Canudo descartável
Diploma é
dispensável para exercer carreiras jurídicas
Todo poder emana do povo, que
o exerce por meio de representação ou diretamente nos termos da Constituição.
Seria constitucional a exigência de formação em Sociologia para exercer o cargo
de presidente da República? Ou a exigência da formação de Direito para ser
deputado? Então não há como admitir que para ser magistrado judicial seja
exigido o diploma de bacharel em Direito e nem outro cargo jurídico,
principalmente de natureza política.
O conhecimento será avaliado
no concurso, permitindo assim a todos os cidadãos o direito de ocupar o cargo,
independentemente da necessidade de adquirirem um diploma e enriquecer as quase
500 faculdades de Direito no país, as quais conforme fato público, em geral,
não têm fornecido conhecimentos, mas apenas diplomas.
Um poeta não é obrigado a ser
formado em Letras, um músico não é obrigado a ser formado em Música. Um
jornalista não precisa ser formado em Jornalismo. Logo, um jurista não precisa
ser obrigado a adquirir um diploma, pois deverá ser respeitado pelo seu
conhecimento.
Poucos dos grandes juristas
da História tinham diplomas em Direito. Eram respeitados pelo seu conhecimento,
pois eram autodidatas. Para o Direito, seria bom que tivesse um ministro da
Justiça sem o diploma de Direito, pois não seria corporativo e defenderia a
sociedade em vez de atender aos interesses de determinada carreira.
Se o sistema jurídico faz lei
entre as partes, o Legislativo faz leis gerais devendo também ter conhecimento
jurídico, mas utiliza-se dos técnicos jurídicos para informar-lhes sobre as
vias jurídicas. Pelo raciocínio todos os Legisladores deveriam ter diploma de
Direito.
Outrossim, é possível o
concurso exigir o diploma de contador e constar no Edital
apenas matérias de matemática? Ou fazer concurso para médico e constar
no programa apenas matérias de odontologia? Assim, também não é crível exigir o
diploma de bacharel em Direito e cobrar matérias que não estão no programa
fundamental do MEC, e ignorando as matérias fundamentais definidas pela
Portaria do MEC 1886/94, que reformulou o ensino jurídico. Ora, não basta
criticar os candidatos ao concurso, pois se os examinadores não cumprem o
programa do MEC, não há como os candidatos aprenderem a matéria realmente.
Não está obrigado o concurso
obrigado a cumprir o programa do MEC, mas não pode exigir o diploma de bacharel
em Direito como pré-requisito, se não adequar o seu programa ao do ensino
jurídico. E inclusive exigem o diploma antes da primeira fase, descumprindo a
súmula 166 do STJ, pois sabem que se assim não o fizerem, a maioria dos
aprovados poderia ser de pessoas com outra formação escolar, o que seria o
derradeiro fim dos cursos jurídicos e a confirmação cabal de que não ensinam de
fato.
Quem tem o conhecimento
jurídico não precisa do monopólio do diploma, principalmente em concursos
públicos. Quando se criou as corporações profissionais na
França, o objetivo era regular as profissões privadas e não as públicas.
Inclusive estas agora podem ser avaliadas através de concursos que medirão o
conhecimento jurídico, desde que o examinador tenha capacidade para avaliar,
não fazendo apenas perguntas sobre "o que é", mas sim, perguntas que
exijam capacidade mais elaborativa e não apenas
memória como "para que serve", "por que é assim", exigindo
uma visão crítica.
Quando falamos em exercício
do poder pelo povo, não se fala apenas em eleição. Mas também em referendum
pelo povo dos candidatos antes do vitaliciamento;
consulta pública ao povo acerca da Lei Orgânica; prestação de contas ao povo da
produtividade; audiências públicas para apresentação de soluções. E muitas
outras formas.
Afinal, se exigimos o diploma
de bacharel em Direito para decidir questões muitas vezes juridicamente simples
como no juizado especial, de alimentos, acidentes de trânsito, divórcios,
inventários; deveríamos exigir o diploma de administrador público para
administrar os Tribunais, Procuradorias e demais órgãos jurídicos.
Aliás, no caso de Delegado de
Polícia se é para exigir diplomas por que não serve o de formado em Segurança?
Já existem quatro faculdades desta graduação no país.
Inclusive para ser ministro
do STF não precisa ser bacharel em Direito, basta ter conhecimento jurídico.
Aliás, o ideal seria exigir que tivessem também conhecimentos sobre economia,
ciência política e sociologia, pois é impossível analisar a Constituição
Federal sem estes elementos, pois é documento eminentemente político de
constituição do Estado. O saber jurídico ao Supremo Tribunal Federal já é
condensado nas manifestações das partes, mas quanto aos demais elementos, em
regra, não. É por isto que na Europa prevalece o Controle Democrático da
Constituição através de órgãos dinâmicos, com mandatos fixos e compostos por
vários segmentos sociais e estatais. A Constituição e o Direito pertencem ao
povo, nós bacharéis somos apenas técnicos aptos a apontar os caminhos viáveis a
serem seguidos.
Somos como engenheiros
sociais, onde fazemos o projeto, mas a decisão deve ser do proprietário, do
povo, limitado pela Constituição e demais leis. Não podemos deixar que aquele
que apenas repete conceitos sem análise e não cria de novo, age como um
pedreiro social, ainda que tenha 'diploma' de curso superior.
No tempo de Roma o Direito
não era científico e sim casuístico, logo poucos princípios são efetivamente
aplicáveis atualmente, apenas funcionam como dogmas. Se não há uma relação de
princípios pode ser qualquer um, em uma opção política e não jurídica. O que
acontece é que quanto mais elaborado o sistema jurídico legal, menor o poder de
interpretação dos bacharéis. Por isto em geral 'os juristas' reclamam da
mudança das leis, mas ninguém reclama da mudança das opções nas sentenças.
As leis evoluem e são
aplicáveis a todos. As sentenças evoluem, mas são aplicáveis apenas às partes. Logo,
não há igualdade prévia, sendo necessário que cada um reclame o seu direito,
mantendo o mercado jurídico em alta, mas incorrendo no descrédito a médio e
longo prazo.
O novo programa previsto pelo
MEC coloca como matérias fundamentais: sociologia, filosofia, ética,
administração pública, ciência política, economia, direitos humanos, meios
extrajudiciais de solução de conflitos, acesso à justiça e direitos coletivos.
As matérias exigidas nos concursos jurídicos em geral não são as fundamentais
atualmente, limitando-se ao núcleo profissional. Mas como interpretar uma
lacuna de norma analisando os costumes, princípios gerais, o aspecto social e
analogia, sem as matérias fundamentais que são desenvolvem os valores? E o
Judiciário trabalha essencialmente com valores!!!. A
rigor, cada parte alega um direito e fundamenta desenvolvendo uma tese e o
Judiciário elege um dos litigantes em face dos valores sociais, ao menos
teoricamente, acolhendo ou rejeitando a tese do autor, conforme art. 459 do
CPC.
Quando se decidiu no início
da República em 1889 que os cargos de jurídicos e de juiz seriam ocupados por
bacharéis em Direito, era porque naquela época não havia concurso, a escolha
era por indicação e assim o foi até 1934. Então não havia como avaliar o
conhecimento e queriam evitar que os juízes leigos voltassem. Hoje, não faz
mais sentido a reserva de mercado, principalmente para
o Poder Judiciário, que é poder estatal e tem opção política de escolher entre
as teses que lhe foram apresentadas.
E o conhecimento jurídico
necessário será avaliado na prova do concurso. E também naquela época só
existia três tipos de faculdades: Direito, Medicina e Engenharia. Hoje o mundo
evoluiu e o conhecimento ampliou significativamente para outros ramos,
inclusive com diversos cursos de nível superior, sendo quase cinqüenta tipos de
cursos de graduação.
Entretanto, os concursos da Magistratura Judicial até antes da Constituição de
1988, era apenas de habilitação, ou seja, entre os aprovados o
Governador escolhia os que queria (art. 144, I da CF de 1969; art. 136, I, da
CF de 1967; art. 124, III, da CF de 1946; art. 103, a) , da CF de 1937; Quanto
aos juízes federais sempre foram indicados livremente pelo Presidente da
República até 1979, quando passaram a ser escolhidos mediante um concurso de
habilitação, onde o Presidente escolheria entre os aprovados (art. 5° e 78, §3º
da LC 35/79). Destacando que de 1937 a 1967 o Judiciário Federal permaneceu
extinto.
Inclusive, como o Direito não
pode ser monopólio de uma classe ou corporação, nem a Constituição Federal, é
preciso interagir com a sociedade e demais ramos de estudo para se chegar a um
denominador social comum. Aliás, o Direito isolado em um mundo globalizado, é
tão possível como estudar física sem saber matemática.
Alguns países já romperam com
o monopólio do bacharel em Direito como a Inglaterra, o Japão e alguns cargos
de magistrados na França não precisa ser portador de diploma de bacharel em
Direito para exercer cargo jurídico, a aprovação no exame governamental presume
que tem o conhecimento jurídico. O que é razoável e reduz a indústria de
fornecimento de diplomas em Direito financiados em 60 meses, pois não se tem
obtido conhecimentos em faculdades em Direito que se limitam, em geral, a ler
textos e repetir doutrinas básicas e ementas de acórdãos.
Na Inglaterra qualquer
cidadão pode fazer exame de ordem para advogado, se aprovado exercerá a
profissão. Em regra, 75% dos aprovados são oriundos de faculdades de Direito.
Mas quando se quebrou o monopólio, os bacharéis aprovados passaram durante
algum tempo a ser em menor número do que os não bacharéis. Com a concorrência
as faculdades de Direito tiveram que investir em qualidade de ensino.
Nos Estados Unidos faz-se um
curso geral na área de humanas, de duração em média de três anos, após o
segundo grau e antes de entrar na faculdade de Direito. Ou seja, o ensino
jurídico nos Estados Unidos consome em média de 08 anos, e ainda existe a
avaliação social direta, pois em geral não há vitaliciedade e de tempos em
tempos faz-se a avaliação social de juízes e promotores.
De forma curiosa no Brasil o
juiz LEIGO do Juizado Especial deve ser formado em Direito e ter cinco anos de
experiência, um prazo maior do que para ser juiz judicial em Minas Gerais, e
sem falar que na maioria dos Estados não se exige tempo de experiência.
Particularmente, achamos que
a experiência profissional e de vida é muito mais importante do que o diploma.
Mas desde o positivismo os "intelectuais" tentam expurgar a sabedoria
popular do círculo do conhecimento. Assim, o foi durante toda a fase Imperial,
onde juízes leigos e de carreira disputavam espaço. Sendo que durante o Império
prevaleceram os leigos, mas com a República a idéia de Iluminismo e Positivismo
prevaleceu e os portadores do diploma que se auto-proclamaram
intelectuais com o apoio dos militares impuseram a sua filosofia.
Mas é
perfeitamente possível termos juízes não formados em Direito como juízes
de paz, leigos e de arbitragem, tudo previsto na Constituição Federal, ainda
não implantados em face do corporativismo dos bacharéis.
Inclusive como o Ministério
Público a partir de 1988 aumentou substancialmente a sua parcela de no poder de
soberania permanecendo com a fiscalização dos atos estatais e sociais, passando
a atuar como um poder social ou um contra-poder, também deve se submeter às
inovações democráticas que estão sendo analisadas. Sendo que o ideal é que
todas as instituições jurídicas fossem democratizadas.
A rigor, o corporativismo dos bacharéis em Direito no
Brasil é o maior do mundo, pois éramos a única Constituição Federal que previa
a função de advogado particular como essencial e interpretada como
obrigatoriedade de o cidadão contratar um advogado para resolver questões
simples como inventário. Em 1994, a imponente República de Cabo Verde copiou este
artigo brasileiro em sua Constituição.
Então, cabe ressaltar que há
um projeto de Reforma do Judiciário, que de forma anti-democrática,
prevê cargos de juiz e promotor sejam privativos de bacharel em Direito. Mas
ainda não está em vigor a alteração, logo não pode surtir efeitos.
Dessa forma, como a
Constituição Federal, nem a Estadual, nem a Lei Orgânica Federal da
Magistratura estipularam o diploma de bacharel em Direito como pré-requisito
não pode a Lei Orgânica Estadual o fazer, pois a Lei referida no art. 93,
caput, da CF é de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, sendo portanto Lei Federal.
Paradoxalmente, afirmam
alguns que exigência de idade mínima e tempo de experiência ferem o princípio
da igualdade, mas não dizem o mesmo no tocante ao diploma. Todos podem alcançar
a idade e a experiência profissional, mas nem todos podem adquirir um diploma,
pois custa muito caro. Inclusive, o conhecimento supostamente obtido no diploma
será aferido nas provas, mas o de experiência de vida e profissional não.
Então é avaliado duas vezes o
conhecimento técnico, e abandona-se a sabedoria popular, fruto da vivência.
Pode-se até dizer que um jovem tenha mais maturidade do que um idoso, mas isto
não é a regra. Não podemos trabalhar com as exceções, caso contrário nem
podemos sair de casa, pois é possível cair um raio, um meteoro e outras coisas
não comuns. Inclusive exige-se idade para todos os
cargos políticos e também em tribunais.
Portanto, devem
os concursos jurídicos absterem-se de exigir o diploma de bacharel em
Direito, em especial para cargos de natureza de agente político como o de juiz
e promotor ou pelo menos adequar o programa do concurso à Portaria 1886/94.
Revista Consultor Jurídico, 8 de setembro de 2002