CONCORRÊNCIA NAS PROFISSÕES


Por VITAL MOREIRA

Uma das primeiras medidas das revoluções liberais na Europa, a começar com a revolução francesa de 1789, foi a extinção das corporações profissionais medievais e o reconhecimento da liberdade de profissão, que elas coarctavam. A liberdade profissional (sem prejuízo dos requisitos para o exercício de determinadas profissões) constituiu, juntamente com a liberdade de empresa, uma das bases originárias da economia de mercado liberal.Todavia, as corporações profissionais haveriam de ser restauradas em muitos países europeus na vaga antiliberal dos anos 20 e 30 do século passado, que assistiu à restauração de intensas formas de regulação restritiva das profissões.

 

Na sua generalidade, as profissões liberais voltaram a organizar-se em ordens e colégios profissionais oficiais, dotadas de fortes poderes de regulação profissional, não somente em relação aos aspectos técnicos e deontológicos da profissão (onde a auto-regulação é plenamente justificável), mas também nos aspectos económicos, como a restrição do acesso à actividade, limitação das formas de organização profissional, proibição de publicidade, restrições territoriais, garantia de uma esfera de actos exclusivos de cada profissão, e finalmente fixação de preços dos serviços profissionais. Em consequência disso, em muitos países europeus a liberdade de profissão encontrou-se fortemente limitada, excluindo de todo em todo um verdadeiro mercado de serviços profissionais.Esta situação começou a ser contestada a nível da UE desde finais dos anos 80 do século passado, no contexto do movimento para a criação do mercado único europeu, que será sempre imperfeito enquanto houver uma reserva protegida em relação aos serviços profissionais. Desde há anos que a Comissão Europeia vem tomando iniciativas (estudos, relatórios, recomendações, decisões, etc.) tendentes a cortar as restrições que impedem a concorrência nos serviços profissionais.

 

Acaba de ser publicado mais um relatório, dando conta da evolução da situação das profissões nos vários Estados-membros. Nessa fotografia, Portugal está longe de ficar bem, contando-se entre aqueles países onde são mais extensas e intensas as restrições à liberdade de exercício em várias profissões. Um dos traços da regulação profissional tradicional mais incompatíveis com a ordem económica comunitária é a fixação de preços dos serviços prestados, nomeadamente de preços mínimos. Muitas vezes justificada pelos interessados como meio de defesa da dignidade da profissão e da qualidade dos serviços (que seria alegadamente degradada se os profissionais começassem a concorrer nos preços), a fixação de tarifas e honorários profissionais constitui uma violação qualificada das regras da concorrência e do mercado, em prejuízo dos novos membros da profissão e dos utentes. Do que se trata é de típicas práticas de cartel, em que os operadores de uma certa actividade económica concertam entre si, por meio de um acordo ad hoc, ou de decisão de uma associação de que sejam membros, as condições de fornecimento de um certo bem ou serviço. A aplicabilidade das regras europeias da concorrência aos serviços profissionais, incluindo a proibição de práticas restritivas, é consensual desde há muito, desde que verificados os restantes requisitos para a aplicação do direito comunitário (nomeadamente a afectação do comércio entre os Estados-membros). Mais difícil foi fazer prevalecer o mesmo princípio no plano do direito interno, tendo perdurado até hoje muitas situações de regulação de preços por parte das corporações profissionais. As coisas estão, porém, a mudar entre nós. As recentes decisões da Autoridade da Concorrência, punindo duas ordens profissionais pela fixação de preços (até agora só havia uma decisão nesse sentido do antigo Conselho da Concorrência), mostram que está definitivamente adquirida a convicção de que estas situações não podem permanecer.

 

Em vez de se dedicarem a actividades de regulação económica, para as quais não devem ser competentes - de resto, em geral, os seus estatutos nem sequer lhes atribuem tais poderes, o que os torna desde logo ilegais, as ordens profissionais deveriam procurar exercer bem aquilo para que estão mais apetrechadas e vocacionadas e de que tão mal se ocupam, nomeadamente a fiscalização e a punição das faltas técnicas e das infracções deontológicas dos seus membros."

fonte: http://www.diarioeconomico.com - 2005-09-09

 

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