinentes à exigência do concurso público, nos §§ 2o e 4o do mesmo art. 37, como a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, e tratou dos atos de improbidade administrativa, que poderão resultar na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível.

No entanto, essas normas, que prevêem a punição da autoridade responsável pela contratação irregular, são normas de eficácia contida, isto é, dependem, para sua aplicação, da existência de norma infra-constitucional que defina, ou tipifique, a conduta ilícita, e estabeleça a sanção aplicável, o que somente ocorreu com a edição da Lei nº 8.429, de 02.06.92.

Mas apesar da existência de todas essas normas, o princípio constitucional de exigência do concurso público continua sendo desrespeitado, sendo certo que caberia a propositura de ação civil pública para a anulação dos atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa.

Caberia, mesmo, uma ação direta de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 36/98. O respeito aos princípios constitucionais republicanos, em especial aos da igualdade, da moralidade e da impessoalidade, torna imprescindível o concurso público, para que as vagas sejam preenchidas pelos mais capazes.

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