Fernando Machado da Silva Lima
26.08.2000
Da mesma forma como a Receita Federal costuma negar ao contribuinte
em débito o direito de inscrição no CGC, tentando indiretamente obrigá-lo a
pagar o tributo devido, ou o tributo que a Receita unilateralmente entende ser
devido, também o Detran e a CTBel não permitem o licenciamento anual do
veículo, enquanto não forem pagas as multas pendentes.
Essas exigências são, no
entanto, descabidas, configurando abuso de autoridade e permitindo ao contribuinte
ou ao proprietário do veículo a impetração de mandado de segurança, para
obrigar a autoridade coatora a respeitar seu direito líquido e certo. No caso
do plaqueamento do veículo, têm sido concedidas em Belém inúmeras liminares,
para que ele possa ser feito sem a exigência do prévio pagamento dessas multas.
A única hipótese em que
poderia ser exigido esse pagamento prévio, como condição indispensável ao
plaqueamento do veículo, seria aquela em que o proprietário do veículo já
tivesse sido notificado e já tivesse exercido o seu direito de defesa, ou
tivesse deixado transcorrer o prazo para a impugnação do Auto de Infração. Em
suma, seria necessário que já existisse uma decisão definitiva, no âmbito
administrativo, porque se a multa tiver sido impugnada, e ainda estiver sendo
aguardada uma decisão, certamente o proprietário do veículo não poderá ser
obrigado a pagá-la, como condição prévia para o plaqueamento. A jurisprudência
é pacífica a respeito, de modo que o órgão de trânsito não pode utilizar a
negativa do plaqueamento como forma oblíqua de obrigar o interessado ao
pagamento das multas.
Mas além dessa ilegalidade, que costuma
ser praticada pela CTBel e pelo Detran, existe ainda a relacionada com as
autuações efetuadas através dos fotosensores eletrônicos, vulgarmente
conhecidos como araras. Na realidade, toda e qualquer autuação efetuada pelas
araras é ilegal e enseja, igualmente, a impetração de mandado de segurança,
sendo normal a concessão da medida liminar.
O
motivo é que a utilização das araras, instaladas sem a devida sinalização, como
forma de efetivar a autuação em decorrência do avanço de sinal, e sem terem
sido regulamentadas pelo CONTRAN, conforme exigido pelo art. 280 do Código de
Trânsito Brasileiro, fere diversos princípios de nosso ordenamento jurídico,
tais como o da publicidade dos atos administrativos e o da legalidade.
O princípio da publicidade
significa que o poder público deve sempre agir com a maior transparência
possível, para que os seus atos sejam válidos. Afinal de contas, na hipótese, o
motorista deve ser informado a respeito da existência das “araras”, porque sem
essa publicidade, indispensável, esses aparelhos seriam transformados em
vulgares “fábricas de multas”. A utilização desses mecanismos de forma dissimulada,
sem a indispensável publicidade, sem a afixação das placas destinadas a
orientar e a educar o motorista, os transforma inapelavelmente em simples
armadilhas ilegais, incapazes de gerar autos de infração válidos.
Quanto ao princípio da
legalidade, consagrado na Constituição Federal, é um princípio fundamental do
Estado democrático, regido pelas leis, e não pela vontade arbitrária dos
governantes. De acordo com esse princípio, ninguém será obrigado a fazer ou a
deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Somente a lei pode nos
obrigar. O contribuinte somente poderá ser obrigado a pagar um tributo, se esse
tributo tiver sido criado através de lei.
Em decorrência, o motorista somente poderá ser obrigado a pagar uma
multa, ou a sofrer a correspondente pontuação negativa, se a autuação for
efetuada corretamente, de acordo com os princípios legais. E isso não ocorre em
relação às “araras”, que não foram regulamentadas pelo CONTRAN, conforme
exigido pelo art. 280 do Código de Trânsito, e também porque existe uma notória
deficiência da sinalização indicativa desses equipamentos e das próprias faixas
de segurança, que freqüentemente estão apagadas, ou são duplas, sem que o
motorista possa saber qual a verdadeira.
Deve ser ressaltado,
ainda, que o princípio da legalidade apresenta dois aspectos, um positivo e
outro negativo, porque enquanto o particular, o contribuinte, ou o motorista,
para que possa fazer alguma coisa, basta que a lei não o proíba, para a
administração, ou para o agente de trânsito, é necessário que exista a expressa
previsão legal.
A autoridade somente pode
fazer aquilo que a lei autoriza, porque não teria cabimento, claro, que o
administrador pudesse cobrar, por exemplo, todos os tributos que a lei não
proibisse, expressamente, ou que resolvesse multar de acordo com os seus
próprios critérios.
Seria o fim do mundo, porque se tantos abusos já são cometidos apesar
da existência do rígido princípio da reserva legal, sem ele a autoridade
estaria completamente livre, e não haveria qualquer limitação para o seu poder.
Da mesma forma, a ausência da
regulamentação exigida em relação aos fotosensores eletrônicos impede que as
autoridades validamente utilizem essa forma de autuação das infrações de
trânsito, permitindo, conseqüentememente, a impetração dos mandados de
segurança, e a imediata concessão das liminares, conforme vem ocorrendo de
forma reiterada em Belém.
Não há dúvida, portanto, de que são ilegais as multas decorrentes de infrações fotografadas pelas “araras”, assim como é ilegal a exigência do prévio pagamento de toda e qualquer multa, como condição para que seja efetuado o plaqueamento do veículo.
e.mail: profpito@yahoo.com