COMO
COMBATER O EXAME DE ORDEM. A NECESSIDADE DA CRIAÇÃO DE UMA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE BACHARÉIS.
João Silveira Masmoerra
E-mail: masmoerra@yahoo.com.br
SUMÁRIO: 1. APRESENTAÇÃO; 2. O PODER DA OAB; 3.
A REPROVAÇÃO DO EXAME; 4. UMA TENTATIVA DE EXPLICAÇÃO; 5. A SUBJETIVIDADE DO
EXAME; 6. AS COMISSÕES DO EXAME DE ORDEM; 7. COMO CHEGAMOS A ESTA SITUAÇÃO; 8. O BACHAREL, AFINAL, NÃO É NADA? 9. UMA
EXPERIÊNCIA PESSOAL; 10. O ARDIL DA OAB; 11. A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS
BACHARÉIS DE DIREITO; 12. OS OBJETIVOS DA ASSOCIAÇÃO.
1.
APRESENTAÇÃO
Assim como milhares
de outros bacharéis em direito, também já passei pelo primeiro exame da
OAB, e, como tantos, também fui reprovado. Sinceramente, não acredito que um
exame elaborado com o objetivo de derrubar candidatos seja forma eficiente para
avaliar meus conhecimentos jurídicos, ou mesmo minha capacidade para me manter
na profissão.
Fico absolutamente consternado ao ver
que o funil de passagem para a entrada na advocacia está se fechando mais, a
cada dia. Estou vendo que está em curso uma verdadeira guerra política,
protagonizada pela OAB contra o MEC. Noto, a cada dia, que estão nos usando,
como massa de manobra, para pressionar o governo contra as universidades
particulares, principalmente as mais novas, e usam os exames, friamente
manipulados, para impressionar o grande público, através da mídia, e nós sequer
conseguimos nos articular para propor uma defesa minimamente orientada.
A grande pergunta é: De que vale tudo
o que aprendemos na universidade, se não somos capazes de usar este
conhecimento a nosso favor?
Reclamar, mostrar indignação,
apresentar documentos, que corroboram nossas teses, é simples exercício de
retórica, sem uma ação planejada, que nos conduza a uma
virada, neste jogo sujo, de que infelizmente somos vítimas indefesas.
O grande problema é que, com
raríssimas exceções, vemos a OAB como um monstro invencível e intangível. Nós
esquecemos que a OAB, mais do que qualquer outra organização,
precisa viver sob o manto da legalidade.
2.
O PODER DA OAB
A pergunta é: De onde vem todo o poder
da OAB? Não é preciso um exercício mental muito acima do QI médio para perceber
que o poder da OAB se sustenta sobre um tripé, que é:
1) Tradição – A OAB arroga ser a
grande defensora da sociedade. Manifesta sua opinião, sempre, na grande mídia,
a respeito de qualquer fato político relevante, simplesmente para ganhar espaço
na imprensa e prestígio junto à classe política, ou seja, fazem o jogo sujo da
politicagem. Neste particular, a Ordem dos Advogados, devo confessar, é
bastante eficiente;
2) Manipulação - Fazem
o jogo do macaco, que bate e esconde a mão. Quero dizer exatamente, com isso,
que a OAB manipula, covardemente, os resultados dos exames, para, a partir
deles, colocar a grande mídia contra as universidades. Com isso, pretendem
criar um fato político, para pressionar o MEC a fechar universidades e conferir
à OAB o sacrossanto direito, quase divino, de guiar os destinos da categoria,
fiscalizando, desde a formação do aluno, até o exercício da profissão pelo
advogado;
3) Arbítrio - Usam os
próprios bacharéis em direito e sua inércia e falta de organização para prejudicar
os mesmos bacharéis. Somos os maiores interessados, mas não nos dão o direito
de opinar sobre os métodos de avaliação nos exames, assim como não nos dão
oportunidade de participar de nenhuma decisão relevante, que possa mudar a
realidade injusta na qual todos nós vivemos.
Faço aqui outro questionamento. Do que
é feito o mito OAB?
Acredito que a OAB, em todo o país,
seja feita basicamente de um pequeno grupo, que manipula o prestígio, o poder
econômico e, conseqüentemente, o poder político da entidade. Ah! Sim, é claro.
São bastante eficientes neste sentido. Faço aqui uma ligeira simplificação para
poder dizer o que é o fenômeno OAB. 1) Organização. 2) Dinheiro. 3) influência
política.
Faço
aqui outro questionamento: O que nos impede de nos organizarmos, para lutarmos
por nossos direitos com as mesmas armas utilizadas por eles?
Se
quisermos mudar a situação ridícula em que estão nos colocando, precisamos nos
organizar e lutar.
3.
A REPROVAÇÃO DO EXAME
Eu me formei no final de 2005. Em uma
turma que, diga-se de passagem, sempre foi elogiada, por todos os professores,
no tocante à garra e à força de vontade. Essa turma contava com 72 alunos, dos
quais somente 10 foram aprovados, na primeira fase do exame nº 128, de São
Paulo. Na segunda fase, esse número caiu pela metade, ou até menos. Neste
primeiro exame, tive a oportunidade de ver vários bons e esforçados alunos, que
sempre primaram pelo estudo, naufragarem no exame da OAB.
Gostaria que me convencessem, a partir
de argumentos lógicos, de que este exame faz algum sentido. Sabemos que o maior
problema da advocacia é, e sempre foi, a formação moral dos profissionais. Afinal,
até mesmo os maiores escroques podem ser tecnicamente perfeitos e, no entanto,
são eles os grandes responsáveis pelo estado de coisas que vemos neste país.
Agora pergunto: Será que o exame da OAB serve para avaliar as qualidades morais
de quem se submete a ele? -
É claro que não.
Não posso falar, evidentemente, a
respeito da realidade dos outros Estados. Posso, sim, falar sobre a realidade
do meu. A verdade é que, até a gestão do presidente anterior da OAB-SP, o
índice de aprovação do exame sempre foi de 30%, ou mais.
A chapa de conselheiros que está
atualmente no poder, aqui em São Paulo, conseguiu a maioria dos votos a partir
de uma plataforma de campanha que prometia levantar a bandeira da “Defesa
intransigente da advocacia paulista”. Sempre me perguntei se a advocacia a que
eles se referiam era a do advogado em início de carreira, e que não ganha o
suficiente, para sequer contratar um estagiário, ou arcar de forma digna com os
custos de uma salinha alugada, ou, por outro lado, os interesses dos grandes
escritórios de advocacia, com poder econômico forte o suficiente para custear
uma das campanhas políticas mais caras e bem organizadas da história da
entidade.
Nos sites
jurídicos, os advogados detentores do poder, dentro dessa área, vociferam,
constantemente, contra o número de profissionais que se lançam ao mercado, a
cada ano. Diz um ditado popular que “quem paga a orquestra pode escolher a
música”.
Assim, a pergunta que faço é: A quem
devemos atacar? Atacamos a OAB, como entidade representativa organizada, ou
procuramos atacar o poder financeiro e político, que financia as injustiças
praticadas contra os bacharéis em direito que, apesar de serem os maiores
interessados neste processo, não possuem voz, para combater a arbitrariedade
praticada?
A grande realidade é a de que, pelo
menos em São Paulo, o exame da OAB se tornou o monstro que é, hoje, a partir da
gestão dos conselheiros que estão atualmente no poder. O índice de aprovação
neste Estado chegou, há pouco tempo, a ridículos 8%, e vem se mantendo mais ou
menos neste patamar. Fico me perguntando: Será que os bacharéis de São Paulo
ficaram mais burros e despreparados, em tão pouco tempo? Posso adiantar que é
muito difícil de acreditar em tal tese.
4.
UMA TENTATIVA DE EXPLICAÇÃO
Na minha ótica, a situação é muito
clara. Os advogados poderosos e famosos que compõem as grandes bancas de
advocacia pagam as campanhas para os conselheiros indicados por eles. Como
contraprestação, exigem que a OAB limite o número de cursos jurídicos e
dificulte ao máximo o ingresso de novos profissionais no mercado. O resultado
desta nefasta política é o que já conhecemos. A universidade que nos forma, se
não apoiada pela OAB, passa a receber críticas constantes. Dizem que não
passamos no exame porque fizemos o curso em uma universidade “caça níqueis”; que
não temos condições de existir no mercado, porque não possuímos conhecimentos
jurídicos mínimos, que nos habilitem para tal mister; enfim, a cantilena deles,
já conhecemos à exaustão.
O triste é que, pelo que posso
perceber, a OAB-SP possui grande influência e prestígio junto ao Conselho
Federal da OAB. Assim, esta prática, iniciada, ou
melhor, expandida, pela OAB-SP, ditará a regra em todas as demais seccionais,
se ninguém fizer nada para impedir. Podemos ver, nitidamente, que alguns
importantes fatos isolados já apontam uma forte tendência nesse sentido. Já
conseguiram aprovar a realização dos exames unificados para todo o país.
Aumentaram a nota de corte da primeira fase, e, principalmente, estão tornando os
exames de segunda fase cada vez mais subjetivos. Já se fala, até mesmo, em
exame oral.
5.
A SUBJETIVIDADE DO EXAME
Em relação ao exame de segunda fase,
pode-se observar, claramente, que os examinadores, “convocados” para corrigir
as provas, não são obrigados a fundamentar suas decisões, de forma técnica.
Disso decorre que, nos exames de segunda fase, fica praticamente impossível
recorrer da decisão do examinador, por ser a correção extremamente subjetiva .
É corolário lógico de nosso
ordenamento jurídico que o juiz é livre para apreciar as provas e para decidir,
desde que motive sua decisão, para dar direito à ampla defesa, para quem, não
concordando com essa decisão, possa contra ela irresignar-se.
É estranho que a OAB não obrigue seus corretores a fazerem o mesmo. Se o
recurso somente pode ser feito com base em critérios técnicos, como poderia um
candidato combater uma decisão, a respeito de sua prova, se os examinadores não
estão obrigados a demonstrar, de forma fundamentada, qual o erro técnico
cometido pelo candidato, que eles reprovaram?
Dessa forma, a avaliação do exame de
ordem se caracteriza pelo arbítrio, pura e simplesmente. Aliás, não somente
pelo arbítrio, mas também pelo extremo absurdo de que os integrantes das
Comissões de Exame de Ordem não precisam ter, nem ao menos, experiência
didática anterior.
6.
AS COMISSÕES DO EXAME DE ORDEM
O Conselho Federal
da OAB aprovou, em dezembro de 2.005, o Provimento nº 109, [1] que
“estabelece normas e diretrizes sobre o exame de ordem”, revogando assim o
Provimento anterior, nº 81, de 1.996.
Até parece mentira, mas o art. 3º do
Provimento nº 109/2.005 dispõe que: “As bancas
examinadoras são compostas de, no mínimo, três membros titulares, advogados no
efetivo exercício da profissão e que tenham, preferencialmente, experiência
didática, com, pelo menos, cinco anos de inscrição na OAB, designados pelo
Presidente do Conselho Seccional, ouvida a Comissão de Estágio e Exame de
Ordem”.
Pasmem, senhores: que tenham, preferencialmente,
apenas, a experiência didática. Menos mal, aliás, porque no Provimento
anterior, o de nº 81/1.996, eram exigidos, apenas, os
cinco anos de exercício da advocacia.
Mas fica evidente, portanto, pela
simples leitura da citada norma, do Provimento nº 109/2.005,
que a OAB entende ser desnecessária a experiência didática, para quem, nada
mais nada menos, vai avaliar todos os bacharéis em direito, formados por todos
os cursos jurídicos brasileiros. Ou seja: as universidades perdem o seu tempo e
o seu latim, com os seus estudos e especializações e mestrados e doutorados, de
pedagogia, de didática, de metodologia do ensino e da avaliação, para formar os
seus bacharéis, porque depois a OAB, arbitrariamente, para avaliar todos esses
bacharéis, e também todas as universidades e cursos jurídicos, escala o notório
saber e a reputação ilibada das sumidades que integram as suas comissões de
exame de ordem, cujo currículo ostenta, apenas, os cinco anos de exercício da
advocacia!!!
7.
COMO CHEGAMOS A ESTA SITUAÇÃO
Permito-me, aqui, uma ligeira
digressão, para relembrar o que é o famigerado exame da OAB, e como ele foi
desvirtuado, ao longo do tempo, para ser a aberração na qual se tornou.
O curso jurídico sempre foi, em nosso
país, sinônimo de advocacia. Falo do tempo em que o ingresso na advocacia era
livre. O bacharel em direito, ao colar grau, estava plenamente habilitado para
o exercício da advocacia. Não havia exame. Nenhum pré-requisito era cobrado do
bacharel, para que o mesmo pudesse habilitar-se para advogar.
Parece estranho que as pessoas, hoje
em dia, não consigam mais entender a militância na advocacia dissociada do
famigerado exame da ordem, o que é um absurdo.
A OAB, através do tempo, manipulou a
opinião pública, e, principalmente, a opinião no cenário político, para criar
uma dicotomia entre o curso jurídico e a atividade da advocacia. Fizeram de tal
forma que, hoje, a consideram, praticamente, como uma atividade distinta. Vêem
os cursos jurídicos, apenas, como uma ante-sala da advocacia, um pré-requisito
mínimo, apenas.
Imaginem se um estudante de engenharia
fizesse o vestibular de um curso superior, em uma universidade reconhecida e
autorizada pelo Estado e, ao final, dissessem a este aluno que o curso de
engenharia, por si só, não é suficiente para habilitá-lo como engenheiro.
Imaginem o mesmo, acontecendo com um dentista, com um médico, ou com qualquer
outra profissão no mercado.
O que me pergunto é: onde estaria a
segurança jurídica deste país, se todos os alunos, de todos os cursos
superiores, deixassem de ter a segurança de habilitar-se em sua profissão, ao
final do curso que escolheram?
Tal cenário parece absurdo, mas é
exatamente o que nós, bacharéis em direito, deixamos que fizessem
conosco, e o pior, há quem acredite, hoje em dia, que esta infâmia é
absolutamente normal e benéfica, para a sociedade, como um todo.
Para que melhor se possa compreender a
situação, há que se levar em conta que o cativo, depois de muitos anos de
prisão, deixa de lembrar de sua vida, de quando era livre. O cativo passa a
acreditar que sempre foi privado da liberdade e passa a aceitar isso, como um
fato normal de sua vida.
Uso este exemplo, para comparar com a
nossa própria situação. O curso jurídico, tal como ocorre com todas as outras
profissões, deveria habilitar o egresso, minimamente, para a advocacia, assim
como é deferido ao egresso de um curso de engenharia habilitar-se, minimamente,
como engenheiro.
Nós, na condição de cativos que somos,
não lembramos mais do tempo em que era decorrência lógica de fazer o curso
jurídico o tornar-se advogado. Não lembramos, muito menos, dos rábulas e dos auto-didatas.
Para resgatarmos nossa combalida
dignidade, precisamos nos organizar para a luta. Precisamos nos municiar, para
que possamos enfrentar a OAB, com as mesmas armas que eles usam contra nós.
Temos que levantar a cabeça e seguir em frente.
O maior problema, hoje em dia, é que
existem muitos milhares de bacharéis em direito, em todo o país, que não se
compreendem como uma categoria. O jugo do famigerado exame da OAB foi tão bem
colocado sobre nossos ombros, que passamos a nos conceber como milhares de
pessoas que, apesar de possuírem algo em comum, umas com as outras, ou seja,
que todos somos egressos do mesmo curso, não nos compreendemos como uma unidade,
enquanto categoria de pessoas da mesma condição. O Bacharel em direito, segundo
a opinião de alguns, é absolutamente nada. Não é estudante, não é estagiário,
não é advogado, mas, apesar de tudo, possui um diploma de curso superior, que o
habilita para o quê mesmo?
Precisamos romper com a inércia que
nos conduz à triste condição de espectadores de nossa própria vida.
8. O BACHAREL, AFINAL, NÃO É NADA?
Quando resolvemos cursar uma faculdade
de direito, é porque queríamos ser advogados. Ninguém que eu conheci, ao longo
de todos os anos em que cursei a faculdade, deixou sua casa, durante parte de
seu dia, durante cinco anos, para tornar-se, simplesmente, bacharel em direito.
Ninguém que eu conheci, durante o tempo em que estive na universidade, investiu
cerca de setenta mil reais em um curso superior, simplesmente porque queria
conhecer mais, sobre o ordenamento jurídico, ou porque queria, apenas, possuir um diploma universitário, que não o habilitasse para nada.
Temos que entender, de uma forma completa, que a existência de muitos milhares de pessoas
investindo tempo, dinheiro e esperanças, em um curso superior que não habilita
para nada, é completamente surreal.
Se levantarmos a bandeira do banimento
do exame de ordem para sempre, é certo que haverão
aqueles que dirão que o exame é um mal necessário, que a categoria não poderia
sobreviver com a pressão de milhares de profissionais entrando no mercado ao
mesmo tempo, etc.
A isso devemos, com toda a calma do
mundo, responder: Não é problema nosso. Se o Estado, através do MEC, autorizou
e reconheceu centenas de cursos de direito, em todo o país, sem analisar o
impacto que decorreria disso no mercado de trabalho da advocacia, então o MEC
que assuma este ônus.
Não podemos mais deixar que imputem, a
nós, a culpa de termos apenas escolhido o curso errado
ou a universidade errada, como quer fazer parecer a OAB. Temos que entender que
não somos culpados deste processo, porque somos as vítimas deste descalabro
reinante, que aí está.
Posso até conceber a idéia de que não
exercerei a profissão. Posso fazer outra coisa para ganhar a vida, mas quero
ter o direito de dizer: Sou advogado, mas não exerço. Quero, ao menos, dizer
que sou advogado, para ter o direito de gozar do curso que fiz, sem carregar a
pecha de ignorante ou despreparado.
Sei que, fatalmente, passarei em algum
dos exames que estão por vir, mas não acho justo, quando penso nas milhares de pessoas que estão enfrentando a mesma
situação.
Precisamos acabar, de uma vez por
todas, com esta situação, embora seja certo que aqueles que exercem o poder
dentro do sistema OAB não permitirão que tal aconteça sem luta. É justamente
por isso que friso, mais uma vez, que precisamos nos organizar para o
confronto.
9.
UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL
Vou contar uma história, que aconteceu
comigo, há anos atrás, e que pode ilustrar o que passarei a dizer daqui para a frente.
Em 1997, terminei o meu curso de
técnico em radiologia médica e fui trabalhar em um hospital.
Comecei a trabalhar na área de
ortopedia e vislumbrei a possibilidade de fazer mais um curso na área. O curso
era denominado “Técnico em Imobilizações Ortopédicas”. Me entreguei a ele,
de corpo e alma, mesmo depois de descobrir que o tal curso era técnico só no
nome. Tratava-se de um curso livre. Não havia, para este curso, credenciamento
junto à Secretaria de Estado da Educação. A profissão não existia, formalmente,
perante o Ministério do Trabalho, mas apesar de tudo isso, havia, em todos os
hospitais onde existia um serviço de ortopedia, pelo menos quatro profissionais
trabalhando.
Naquele momento, aquilo me pareceu um
contra-senso. Havia demanda de profissionais no mercado de trabalho, para uma
profissão que não existia?
Mesmo sabendo de todos esses problemas,
terminei o curso.
Continuei trabalhando em uma clínica
de ortopedia, como técnico de radiologia, em plantão de 12 X 36. Nos dias em
que não estava de plantão, consegui um bico em outra clínica, como técnico de
gesso (Imobilizações Ortopédicas), como se convencionou chamar desde então.
Nesta clínica, conheci uma pessoa, que
havia fundado uma associação paulista de profissionais desta atividade, há
pouco tempo. A associação contava com cerca de oitenta profissionais
associados.
Como não consigo, mesmo, ficar sem
meter o bedelho nas coisas, comecei a dar opinião a respeito de como fazer a
entidade crescer. A pessoa em questão, que era o presidente da associação,
gostou de meus conselhos e me convidou para trabalhar na associação, como
funcionário.
Lá chegando, encontrei uma entidade
com enorme potencial de crescimento, mas não havia sido desenvolvido nenhum tipo
de trabalho de divulgação. Passei os dois meses seguintes, ao telefone, falando
com centenas de profissionais, em todo o Estado de São Paulo, convidando-os
para cerrar fileiras na associação e divulgando o motivo para a luta na qual
estávamos engajados.
Foi neste mesmo período que descobri
que a nossa atividade era contestada pela enfermagem, que afirmava que aquela
atividade pertencia à profissão deles. Este foi o início de um pesado processo
de luta, para firmar os nossos profissionais no mercado.
Fiz uma abrangente pesquisa na
legislação e no estatuto da profissão médica e descobri que a imobilização
ortopédica era tida e reconhecida como uma atividade médica; e que o médico
poderia, como titular da ortopedia, executar os procedimentos
de imobilização sozinho, ou delegar a responsabilidade a outro
profissional.
Passado o baque inicial, fui pesquisar
a lei que regulamenta a profissão da enfermagem, para verificar se havia, no
rol taxativo de atribuições legais, alguma menção que fizesse referência à
enfermagem ortopédica, que era a nossa área, contestada por eles. Descobri, com
bastante surpresa, que, além de não haver na lei da enfermagem nada que
dissesse respeito à atribuição de enfermagem ortopédica, havia um parecer do
Conselho Federal de Enfermagem, que orientava os profissionais de enfermagem
a não realizar procedimentos de ortopedia por não haver enfermeiros
responsáveis na área ortopédica, restando, pois, irregular a subordinação de
enfermeiros a médicos, uma vez que se trata de profissões distintas.
Como é de se esperar, tal Parecer era
apenas uma orientação e não possuía caráter normativo.
Sem demora, emiti um ofício, ao
Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo, questionando sua ciência acerca
do Parecer do Conselho Federal. Depois de cerca de dois meses sem resposta, e
várias reiterações de nossa parte, responderam que a atividade de imobilização
ortopédica poderia ser feita por qualquer profissional, desde que este tivesse
treinamento em ortopedia; e que o parecer do Conselho Federal não era
vinculativo para o Conselho Regional de São Paulo.
Fiquei profundamente desapontado, mas
resolvi lutar com o que eu tinha, ou seja, quase nada.
Enviei cópias deste documento para
todos os nossos associados, explicando nossa visão a respeito do que havia sido
dito no ofício do conselho. Uma vez que todos entenderam o problema e passaram
a engajar-se na luta, passei a executar a segunda parte do meu plano. Enviei
ofícios ao Conselho Federal de Medicina e a todos os Conselhos Regionais,
requerendo emissão de Parecer sobre o contido no ofício enviado a mim pelo
Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo, manifestando-se sobre o Parecer
do Conselho Federal de Enfermagem. A maioria dos Conselhos de Medicina deu
retorno ao meu ofício dizendo que, se o Conselho Federal de Enfermagem já se havia
posicionado, através de Parecer, desaconselhando seus profissionais a
realizarem procedimentos de ortopedia, restava ao Conselho Federal de Medicina
acatar tal orientação, considerada pelos médicos como a mais correta.
De posse de cópia do Parecer do
Conselho Federal de Enfermagem, e também do ofício emitido pelo Conselho
Regional de Enfermagem de São Paulo e dos Pareceres sobre o problema, emitidos
por todos os Conselhos Regionais de Medicina, mais o parecer do Conselho
Federal de Medicina; enviei tudo para o Conselho Federal de Enfermagem,
solicitando ao mesmo que se posicionasse, sem mais demora, sobre o impasse
criado.
Quase oito meses depois, o Conselho
Federal de Enfermagem, frente ao posicionamento dos médicos, havia deliberado
uma resolução do pleno daquele Conselho, proibindo terminantemente, os
profissionais de enfermagem, de realizarem todo e qualquer tipo de procedimento
na ortopedia, em todo o território nacional.
Todo este processo, aqui descrito,
levou cerca de um ano e meio, para ser concluído, mas, finalmente, era a
vitória tão esperada.
Depois da nossa vitória, não
precisamos convencer mais ninguém a entrar na luta. A notícia correu como um
rastilho de pólvora. A associação, que já contava com cerca de cento e
cinqüenta associados, durante todo este tempo, passou a contar com 1500, nos
seis meses seguintes à vitória. Muitos outros, que não quiseram se associar
quando convidados, agora vinham, de forma espontânea, nos procurar.
No final do ano de 1998, já tínhamos
3000 associados. Já havíamos mudado para sedes maiores, duas vezes, e o número
de filiações crescia a cada dia. O que fizemos passou a ser conhecido em outros
Estados, de onde vinham inúmeros pedidos de filiação, o que
nos obrigou a criar, em agosto de 1999, a Associação Brasileira dos
Técnicos em Imobilizações Ortopédicas, na qual fui eleito vice-presidente.
Franqueamos sub-sedes, em praticamente todos os
Estados, e, logo após, a Federação das Associações.
Como se tratava, ainda, de uma
profissão não reconhecida, solicitei ao Ministério do Trabalho a inclusão da
categoria na Classificação Brasileira de Ocupações, como profissão pertencente
à área da saúde, no que fomos prontamente atendidos, após todos os trâmites de
descrição e comprovação.
Este reconhecimento foi motivo de grande festa,
para nossos associados. Afinal, era a primeira vez que todos os profissionais
da área passavam, oficialmente, a ser uma categoria.
Em 2001, conseguimos aprovar o Curso
Técnico, junto à Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Iniciamos um
curso efetivamente técnico, em parceria com a Sociedade Brasileira de Ortopedia
e Traumatologia. Passamos a integrar mesas redondas de negociação, juntamente
com o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de São Paulo. Passamos, também, a
integrar, habitualmente, as sessões de discussões a respeito de nossa categoria,
no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, local onde esta associação
conquistou respeito e simpatia.
Desde 2003 que não participo mais
desta associação. Tenho orgulho de dizer, porém, que assumi a direção,
informalmente, de uma entidade que possuía apenas 80 associados e me mantive
nela, como membro da diretoria, e honrei meu mandato, durante quase cinco anos.
Entreguei-a, à diretoria que ficou na entidade, com 6.000 profissionais,
durante este período.
Hoje em dia, esta entidade associativa
conta, já, com mais de 15.000 profissionais associados, e orgulhosos de sua
profissão e da associação que constituíram.
Conto esta história para ilustrar o
poderoso papel de uma associação, para a luta pelos direitos de seus
associados.
Já há alguns meses que procuro,
incessantemente, na Internet, qualquer menção acerca da existência de alguma
entidade associativa, que tenha por objeto social a luta pelos direitos e
interesses de Bacharéis em Direito. Para não dizer que não encontrei nada,
entrei em um site de uma associação de Bacharéis em
Direito de Santa Catarina.
Analisei alguns documentos expostos no
site, verifiquei o teor de suas colocações e percebi
que, apesar das boas intenções, esta entidade limita seu trabalho na discussão
e na publicação de artigos contrários ao exame da OAB. Não possuem qualquer
outro método diferente de ação.
Acredito, muito particularmente, que
ficar gritando, aos quatro ventos, sobre a ilegalidade da exigência do exame de
ordem, frente às disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
não é meio suficiente, para basear a ação. Quanto à inconstitucionalidade da
lei, devo apenas relembrar que, no país em que vivemos, só há, de fato,
inconstitucionalidade de uma lei vigente, após a manifestação do STF. E quem
vai provocar esta manifestação?
10.
O ARDIL DA OAB
Devo adiantar que resta insuficiente
tal medida, devido a um ardil da OAB, em relação a este aparente conflito de normas.
A OAB (Federal), isentou juízes, desembargadores e membros do Ministério
Público do exame da OAB.
Esta isenção, dada pela OAB, logrou
atingir dois objetivos principais: 1) Conquistar a simpatia, por parte do Poder
Judiciário, em relação à OAB, garantindo, desta maneira, que juiz ou
tribunal algum julgaria qualquer tipo de ação judicial contrária aos interesses
da OAB, inclusive no tocante aos exames; 2) Deram a isenção aos membros do
Poder Judiciário para se pouparem, também, do constrangimento de verem tão
ilustres bacharéis naufragando no exame, como qualquer outro bacharel. Se tal
ocorresse, seria um escândalo tremendo.
Disso decorre que, dificilmente,
teríamos qualquer chance de êxito, procurando a via judicial, para discutir a
validade do exame de ordem. Não poderíamos fazer isso, primeiramente, porque
dificilmente encontraríamos juízes dispostos a contrariar os interesses da OAB,
haja vista que são detentores de tão grande honraria. Em segundo, não teríamos
qualquer chance de promover ação judicial contra expressa disposição legal. Tal
lide seria considerada temerária.
11.
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS BACHARÉIS DE DIREITO
Questiono, aqui, mais uma vez: Qual
seria, então, a saída, de que podemos lançar mão, para colocar em cheque o
exame da ordem?
A resposta para este questionamento é
bastante clara. Temos que nos mobilizar, para empreender uma luta, que possa
modificar o pensamento político existente neste momento.
Parece difícil, e realmente é, mas não
é impossível.
Temos uma classe política, na Câmara
dos Deputados e no Senado Federal, que não tem medo de nada, exceto da perda de
votos.
Temos que usar este temor dos
políticos para atingir o nosso objetivo.
Se não podemos conquistar um
provimento jurisdicional contrário aos interesses da OAB, podemos nos organizar
para provocar a alteração da Lei.
Temos que lembrar que somos muitos
milhares de pessoas e que temos algo em comum: somos contrários ao exame da
OAB. Somem-se os milhares de bacharéis em direito, com os alunos dos cursos
jurídicos e poderemos criar uma força quase invencível.
A partir da criação de uma associação
de bacharéis, de caráter nacional, como, por exemplo, uma
associação brasileira, poderíamos fomentar a criação de novas
associações estaduais e unir esforços com as porventura já existentes e, de
maneira concentrada, pressionar os Deputados Federais e os Senadores.
É certo que atacar pela via judicial o
exame da OAB, como um todo, através de ação ordinária, seria altamente
temerário, mas nada impede que questionemos os exames de segunda fase, dos
bacharéis reprovados, usando o mandado de segurança coletivo impetrado por
entidade associativa, na forma descrita pela Constituição Federal de 1.988.
Com esta manobra, poderíamos acarretar
um atraso de muitos meses na correção das provas, e desta forma inviabilizar o
exame.
Esta é apenas uma idéia de como
podemos truncar o exame, sem haver comprometimento dos bacharéis, e,
principalmente, da associação.
12.
OS OBJETIVOS DA ASSOCIAÇÃO
Temos que avaliar algumas questões de
ordem prática:
1)
Uma associação de bacharéis em direito jamais poderia
se furtar da obrigação de oferecer resposta a qualquer ataque dirigido pela OAB
aos bacharéis, como, por exemplo, a prática covarde de imputar aos bacharéis a
culpa da baixa aprovação nos exames. Deveríamos, pois, buscar a imprensa, de
forma sistemática, para oferecer defesa aos interesses dos bacharéis,
denunciando sempre a estratégia abjeta em curso, através de artigos elaborados
pelos próprios associados e informando-os de acordo com a maneira como
entendemos os fatos;
2)
Deveríamos, enquanto entidade, lutar de todas as
formas, para não mais deixar existir o imoral exame de ordem, pressionando
sempre a classe política, para que a lei que autoriza o exame de ordem seja
alterada, de forma a banir, de uma vez por todas, esta aberração do nosso
ordenamento jurídico;
3)
deveríamos,
durante o processo de luta, buscar conquistar o direito de inserir a entidade
no processo interno de correção dos exames, de forma a evitar a manipulação de
resultados;
4)
deveríamos,
enquanto associação, solidarizar-nos, e principalmente, unir esforços com
outras categorias de profissionais, para impedir que a obrigatoriedade do exame
de proficiência técnica seja instituído,
também, na profissão deles;
5)
enquanto
associação, deveríamos buscar apoio em parcerias com outras entidades, como,
por exemplo, a União Nacional dos Estudantes;
6)
deveríamos,
enquanto associação, criar mecanismos de aproximação com os diretórios
acadêmicos e centros acadêmicos das universidades, no sentido de pleitear
melhores condições de ensino. Não devemos esquecer, nunca, a responsabilidade
das universidades no processo de formação dos bacharéis;
7)
deveríamos,
enquanto associação, promover sempre, junto ao MEC, a denúncia de universidades
que prestam maus serviços acadêmicos aos seus alunos;
8)
deveríamos,
enquanto associação, promover
intercâmbios, encontros, seminários e congressos de bacharéis em direito, com o
objetivo de discutir lineamentos uniformes, para a luta em todo o país.
9) poderíamos, como
associação, criar fóruns de discussão e de estudo permanente, para aprofundar o
nosso conhecimento, a respeito da estrutura interna da OAB e de seus métodos de
ação; afinal, somente se vence uma guerra entendendo o “modus
operandi” do inimigo.
Apresentei, à guisa de exemplo,
algumas, dentre muitas outras bandeiras de luta e pautas de reivindicação que,
organizados em associações, poderíamos empreender.
Temos que lembrar, sempre, que somos
milhares. Unidos aos acadêmicos, nosso número se multiplica vertiginosamente. É
certo que, unidos e coesos, seríamos imbatíveis. A
vitória somente pode dar-se a partir de um movimento de luta, pelo resgate de
nossa dignidade. A empreitada é difícil, mas certamente possível.
Hoje em dia, a internet
nos dá ferramentas poderosas, para buscar estes objetivos. Com a rede,
praticamente não há mais barreiras, no que se refere às distâncias. Podemos
acessar um grande número de pessoas e informá-las, a partir de uma página na Internet,
desenvolvida para este fim.
Uma associação, criada para unir os
bacharéis em direito, em torno dos objetivos aqui expostos, pode ser comparada
ao movimento de uma locomotiva. No início, é pesada e demora algum tempo, para
vencer a posição de inércia. Após atingir uma certa velocidade, porém, poucas
coisas poderiam detê-la.
[1] Publicado
na página do Conselho Federal da OAB : http://www.oab.org.br/msProvimento.asp?idt=109/2005