O
CLUBE DA OAB – Exame de Ordem, anuidades e aplicação das receitas da OAB/PA na
manutenção do Clube dos Advogados
Fernando Lima
Professor de Direito
Constitucional da Unama
01.01.2006
SUMÁRIO: 1.
Apresentação; 2. A necessidade da crítica; 3. A relevância constitucional da
OAB; 4. A questão do exame de ordem; 5. As anuidades da OAB; 6. OAB: corporação profissional ou sindicato?; 7.
A aplicação das receitas da OAB; 8. O Clube dos Advogados; 9. As perguntas.
1. Apresentação
Em janeiro de 2005, a OAB/PA comunicou que o valor da
anuidade de nossa Seccional seria aumentado para R$500,00, tendo em vista “a
necessidade de suportar os inúmeros serviços que foram sendo conferidos aos
advogados”. É verdade que já existiam, na época, anuidades de maior valor, em
outras Seccionais, mas não é esse o problema.
Em artigo publicado na época, “As Anuidades da OAB”, afirmei
que: 1) o valor que os advogados pagam, a título de anuidade, deveria servir,
apenas, para fazer face às necessidades da OAB, no estrito desempenho de sua
missão constitucional, de fiscalizar o exercício da profissão e defender a
Constituição, a lei, o Estado democrático, etc.; 2) as anuidades da OAB, tendo
natureza tributária, somente poderiam ser fixadas pelo Congresso Nacional,
através de lei, sujeita ainda à sanção do Presidente da República; e 3) a OAB
não poderia impedir o exercício profissional do advogado inadimplente, como
forma de obrigá-lo a pagar o seu débito, cabendo à OAB, apenas, o recurso ao
processo da execução fiscal.
Como costuma ocorrer, a OAB/PA não se manifestou, mas alguns
meses depois foi anunciada a assinatura de um convênio, com o Tribunal de
Justiça do Estado do Pará, destinado a
impedir o exercício profissional dos advogados inadimplentes, o que ensejou a
publicação, no mês de julho de 2005, de um novo artigo meu, “Os Inadimplentes
da OAB”, cuja cópia foi remetida à Seccional da Ordem e ao Gabinete da
Presidência do TJE/PA. Novamente, o mais completo silêncio, embora tenham sido
retiradas, das páginas da OAB/PA e do TJE/PA, na Internet, as notícias
referentes a esse convênio.
Verifica-se, portanto, que a Ordem dos Advogados não aceita
críticas e nem admite qualquer debate a respeito dos meus questionamentos
jurídicos, quer sobre as anuidades, quer sobre o exame de ordem, quer a
respeito da necessidade de seu controle pelo TCU ou sobre os seus servidores
não concursados.
2. A necessidade
da crítica
A Ordem dos Advogados do Brasil a todos fiscaliza, mas não
admite qualquer controle de seus atos. Suas decisões são tomadas de forma
soberana, no âmbito do Conselho Federal e do Conselho Seccional, sem qualquer
possibilidade de questionamento, embora ela não tenha qualquer cerimônia para
fiscalizar, criticar e cobrar, dos Poderes Constituídos, o respeito aos
princípios constitucionais e republicanos, como na recente campanha, liderada
pelo jurista Fábio Konder Comparato, que pretende fazer aprovar, pelo Congresso
Nacional, e pelas Assembléias Legislativas, a regulamentação do plebiscito,
como forma de ampliar a participação direta do povo nas decisões políticas do
Estado brasileiro.
Para o jurista José Ernesto Manzi, construiu-se, em defesa da
OAB,
“a figura jurídica inexistente de autarquia sui
generis, única forma de excluí-la das restrições e controle exercido sobre
os outros órgãos de fiscalização profissional. Entretanto, o fato da OAB
possuir maiores responsabilidades democráticas, ao contrário de colocá-la à
margem do controle da sociedade (e do TCU), lhe deve impor maior transparência,
que só ocorre quando a instituição se democratiza pela submissão ao povo,
origem de todo o poder, inclusive o de fiscalizar (a Advocacia). O que a torna
autarquia é o exercício de função própria ao Estado (fiscalização,
desdobramento do poder de polícia), mediante arrecadação de contribuição de
nítida natureza fiscal, por compulsória a todos os que pretendam exercer a
profissão. Não é objeto deste trabalho adentrar na discussão acerca da natureza
jurídica da OAB, mas entende-se suficiente a afirmação de que, na democracia,
só pode fiscalizar, quem se sujeita a ser fiscalizado.” (MANZI, José Ernesto. Reflexões sobre a advocacia, em seu contexto
de indispensabilidade à administração da Justiça. Texto inserido
no Jus Navigandi nº 325 (28.5.2004). Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5244
Nada mais natural, portanto, que a Ordem dos Advogados do
Brasil, que tanto se esmera em defender os princípios democráticos e
republicanos, e que não costuma perder a oportunidade para se gabar do que faz,
nada mais natural que ela, dando o bom exemplo, adotasse esses mesmos
princípios em sua própria casa, admitindo os questionamentos e ouvindo as
críticas dos advogados, que não são poucas, em todo o Brasil, especialmente em
relação às anuidades e ao exame de ordem. Apenas para dar mais um exemplo, cabe
lembrar a questão, por mim denunciada, em artigo publicado em 2003, das taxas
judiciárias e da sua indevida destinação, para a assistência e a aposentadoria
dos advogados, apesar de já existir jurisprudência contrária do próprio Supremo
Tribunal Federal. No entanto, tudo indica que, até hoje, a OAB/SP, uma das
beneficiadas por essas verbas, não tomou qualquer providência a respeito.
Ressalte-se que não devem entender os advogados, ou os
dirigentes da OAB, que as minhas críticas tenham qualquer intenção de denegrir
a imagem de nossa autarquia corporativa. Ao contrário, se as faço é porque
acredito que elas são indispensáveis, e que deveriam ser democraticamente
aceitas pela OAB, porque é preciso que, através do debate, sejam corrigidos os
seus erros, que no meu entendimento não são poucos. Apenas para demonstrar que
não estou sozinho, embora seja muito evidente a necessidade da crítica, no
regime democrático, cito as palavras da Ministra Eliana Calmon, do Superior
Tribunal de Justiça, em entrevista concedida a um jornal de Belém, em outubro
de 2005, falando a respeito de suas freqüentes críticas ao Judiciário:
“a idéia geral é de que não se pode falar
sobre os defeitos do Judiciário com o risco de expor as fraquezas, de diminuir
esse poder. Penso ao contrário: as instituições passam a ser mais seguras
quando os seus membros têm a consciência de que é preciso mudar e fazer as
correções, e sempre defendi que essas correções devam ser feitas de dentro para
fora, porque nós sabemos o que fazer. É muito melhor do que fazer de fora para
dentro. Há muito tempo, meu posicionamento dentro do STJ é: vamos fazer a
reforma do Judiciário. Se nós não a fizermos, ainda assim ela virá e será
traumática, porque virá de fora para dentro e quem está fora não sabe
efetivamente o que precisa ser mudado.”
3. A relevância
constitucional da OAB
Não resta dúvida de que à Ordem dos Advogados do Brasil foi
constitucionalmente confiada uma enorme gama de atribuições e responsabilidades,
essenciais, todas, ao aperfeiçoamento das instituições democráticas, e que, à
semelhança do que ocorre com o Ministério Público, ela se tornou, virtualmente,
um dos Poderes do Estado. Apesar disso e, aliás, especialmente por essa razão,
a democracia não pode existir, em hipótese nenhuma, se estiver isenta de
críticas a OAB, uma das principais instituições do Estado, que interfere
decisivamente no funcionamento das instituições e é, indubitavelmente,
essencial, à administração da justiça e à efetividade da prestação
jurisdicional. Pelos enormes poderes que concentra, não poderia a OAB, em um
regime verdadeiramente democrático, estar imune a qualquer controle. Seria uma
democracia capenga, uma democracia de fachada, que jamais poderia corresponder
ao interesse público, porque sucumbiria, fatalmente, aos interesses do
corporativismo.
A Ordem dos Advogados do Brasil, como o Ministério Público, a
Advocacia Pública e as Defensorias, é essencial à efetividade constitucional.
Sem ela, de nada nos serviriam os direitos e garantias fundamentais,
consagrados em nossa Constituição, porque é indispensável, para que eles se tornem
realidade e para a própria sobrevivência de nosso regime democrático e
republicano, a efetividade da prestação jurisdicional. E, aliás, afirmado agora
pela Emenda Constitucional nº 45/2004 – como se isso fosse necessário -, que
essa prestação deve ser célere, o que todos sabemos que não é, nem nunca foi.
E, talvez, nem se pretenda que seja, na realidade.
A Ordem dos Advogados participa, no Judiciário, em paridade
de condições com o Ministério Público, na indicação de advogados para o quinto
constitucional. A Ordem fiscaliza todo e qualquer concurso, da área jurídica –
mas o seu exame de ordem não é fiscalizado por quem quer que seja.
Fiscaliza, também, o próprio Poder Judiciário, bem como o
Ministério Público, porque ela indica dois advogados, para cada um dos novos
Conselhos, inconstitucionalmente criados pela Emenda Constitucional nº 45/2004
– embora sacramentados, já, pelo Supremo Tribunal Federal -, o Conselho
Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público.
A respeito da participação dos advogados no Conselho Nacional
de Justiça, afirmava José Ernesto Manzi que:
“a Magistratura deve ser considerada, na
lógica da proposta do Conselho, como a mais perigosa das instituições. O
Conselho da Justiça terá participação de membros do Ministério Público e da
Magistratura, não sendo a inversa verdadeira, ou seja, a Magistratura não
integra os Conselhos de Ética da OAB, nem integrará os órgãos disciplinares do
Ministério Público. Não há como se preservar a independência de um poder,
colocando-o em situação subalterna. Se a impermeabilidade deve ser rompida,
como se prega, deve constituir uma via de mão-dupla. Esta a posição de Miguel
Reale Júnior, que foi Ministro da Justiça e Conselheiro Federal da OAB, em
entrevista à Revista Época (Editora Globo) de 02.02.04.” MANZI, José Ernesto, op.
cit.
A OAB fiscaliza, ainda, a atuação legiferante do Estado
brasileiro, em seus três níveis, através das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade, que podem invalidar todo e qualquer ato normativo,
aprovado por qualquer dos Poderes Constituídos. A OAB critica o Legislativo, o
Judiciário e o Executivo. Criticou, recentemente, aliás com muita propriedade,
através de seu Presidente nacional, em plena sessão solene do Supremo Tribunal
Federal, e na presença do próprio Presidente da República, os abusos do
Executivo, na edição de medidas provisórias. Criticou, há alguns anos, também
através de seu Presidente nacional, uma decisão que concedeu a liberdade ao
então senador Jader Barbalho, insinuando, de certa forma, a prática de crime
pelo magistrado, que o processou, mas a Justiça absolveu o Presidente da OAB.
Critica, freqüentemente, o Legislativo, acusando os seus integrantes de serem
despreparados ou corruptos.
Mas não é só. A Ordem
dos Advogados do Brasil avalia os cursos jurídicos e divulga um “ranking”
desses cursos. Divulga, freqüentemente, através da mídia, uma imagem
extremamente negativa, a respeito dos cursos jurídicos e dos professores
universitários. Emite um parecer prévio - que até o presente momento ainda não
conseguiu tornar vinculativo -, a respeito da autorização para a abertura de
novos cursos. Além disso, a Ordem impede o exercício profissional dos bacharéis
que não obtiverem aprovação em seu exame de ordem, que atenta contra diversos
princípios constitucionais, entre outros o da autonomia universitária, o da
liberdade de exercício profissional e o da legalidade – porque o exame de ordem
é disciplinado pela própria OAB, através de um simples “Provimento” de seu
Conselho Federal (Provimento nº 81/1996, agora substituído pelo de nº 109/2005).
Conseqüentemente, como exigência inelutável de qualquer regime
democrático que não constitua, apenas, uma dissimulação hipócrita da
prevalência dos interesses corporativos e elitistas, a Ordem dos Advogados, que
a todos critica e controla, não poderia
estar isenta às críticas e aos controles, sob pena de não poderem ser evitados
os abusos, que naturalmente decorrem, sempre, da atribuição de poderes
ilimitados, a uma só pessoa ou a um só órgão.
A própria definição da tirania, no expressão de Montesquieu. Exatamente
por essa razão, foi criada, com a contribuição de diversos pensadores – e
definitivamente sistematizada, há mais de duzentos anos, pelo autor do
“Espírito das Leis” -, a teoria da
separação dos poderes, em reação aos abusos e à tirania, depois adotada, a
separação dos poderes – ou das funções do Estado -, como um dos principais fundamentos dos
modernos ordenamentos constitucionais.
Assim, é claro que, em um verdadeiro regime democrático – e
republicano -, ninguém pode ser irresponsável. Ninguém pode estar acima de
qualquer suspeita, nem isento da obrigação de responder a qualquer
questionamento, referente aos seus atos. Todos, governantes e governados, são
obrigados a respeitar a Constituição e as leis. Todos, até mesmo o Presidente
da República, os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou os membros do
Congresso Nacional. Todos, até mesmo os juízes e tribunais, cujas decisões
devem ser, sempre, fundamentadas. Todos, até mesmo a OAB. Em especial, a OAB,
que tem a enorme responsabilidade, prevista no art. 44, I, de seu Estatuto, de
“defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito,
etc.” Sem falar, é claro, a respeito da corregedoria da profissão jurídica e do
poder de vida ou morte sobre os profissionais, exercido pelos seus tribunais de
ética e disciplina.
4. A questão do exame
de ordem
Somente deve poder controlar quem se sujeita, também, aos
controles, e somente deve poder criticar quem aceita, democraticamente, as
críticas. Não é, infelizmente, o que
acontece, hoje, com a OAB. O seu exame de ordem não é fiscalizado por quem quer
que seja; nem pelo Judiciário, nem pelo Ministério Público, nem pelas
Universidades. A OAB nunca responde às críticas, nem comparece aos debates
agendados pelos diretórios acadêmicos. Limita-se a dizer que os cursos
jurídicos formam bacharéis despreparados – o que pode ser verdade, em muitos
casos -, e que a ela cabe impedir que esses bacharéis possam exercer a
advocacia, o que não é verdade, absolutamente, porque cabe apenas ao Estado
brasileiro, de acordo com a Constituição Federal, fiscalizar e avaliar o
ensino. O bacharel em direito, tendo recebido um diploma, fornecido por uma
instituição fiscalizada pelo Estado, tem o direito público subjetivo de exercer
a sua profissão, para a qual obteve a necessária qualificação, de acordo com o
ordenamento jurídico vigente. É um rematado absurdo que a OAB pretenda
defender, intransigentemente, esse sistema, de controle “a posteriori”, pelo
qual se permite o funcionamento dos cursos jurídicos que não reúnem os
necessários requisitos, para a formação de bons profissionais, para depois
patrocinar a reprovação em massa desses bacharéis, que ficam impedidos de
trabalhar, em decorrência da reprovação no exame de ordem.
Mas, apesar de todas essas evidências, decorrentes do exame
jurídico e fático da questão, a Ordem dos Advogados do Brasil se limita a
repetir mil vezes, por alguns de seus dirigentes – no palanque privilegiado de
que sempre dispõe, na mídia -, os seus pobres argumentos, e continua a ignorar
as críticas, para as quais tudo indica que não existe qualquer possibilidade de
contestação plausível. Enquanto isso, cresce o exército de bacharéis
desempregados – talvez sejam mais de cem mil, hoje, em todo o Brasil -, que não
podem obter a carteira da Ordem, e
muitos deles passam a trabalhar, para sobreviver, em escritórios de advocacia,
como advogados de segunda categoria, porque não podem assinar como advogados,
embora possam ter, talvez, toda a qualificação necessária para o exercício da
advocacia. Assim, embora plenamente capacitados, porque o exame de ordem não é
capaz de aferir, por um passe de mágica, as reais condições do bacharel em
direito para o exercício da advocacia, esses advogados-bacharéis, graças à
autoritária imposição da OAB, se sujeitam a trabalhar como advogados e a
receber remuneração de estagiários.
Por outro lado, é um enorme absurdo, tantas vezes repetido,
que a OAB pretenda que o simples fato de que os cursos jurídicos formem
bacharéis despreparados para o exercício da advocacia tenha o condão de lhe
transferir a competência para a avaliação desses bacharéis, que já foram
exaustivamente avaliados pelas Universidades, que deveriam ter sido
corretamente fiscalizadas pelo MEC. E,
se isso não ocorreu, não terá sido, certamente, por culpa dos bacharéis, que já
receberam os seus diplomas, autorizando-os a exercerem a advocacia.
Se esse raciocínio fosse procedente, ou apenas razoável, de
que cabe à Ordem reprovar os bacharéis em direito, porque os cursos jurídicos
são deficientes, ela poderia, também – e deveria, aliás -, intervir no próprio
Judiciário, que todos sabemos, há décadas, que é ineficiente e moroso, para
dizer o mínimo. Assim, caberia à Ordem dos Advogados do Brasil indicar
advogados, para o lugar dos juízes, para que tivéssemos, finalmente, a tão
sonhada celeridade da prestação jurisdicional.
Se esse raciocínio estivesse correto, de que cabe à Ordem
intervir nas Universidades e no MEC, a ela caberia intervir, também, nas
questões referentes à segurança pública, por exemplo, porque se o Estado não é
capaz de cumprir as suas atribuições constitucionais, referentes à segurança do
povo, que para isso paga os seus impostos, caberia à Ordem substituir, também,
as autoridades responsáveis pelo combate à criminalidade.
Talvez fosse o caso, também, de que a OAB pudesse, ou devesse,
indicar advogados para o lugar dos parlamentares – federais, estaduais ou
municipais -, que, embora eleitos pelo povo, não estejam desempenhando
corretamente as suas funções.
É evidente, portanto, que as eventuais falhas do MEC, do
Judiciário, do Legislativo, do Executivo, ou de quem quer que seja, no
desempenho de suas atribuições, não têm o condão de transferir à Ordem dos
Advogados a sua competência, mas talvez todos esses exemplos, de argumentação
absurda, possam servir para despertar as inúmeras mentalidades acomodadas, que
costumam aceitar, sem qualquer questionamento, os fatos consumados – o exame de
ordem já vem sendo realizado, pela OAB, há quase uma década -, e não se acanham
em dizer que, embora sendo inconstitucional, ele é necessário, devido às
deficiências do ensino jurídico.
5. As anuidades da OAB
Em relação às nossas anuidades, a Ordem age exatamente da
mesma forma. Contra todas as evidências jurídicas, em desrespeito,
especialmente, ao princípio da estrita legalidade, em matéria tributária, cada
Seccional da OAB fixa os valores das anuidades e das outras contribuições que
arrecada. Em cada Estado, vigora um valor diferente, que pode ser fixado, sem
qualquer limite, pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados. Em rápida
pesquisa na Internet, verificou-se que, em 2005 – não foi possível, ainda,
verificar os valores que estão sendo fixados para 2006 -, os advogados pagaram,
no Pará, R$500,00; no Rio de Janeiro, R$550,00; no Paraná, R$560,00; em São
Paulo, R$600,00; e, em Santa Catarina, R$850,00.
Evidentemente, quem não pagar, ficará impedido de exercer a
advocacia, mas a Ordem costuma afirmar, com a maior tranqüilidade, que esse é o
procedimento correto, porque as anuidades “não são tributos, mas dinheiro dos
advogados”. Chega a ser ridículo que a
Ordem dos Advogados do Brasil critique, freqüentemente, o Estado brasileiro, em
relação à nossa alta carga tributária, quando, em sua própria casa, não existe
qualquer limite para a tributação dos advogados e quando se sabe que a simples
inadimplência é capaz de impedir o exercício profissional.
Ressalte-se que existe um projeto de lei, em tramitação na
Câmara dos Deputados – PL nº 3.146/04, de autoria
do deputado Antonio Carlos Mendes Thame -, já aprovado pela Comissão
de Finanças e Tributação, que estabelece o limite máximo de R$ 285,00 para as
anuidades da OAB. O autor desse projeto, em
entrevista concedida à Agência Câmara, disse que “o valor adequado das taxas e
contribuições evitará a situação atual de inúmeros profissionais inadimplentes,
que não podem trabalhar por falta de pagamento e regularização junto à
instituição”.
O relator
do projeto na Comissão de Finanças e Tributação, deputado João Magalhães,
afirmou que “é importante instituir normas gerais para o funcionamento das entidades
públicas que exercem a fiscalização do exercício profissional, como é o caso da
OAB e de outros conselhos”.
6. OAB:
corporação profissional ou sindicato?
A Ordem dos Advogados do Brasil precisa aceitar que não é,
nem pode ser, ao mesmo tempo, uma autarquia profissional, de filiação
obrigatória, indispensável ao exercício da profissão, e um sindicato.
A Constituição Portuguesa de 02.04.1976, através da norma
constante de seu artigo 267, nº 4, é capaz de demonstrar, com muita
propriedade, o abuso da Ordem dos Advogados do Brasil:
“As associações públicas só podem ser constituídas
para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções
próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no
respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus
órgãos.”
No Brasil, porém, um dos maiores
erros da Lei nº 8906/1994 - o Estatuto da OAB, aprovado pelo Congresso
Nacional, mas elaborado, o seu anteprojeto, pela própria OAB -, foi a
atribuição, à Ordem dos Advogados, também, de uma feição sindicalista, que pode
ser observada pela criação das “Caixas de Assistência”, que nos termos do
parágrafo 5º do art. 62 desse Estatuto recebem a metade do total de nossas
anuidades.
A OAB não pode ser, ao mesmo tempo, um órgão de fiscalização
da profissão jurídica (autarquia profissional – filiação obrigatória) e um
sindicato (filiação espontânea), preocupado apenas com a aposentadoria, a
recreação, o mercado de trabalho e a defesa intransigente dos interesses corporativos
dos advogados. A incompatibilidade é absoluta, como nos adverte José Maria e Silva:
“Só
mesmo os filhos do acaciano Rui Barbosa para acreditarem nesse conto da
carochinha. É mais do que óbvio que os conselhos profissionais são
incompatíveis com a atividade sindical. Por uma razão muito simples: o conselho
representa a profissão, enquanto o sindicato representa o profissional — e
quase sempre os interesses da profissão (que devem ser os da sociedade) ferem
os interesses do profissional (que tendem a ser os do seu bolso). Ora, a função
do sindicalista (que se ocupa de salário) é incompatível com a função do
conselheiro (que se ocupa de ética).”
SILVA,
José Maria e. Pelo controle externo da
OAB. Texto inserido no Jus Navigandi nº 253 (17.3.2004). Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4999
O problema não poderia ter sido sintetizado com mais
propriedade. A função do sindicalista é incompatível com a função do conselheiro,
o que se torna evidente, por exemplo, na questão do Convênio de Assistência
Judiciária de São Paulo, que até hoje emprega mais de 40 mil advogados. Os
sindicalistas, nessa hipótese, preocupam-se mais com o mercado de trabalho e
com a remuneração dos advogados paulistas. Os conselheiros, porém, deveriam
preocupar-se com o respeito à Constituição Federal de 1.988, que em seu art.
134 atribuiu à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa dos
necessitados. A Lei Complementar nº 80/94 organizou a Defensoria Pública da
União e estabeleceu as normas gerais para a sua organização nos Estados,
exigindo o concurso público de provas e títulos para o preenchimento dos cargos
e proibindo o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. Além
disso, essa Lei Complementar fixou o prazo de seis meses para que os Estados
organizassem as suas Defensorias.
No entanto, além dos seis meses fixados, já se passaram quase
dezessete anos, mas a OAB/SP continua assinando convênios com o Estado e com a
Prefeitura, para dar emprego aos advogados paulistas, em vez de ajuizar as
competentes ações, para exigir o respeito à Constituição e à Lei Complementar.
No meu entendimento, situações como essa precisam ser
corrigidas, urgentemente, para que a Ordem dos Advogados do Brasil recupere a
sua credibilidade e possa ter, por exemplo, completa legitimidade, para
combater o nepotismo, no Judiciário e no Ministério Público. Talvez fosse
necessária a criação de um Conselho Nacional para fiscalizar a OAB, à semelhança
dos que já foram criados, para fiscalizar o Judiciário e o Ministério Público.
Somente assim estaria restabelecido o equilíbrio institucional, para que fosse
possível evitar os abusos do poder.
Evidente, portanto, que a Ordem dos Advogados do Brasil não
pode ser transformada em um sindicato. Na verdade, esse desvio de atribuições é
bem antigo, porque em 1953 a Ordem dos Advogados apresentou, à Câmara dos
Deputados, um anteprojeto de lei, finalmente arquivado como inconstitucional,
que lhe conferia, também, prerrogativas de sindicato. Mesmo assim, hoje não
existem, na prática, na maioria dos Estados brasileiros, sindicatos de
advogados, porque eles foram inviabilizados pela própria OAB, que se apoderou
de toda a competência, que deveria caber aos sindicatos.
É muito sintomático, aliás, que o art. 47 de nosso Estatuto
estabeleça que “o pagamento da contribuição anual à OAB isenta os inscritos nos
seus quadros do pagamento obrigatório da contribuição sindical”. Em decorrência
desse dispositivo – aí inserido pela própria OAB, recorde-se, no anteprojeto do
Estatuto -, fica muito clara a intenção da OAB, de inviabilizar os sindicatos
de advogados, para exercer todas as atribuições e concentrar todos os poderes.
7. A aplicação
das receitas da OAB
Por outro lado, é claro que os valores que os advogados pagam
à Ordem dos Advogados deveriam servir, apenas, para fazer face às suas necessidades
institucionais, no estrito desempenho de sua missão constitucional, de fiscalizar
o exercício da advocacia e defender a Constituição, a lei, o Estado
democrático, etc. Não é possível que se continue permitindo, à Ordem dos
Advogados do Brasil, ampliar, indefinidamente, o seu âmbito de atuação, como no
tocante às Caixas de Assistência ou de Previdência, aos serviços de transporte
ou aos Clubes dos Advogados, para que depois os advogados inscritos sejam
obrigados a pagar a conta de todas essas despesas, sob pena de impedimento do
exercício da advocacia e, até mesmo, de cassação da carteira profissional,
conforme previsto no art. 38 do nosso Estatuto.
Para José Ernesto Manzi (op. cit.), é evidente a necessidade
de que seja estabelecido um controle sobre a aplicação das receitas da OAB:
“Calcula-se
que no Brasil haja 500 mil advogados (210.000 apenas no Estado de São Paulo),
com uma anuidade média de R$ 400,00, ou seja, R$ 200.000.000,00. Não se pode
tornar livre e fiscalizável apenas interna corporis a aplicação de
quantias tão vultosas em nome de uma pretensa independência. Se o Judiciário,
segundo a OAB, não perde a independência com o controle externo (que está além
de suas contas), porque o mesmo raciocínio não serve para a OAB? Somente com a
colocação da Autarquia acima dos Poderes da República e da lei (inclusive a
Constituição) é que esse raciocínio se justificaria. Também os advogados, que
lutam para pagar os impostos, taxas, despesas e a anuidade, teriam maior
certeza que o valor da última é apenas o necessário ao exercício das funções
institucionais, sendo gasto de forma comedida, planejada e racional.”
8. O Clube dos Advogados
Em Carta agora remetida aos advogados pela OAB/PA – que
ensejou a elaboração do presente estudo -, disse o seu Presidente que, apesar
da “variação da inflação ocorrida no período, mantivemos, para 2006, o valor
das anuidades nos mesmos patamares de 2005...”, mas confessou, com todas as
letras, em seguida, que “no Clube dos Advogados pretendemos realizar outras
obras de melhoramento para prepará-lo para receber o advogado e sua família”.
Em meu artigo anterior, já referido, “As Anuidades da
OAB”, publicado em janeiro de 2005,
perguntei, sem obter, até a presente data, qualquer resposta:
“Quer
dizer, então, que as nossas anuidades estão sendo inflacionadas, com as
despesas do Clube dos Advogados, e até mesmo, talvez, com as despesas de
confecção da fantasia da Rainha do Carnaval? Não seria interessante que a
OAB/PA divulgasse, aliás, o que vem sendo gasto nesse Clube, do valor das
nossas anuidades ou, talvez, de algum empréstimo bancário? Se essa divulgação
já foi feita, peço desculpas, antecipadamente, pela minha ignorância.”
Mas o problema
talvez não esteja restrito, apenas, à OAB/PA, porque uma rápida pesquisa na
Internet revelou que:
a)
em Joinville, SC, o candidato da situação, Adriano
Zanotto, que venceu a eleição da OAB, em novembro de 2000, prometia, entre
outras coisas, a “construção de
apartamentos na sede balneária, destinados aos advogados do interior do
Estado”.
Fonte: http://www.oab-sc.com.br/oab-sc/revista/revista108/oab_obras.htm
b)
em Salvador, BA, o Clube dos Advogados realizou, em
dezembro de 2005, uma festa de confraternização para cerca de 300 advogados e a
gastronomia da festa ficou por conta da advogada Cláudia Padilha, dona do bar
do clube, que serviu feijoada (grátis para os advogados), e outras iguarias
como opção. Fonte: “site” da OAB/BA.
c)
Em Maceió, AL, o Clube da OAB realizou, com muito
sucesso, o seu carnaval, nos dias 6, 7 e 8 de 2005, com a presença de 300
pessoas, em média, por dia, e existia “uma
grande estrutura de bar e restaurante, que atendeu plenamente às necessidades
de quem compareceu às festas”. Além disso, em outra oportunidade, centenas
de advogados prestigiaram a festa do Dia das Crianças, com distribuição
gratuita de refrigerantes, água mineral, pipoca e sorteio de brindes. Para
encerrar, a apresentação de palhaços, que encantaram a garotada. Fonte: http://www.oab.al.org.br/N210204.htm
d)
Em Belém, PA, o Clube dos Advogados confirmou, em
janeiro de 2005, a sua participação no concurso de Rainha das Rainhas do
Carnaval. Fonte: “site” da OAB/PA. Obs.: Não se sabe, até hoje, quem pagou pela
confecção da fantasia.
e)
O Dr. Roberto Busato foi escolhido, por unanimidade,
como candidato à Presidência da OAB/PR, para o biênio 1987/1989, sendo de praxe
a consulta e as articulações com o Clube dos Advogados de Ponta Grossa. Fonte: http://www.diariodamanha.com.br/051216/oab7.htm
f)
Em São Paulo, SP, a sede da OAB foi construída em
terreno doado e avaliado, na época, pela lei de doação, em CR$ 6 milhões. A
OAB/SP ocupou três dos doze andares do prédio que foi construído, inicialmente,
com as economias da Caixa de Assistência e o 1º andar foi destinado ao Clube
dos Advogados, que então se achava em fase de constituição. Fonte: “site” da
OAB/SP.
g)
Em Porto Velho, RO, o Clube dos Advogados patrocinou,
em novembro de 2004, no Mirante Dois e Meio, uma feijoada de confraternização.
Antes, já havia realizado o almoço do Dia do Advogado e o Baile do Rubi. Fonte:
“site” da OAB/RO.
h)
Em SC - A partir deste sábado, dia 17 de dezembro, os advogados catarinenses
podem usufruir ainda mais completamente, em seus horários de lazer, da
estrutura da sede balneária da OAB/SC, localizada na praia de Cachoeira do Bom
Jesus, em Canavieiras. A partir das nove horas da manhã, abre a “Temporada de
Verão 2005/2006”, que se estende até o dia 30 de março de 2006. Os boxes e
vagas disponíveis para barracas e trailers devem ser escolhidos no local, no
momento da chegada e somente por advogado adimplente inscrito na OAB/SC,
respeitando o horário compreendido entre 11h e 13h, conforme o Regulamento.
Para obter maiores informações, consulte o site da sede balneária
(sedebalnearia@oab-sc.org.br) ou ligue para (48) 3266-1179. Fonte: Assessoria de Imprensa.
9. As perguntas:
Esse é,
portanto, o grande dilema, em relação ao qual acredito que merecemos, todos os
advogados, uma explicação, por parte da OAB, em todas as Seccionais: será que
somos todos obrigados a contribuir para a manutenção do Clube dos Advogados,
mesmo que não estejamos interessados em freqüentá-lo? O nosso Estatuto nos obriga a pagar as contribuições,
multas e preços de serviços (art. 34), mas onde se enquadra a manutenção do
Clube dos Advogados?
De onde estarão
sendo retiradas, se é que estão, pelas diversas Seccionais da OAB, as verbas
necessárias à manutenção dos Clubes dos Advogados, em todo o Brasil? Das nossas
anuidades? Ou de algum empréstimo bancário? Qual seria o fundamento legal para
a realização desses empréstimos, ou dessas despesas, se é que ele existe?
Tomara que a
Ordem dos Advogados, democraticamente, desta vez, desça de sua majestade, da
posição de relevo que merecidamente conquistou, como fiscal da Constituição, da
lei, e da moralidade, como intérprete máxima de nosso Código de Ética e
Disciplina, através das Escolas Superiores da Advocacia e do Exame de Ordem, como
árbitro da ética profissional do advogado, em seus Tribunais de Ética, e como
corregedora-geral da nação brasileira, e se digne, coerentemente, a nos dar uma
simples resposta, e a nos mostrar, fundamentadamente, que estamos errados, se
estivermos, em supor, por falta de informações, talvez, que alguma
irregularidade pudesse estar ocorrendo, em qualquer de suas Seccionais,
especificamente no que se refere à manutenção dos Clubes dos Advogados.
Afinal, não basta vencer na vida, é
preciso merecer a vitória. Quem já leu a obra de Miguel de Unamuno entende,
perfeitamente, porque ele afirmava que é preciso viver de tal maneira que a
morte seja, sempre, uma suprema injustiça. Quem já leu o Dom Quixote, de
Cervantes, também, poderá concordar que toda vitória imerecida é uma derrota
moral e que, mais importante do que a vitória, é o merecimento de quem a
conquista.
Como diria Gabriel Garcia Marques:
“Aprendi
que todo mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira
felicidade está na forma de fazer a escalada.”
Com a palavra, a
OAB, para nos explicar como está sendo feita a sua escalada e para demonstrar,
certamente, que ela merece a posição de relevo que alcançou.
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