A INCONSTITUCIONALIDADE DO EXAME DE ORDEM
José de Freitas
Guimarães
SUMÁRIO: 1. DOS PRINCÍPIOS, OBJETIVOS, DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS; 2. DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL; 3. DA EXIGÊNCIA DO EXAME DE
ORDEM: INCONSTITUCIONALIDADES E ILEGALIDADE; 4. ANTEPROJETO DE LEI; 5. JUSTIFICAÇÃO DO
ANTE-PROJETO.
Tenho, em meu
modesto conhecimento, que a Lei da Advocacia, como hoje está lançada, é
inconstitucional, por infringir os arts. 1º, II, III
e IV, 3º, I, II, III e IV, 5º, II, XIII, 84, IV, 205, 207, e 214, IV e V, todos
da Carta Magna. Também viola disposições contidas na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, em especial as constantes dos arts. 43, II e 48, ambos da Lei Federal nº 9394, de 20 de dezembro
de 1996.
Visando fundamentar
minhas afirmações a respeito de cada instituto constitucional e legal acima
mencionado, articuladamente, comento a seguir:
1. DOS PRINCÍPIOS, OBJETIVOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
A República Federativa
do Brasil, em 1988, promulgou novos mandamentos constitucionais visando:
“...instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias...”
O preâmbulo da
Carta Magna já é indicativo de que o Estado Brasileiro busca a valoração do
homem (ser humano), de sorte a que este, na condição de sujeito titular de
direitos e obrigações, em consonância com o Estado Democrático de Direito e com
o ordenamento jurídico pátrio, tenha assegurado o exercício de seus direitos
sociais e individuais.
Nesse contexto,
nossa Carta Maior estabelece as diretrizes que devem orientar a sociedade brasileira
como um todo, em especial quem, em nome do povo, exerce o Poder e que é
responsável pela criação, modificação e/ou revogação
de normas jurídicas, de sorte a que quaisquer limitações de direitos só poderão
ser estabelecidas se assegurarem o exercício de direitos individuais e sociais
que considerem a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.
Destaco que as
diretrizes acima reproduzidas não são mero apanhado de palavras, justamente
porque a razão de ser do Estado Brasileiro é o bem comum de seus cidadãos.
No tocante aos
princípios fundamentais, a República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito, e tem como fundamentos a cidadania, a dignidade
da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV, da
CF).
No âmbito dos
objetivos fundamentais, a República Federativa do Brasil deve construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o
desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, e reduzindo
as desigualdades sociais e regionais, como forma de promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, I, II, III e IV, da CF).
Os princípios e os
objetivos fundamentais acima mencionados são norteadores de um Estado
Democrático que tem, na pessoa do ser humano, o seu bem maior, titular efetivo
e primordial das ações de Estado.
Feitas estas
considerações, comento algumas afrontas a garantias constitucionais e legais,
com relação ao exame de ordem.
2. DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
Segundo a Lei
Federal nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da
advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em seu art. 8º, “para inscrição
como advogado é necessário:
II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido
em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada
(grifo nosso);
IV – aprovação em exame de ordem (grifo nosso);
§ 1º - O exame de ordem é regulamentado em provimento do Conselho
Federal da OAB.” (grifo nosso).
Comentarei a
previsão legal apenas em relação aos incisos II e IV e frente à disciplina do
parágrafo único do mencionado art. 8º, notadamente porque o referido exame é
apresentado como requisito, condição, exigência que é feita para o exercício da
advocacia.
Para inscrição como
advogado, é necessário diploma ou certidão de graduação em direito, obtido
em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada. (inciso II,
art. 8º, da Lei Federal nº 8906/94).
A exigência acima
reproduzida decorre de ser fato que, para o exercício da advocacia, é imperativo
que o titular de direitos e obrigações tenha sido graduado em Instituição de
Ensino Superior em Direito, sem o que não estará qualificado adequadamente para
esta atividade. Alcançada esta qualificação, terá o cidadão o título de
Bacharel em Direito, no instante em que colar seu grau.
A respeito de
qualificação profissional, entendo que o Bacharel em Direito que colou grau, atendeu
as previsões legais com relação ao inciso II, do art. 8º do Estatuto da
Advocacia, de sorte que, quanto a esse tópico, foram preenchidos os requisitos
legais.
Exclusivamente
quanto à mencionada previsão legal – graduação em direito, é minha opinião que
o Estatuto da Advocacia se encontra em conformidade com a exigência do inciso
XIII do art. 5º da Constituição Federal, que permite o livre exercício de
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que
a lei estabelecer.
Pois bem, a qualificação
profissional exigida pelo Diploma Legal Estatuto da Advocacia é específica,
única, singular, peculiar e exclusiva: para inscrição como advogado é
necessário graduação em direito, em instituição de ensino oficialmente
autorizada e credenciada.
Nota-se,
tranqüilamente, que apenas Instituições Superiores de Ensino, autorizadas,
credenciadas e fiscalizadas pelo Poder Público – Ministério da Educação,
são as responsáveis pela qualificação profissional do Bacharel em Direito,
ninguém mais.
A respeito dessa
situação, cabe reproduzir o quanto a Lei Federal nº 9394/96 – Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDBN, estabelece com relação à finalidade da
Educação Superior:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade (grifo nosso):
II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos
para a inserção em setores profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
Nem poderia ser
diferente esta situação, na medida em que a “educação abrange os processos
formativos que são desenvolvidos em benefício da vida familiar, da convivência
humana, do trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa” (art. 1º, da Lei
Federal nº 9394/96).
Assim, o processo educacional formativo, que é desenvolvido por
Instituições de Ensino Superior em Direito, é responsável pela
qualificação profissional do Bacharel nessa ciência humana, de sorte que o
Poder Público que credenciou, autorizou e fiscaliza as ações dessa instituição,
no caso o Ministério da Educação, com fulcro na LDBN, entendeu que naquele
estabelecimento há condições para que um cidadão seja qualificado
profissionalmente para o exercício da profissão da Advocacia, cuja prova de
formação é feita, em âmbito nacional, com a apresentação de diploma de curso
superior devidamente registrado, em conformidade com seu art. 48, § 1º (parte
final).
3.
DA EXIGÊNCIA DO EXAME DE ORDEM: INCONSTITUCIONALIDADES E ILEGALIDADE.
Conforme acima
mencionado, o Bacharel em Direito foi devidamente qualificado profissionalmente
por uma Instituição de Ensino Superior, estando apto a ser inserido no mercado
de trabalho da Advocacia. Apesar disso, o art. 8º do Estatuto da Advocacia, em
seu inciso IV, determina ser necessário, para inscrição como advogado, ter este
sido aprovado em exame de ordem.
Ao exigir do
Bacharel em Direito que seja submetido a exame de suficiência (de ordem), o
legislador infraconstitucional, do chamado Estatuto da Advocacia, deveria
atentar que vivemos num Estado Democrático de Direito, onde o respeito à
cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho (art.
1º, II, III, IV, da CF) são fundamentos que disciplinam, delimitam e imperam
perante as ações públicas.
A base da sociedade
humana é identificada pelo exercício de atividades profissionais, entenda-se -
trabalho, para satisfação das necessidades de cada cidadão enquanto ser humano,
assentando primeiro e, principalmente, na utilidade que este promove para
alguém, para um grupo de indivíduos e, finalmente, para a sociedade a que este
cidadão pertence.
As limitações
impostas para que um cidadão possa trabalhar deverão estar amparadas pelo valor
que esta ação produz como efeito social, de sorte a que eventuais condições que
limitem o seu exercício não devem impedir, efetivamente, a sua execução, sem
que motivos relevantes, essenciais e imprescindíveis, sejam considerados e/ou observados, em total respeito à cidadania, a dignidade
da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho.
Não havendo relevância,
não sendo essencial, e nem mesmo imprescindível, para a sociedade brasileira, o
estabelecimento de condições para que qualquer atividade profissional seja
exercida, teremos ofendidos os objetivos fundamentais da República,
concernentes à construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, que permita erradicar a pobreza
e a marginalização, reduzindo desigualdades sociais e regionais, e que promova
o bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação (art. 3º,
I, II, III, IV, da CF).
Como a delimitação normativa de direitos e obrigações não pode ficar
adstrita a questões exclusivamente técnicas, já que o Direito é fruto de
princípios norteadores das ações políticas e sociais de um Estado Democrático
de Direito – e que demandam até mesmo séculos para que a evolução humana tenha
sua consolidação, decorrente da busca pelo bem comum - o princípio da reserva legal baliza a
atuação do Estado frente à necessidade de previsão normativa anterior que
discipline as condutas a serem imprimidas por uma sociedade.
Assim, para que
este Estado tenha preenchidas as condições necessárias
a que as garantias constitucionais sejam efetivamente respeitadas, mister que
somente a lei possa determinar que alguma coisa poderá ser feita ou mesmo deixar
de ser feita (art. 5º, II, CF).
Do estabelecimento
deste princípio constitucional, como garantia que todo cidadão brasileiro tem,
cinge-se o entendimento racional, in casu, de que a norma que delimitar condições, para o
exercício profissional, deve conter necessárias explicações (conceituações),
quanto a estas ou à razão de ser destas, sob pena de não a considerarmos como
relevante, essencial ou imprescindível à sociedade brasileira.
Como o exame de
ordem está lançado como requisito (condição) para inscrição nos quadros da OAB, impõe-se que este, por ser restritivo ao exercício
profissional, tenha sua conceituação definida, o que não é identificado no
inciso IV, do art. 8º da Lei nº 8.906/93.
Ausentes tais
explicações, tem-se, in casu, o estabelecimento de condições que não justificam
a sua razão de ser, fato que demonstra a inadequação entre a finalidade
pretendida pela norma e a característica essencial que faz com que esta mesma
norma seja considerada jurídica, e não qualquer outra.
Segundo
ensinamentos do Filósofo, Pensador e Cientista Político italiano Norberto Bobbio, “a análise do conceito de direito ou de obrigação
deve partir da própria norma”.
Uma previsão legal,
para que possa criar, restringir, extinguir ou modificar
direitos, deve conter uma conceituação que permita inferir o que
efetivamente é previsto nesta, de sorte que sejam identificados, por qualquer
profissional do direito, de forma objetiva, os seus fundamentos doutrinários.
Referidos elementos devem estar lançados na própria norma, com absoluto
respeito ao sistema normativo como um todo e não apenas à norma, assim
considerada isoladamente, sob pena de permitirem-se interpretações com os mais
variados matizes, o que redundaria em abusos arbitrários, culminando com a
criação de conflitos decorrentes da legislação incompleta.
Aqui, necessário
mencionar que é insofismável a inexistência de identificação entre o que vem a
ser a condição “exame de ordem” com o ordenamento jurídico
pátrio, constitucional e infraconstitucional, mas, apenas, uma
simples menção de que, para a inscrição como advogado, é necessária a aprovação
neste exame.
Desta constatação,
tem-se que o requisito imposto pela Lei Federal nº 8.906/94 não é condicionante
essencial, relevante e imprescindível, para limitar ou condicionar o exercício
da advocacia, para quem já está devidamente qualificado profissionalmente,
concluindo-se, assim, pela impossibilidade de ser atribuída uma juridicidade à
referida norma, através de sua análise isolada, eis que os critérios
delimitadores, que devem ser encontrados na estrutura da mesma, não tomaram por
base o sistema normativo constitucional e/ou legal,
em que esta se deverá inserir.
Temos, portanto,
inviável a identificação de critérios adequados para entronizar a condição
“exame de ordem” no Ordenamento Jurídico Pátrio, ante a ausência de essência
distintiva que dê qualidade imperativa a essa determinação, como norma
jurídica, restando indevido condicionar o exercício profissional do Bacharel em
Direito, que tendo colado grau, atendeu à qualificação estabelecida em Lei
(art. 43, II, Lei Federal nº 9394/96), para o livre exercício do trabalho, do
ofício, da profissão (art. 5º, XIII, CF) da advocacia, independentemente de
outras condições que limitem, cerceiem ou mesmo vedem a sua atuação e que não
justifiquem a razão de ser destas.
Feitas estas
colocações, reproduzo posicionamentos que alguns árduos defensores do exame de
ordem fazem. Pela leitura de seus posicionamentos, verifica-se que falta substância
a tais argumentos.
O diretor-geral da
Escola Superior de Advocacia da OAB/RS e
presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem, Sr. Alexandre Wurderlich, que é responsável pela aplicação dos exames de
suficiência a inúmeros Bacharéis em Direito, no Rio Grande do Sul, em artigo
publicado no dia 10/03/2005 perante a página da Internet:
http://www.espacovital.com.br/artigoalexandre1003.htm, entende que:
“O Exame de Ordem visa, assim, identificar se o bacharel reúne as
condições necessárias para o início do exercício da advocacia: leitura,
compreensão e elaboração de textos e documentos, interpretação e aplicação do
direito na resolução de casos concretos, pesquisa sob forma de manuseio de
legislação, jurisprudência, doutrina e outras fontes, correta utilização da
linguagem – com clareza, precisão e propriedade -, fluência verbal e escrita,
utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão
críticas, etc.”
Mais adiante, este
senhor completou seu entendimento:
“O
Exame de Ordem busca verificar, então, a capacidade profissional para o início
do exercício da advocacia, desde os aspectos teóricos até a praxis forense, daqueles que
findam a formação no ensino universitário.” (grifos
nossos).
Aliás, essas
palavras possuem o mesmo entendimento do Prof. José Cretella
Neto (filho do eminente jurista), perante a página na internet
http://www.examedaordem.com.br - (apesar do ato
falho, a página mencionada é do exame "da" ordem mesmo, já que
somente a esta atende). A diferença é que o jurista mencionado acaba por ser
mais evidente:
“O atual Exame de Ordem, regulamentado pelo Provimento nº 81, de
16.04.1996, foi instituído com o objetivo de selecionar profissionais
qualificados para exercer a advocacia com proficiência, em prol da sociedade. A
significativa valoração do direito e da função do advogado ocorrem em devido ao
fato de que este é o profissional ao qual as pessoas recorrem para assegurar a
proteção e a realização de seus direitos, bem como exigi-los (grifos
nossos)”.
Não entendendo como
a valoração do Direito “ocorre em devido” (apenas para tecer comentários
sobre língua portuguesa), questionei o Professor Cretella
que, analisando o Exame de Ordem, assim afirmou:
“A Constituição Federal de 1988 eleva a profissão de advogado,
estabelecendo que: "o advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei" (art. 133).
Para que tais fins sejam plenamente atingidos, é necessário que seja
feita uma seleção rigorosa entre os formandos das faculdades de direito, para
permitir que somente profissionais capacitados passem a fazer parte do quadro
de inscritos na OAB. Existem mais de 500 faculdades de direito no brasil (segundo dados atuais da OAB/SP,
hoje são 886). Será que todas têm boas bibliotecas, adotam boa metodologia de
ensino e preparam adequadamente os alunos para os exames da OAB, para o provão
do MEC e, especialmente, para a vida profissional?”
Mediante nova troca
de correspondência com o Professor Cretella, este
afirmou:
“há anos a OAB luta para poder exercer veto, que impeça o
credenciamento de novos cursos sem bibliotecas, com quadro docente de baixo
nível, com superlotação de classes, etc. No entanto, o parecer da OAB tem
caráter meramente "consultivo" e o MEC não abre mão de sua
prerrogativa. Você pode responder porque será que o MEC autoriza novos cursos?
Será que a pressão econômica (para falar de uma forma sutil) não é mais forte?”
“Temos
200.000 advogados militando em SP. Não há mercado para todos e, por isso, vem
ocorrendo, há duas décadas, uma enorme guerra de honorários, já que advogados
cobram preços vis por seus serviços. Como ganham mal, não têm dinheiro para
comprar livros, estudar, e se atualizar. Quem ganha com isso?”
“Também
não gosto de limitar o acesso de pessoas ao mercado, pois sou totalmente a
favor da livre concorrência - verifique em meus livros de doutrina (arbitragem,
omc, etc, publicados pela ed. Forense) e você
encontrará minhas posições nesse sentido.”
Ao ler as palavras
do Professor Cretella e mesmo as do Sr. Wunderlich, tenho plena
consciência de que os Bacharéis em Direito efetivamente não ganham e não
ganharão nada com isso, mas certamente os advogados atualmente inscritos nos
quadros da OAB ganham e ganharão uma menor concorrência, ante o veto que já é
promovido pela entidade de classe.
Trata-se, para
falar de forma sutil, de uma forte pressão econômica, pretendida pelos atuais
inscritos na OAB, para que o mercado de trabalho não seja ainda mais
compartilhado. A questão também é de interesse direto de cursinhos preparatórios
para as carreiras jurídicas.
Várias têm sido as
declarações dadas pelo Presidente da OAB/SP, Sr. Luiz
Flávio Borges d’Urso, em especial lançando críticas sobre a abertura
indiscriminada de novos cursos de direito e a qualidade com que a qualificação
profissional é promovida:
"há pessoas que chegam à prova e não
sabem conjugar verbos ou colocar as palavras no plural" (Folha de São
Paulo – 23.06.05).
Registra-se, por
oportuno, que este mesmo advogado declarou que seria reprovado, se fosse
submetido ao atual exame de ordem, justificando tal insucesso pelo fato de ter
se especializado na área criminal, não tendo maiores condições de responder aos
questionamentos de outras áreas, fato este extremamente curioso, eis que
quantas surpresas teríamos se os atuais profissionais do direito, inscritos na
OAB, também fossem submetidos a novos exames.
Frente à apresentação
de um projeto de lei, que altera a forma de inscrição do Bacharel em Direito
perante a OAB, de autoria do Dep. Federal Lino Rossi, o Sr.
D’Urso, entendendo que a proposta coloca em risco o atual sistema de avaliação
para ingresso na Advocacia, assim se posicionou:
“O PL altera o Estatuto da Advocacia e da OAB, autorizando o bacharel
em Direito a se inscrever nos quadros da Ordem sem prestar o Exame, o que traz
sério comprometimento à Advocacia, em termos técnicos e éticos, uma vez que sem
o Exame de Ordem não se poderá mensurar a qualificação do bacharel para exercer
a profissão. É uma proteção à profissão e aos interesses do cidadão, pois o
desempenho do profissional despreparado pode trazer prejuízos ao jurisdicionado
e à imagem da Advocacia.”
Apesar do Sr. D’Urso afirmar que o desempenho de um profissional
despreparado pode trazer prejuízos ao jurisdicionado, é interessante verificar
que o Presidente da OAB/SP teve um Mandado de
Segurança indeferido por inépcia, vale dizer, por incapacidade. Assim,
considerando as palavras de seu colega gaúcho, se “o Exame de Ordem busca
verificar, então, a capacidade profissional para o início do exercício da
advocacia”, poder-se-ia dizer que o Sr. D’Urso teve um
desempenho de profissional despreparado.
A respeito desse
fato, o Exmº Sr. Juiz Jorge
Antônio Maurique, Presidente da AJUFE, assim se
manifestou:
“Quando
a gente vê um mandado de segurança ser indeferido por inépcia,
a gente se pergunta se o Presidente da OAB paulista passaria no exame de
ordem”.
Assim, temos que o
Bacharel em Direito deverá ser aprovado num exame realizado pela entidade de
classe dos advogados, a quem incumbe fomentar a atividade da advocacia, como
forma de garantir a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho
do advogado. Todavia, ao ser aprovado neste exame e permitido seu exercício
profissional na advocacia, a OAB irá admitir que os novos profissionais do
direito compartilhem esse mercado com outros milhares de colegas. Tal situação
é no mínimo muito curiosa, em razão das palavras do Prof.
José Cretella Neto, com relação ao número de
advogados paulistas: 200 mil para uma população de 40 milhões, o que
correspondente a 1 advogado para cada 200 habitantes, demonstrando assim a
reserva de mercado que é feita com o exame de ordem.
Certamente as
justificativas quanto à necessidade do exame de ordem devem considerar que em
2003 foram graduados 64.413 novos Bacharéis em Direito, alguns qualificados por
instituições sérias, e outros, por aulas virtuais. Assim, se a OAB não consegue
exercer seu interesse em vetar novos cursos, faz seu veto via exame de ordem.
Interessante notar
que a conduta da OAB é escancarada por nossos colegas portugueses.
O presidente da
Ordem dos Advogados de Portugal, Bastonário Rogério
Alves, participando de um Congresso Internacional de Direito, realizado em Mar
Del Plata, noticiou a intenção da entidade portuguesa
em endurecer no exame final dos candidatos à obtenção do registro profissional
de advogado:
“De cada 100 candidatos a ingressar na profissão em Portugal,
atualmente, cerca de 90 são aprovados, fato que tem inflacionado o mercado de
trabalho e gerado mais advogados do que vagas de
trabalho. Por isso, a entidade está desenvolvendo o projeto de "endurecer
o exame para aferir com mais precisão a qualidade técnico-profissional dos
candidatos advogados".
Lendo as palavras
de nossos irmãos lusitanos, podemos até interpretar que esta seria uma piada de
português, dada a franqueza que tal declaração possui, servindo de elemento
probatório dos excessos praticados.
Voltando
ao Brasil, continua o Sr. D’Urso:
“Hoje são 886 cursos de direito que proliferam em todos os rincões
nacionais, muitos sem quaisquer condições de funcionamento. Barrar esse
crescimento desprovido de qualidade tornou-se um dos pontos centrais da agenda
política da OAB-SP, nesta administração e defende a necessidade do Exame”.
Mas, cadê a
autorização legal para “barrar” esse crescimento?
Como mencionei
anteriormente, o Direito é fundado em princípios, não em questões técnicas,
justamente para que não ocorram arbítrios indevidos, todavia, “há anos a OAB
luta para poder exercer veto, que impeça o credenciamento de novos cursos sem
bibliotecas, com quadro docente de baixo nível, com superlotação de classes,
etc. No entanto, o parecer da OAB tem caráter meramente
"consultivo" e o MEC não abre mão de sua prerrogativa.
É exatamente esta a
questão. A OAB, visando garantir o mercado de trabalho a seus atuais inscritos,
quer exercer seu poder de veto, usurpando a prerrogativa do Ministério da
Educação.
Como não consegue
alterar o quadro presente, utiliza o exame de ordem como forma de manter o
mercado de trabalho, sem que novos profissionais compartilhem a clientela já
escassa, alegando baixos níveis de qualidade das Instituições de Ensino,
deficiências do aluno com relação ao ensino fundamental, ausência de
Biblioteca, entre outras.
É curiosa a
declaração da Presidente da Comissão de Estágio e Ensino Jurídico da OAB/SP, Sra. Ivette
Senise Ferreira:
“O
desempenho sofrível mostra como são deficientes e frágeis a
maioria das instituições de ensino jurídico e não o sistema de aferição.
Os resultados indicam a necessidade urgentíssima de reforma da estrutura de
ensino e da grade curricular desses cursos no escalonamento das prioridades da
entidade.”
Ora, Srs. Juristas,
enquanto a OAB continuar agindo dessa forma, buscando usurpar atividade do
Estado para fins de promover reserva de mercado, terá ferido seu status de instituição que afirma
defender a Constituição Federal, a Ordem Jurídica de um Estado Democrático de
Direito, a Justiça Social, a boa aplicação das Leis, a rápida administração da
Justiça e o aperfeiçoamento da Cultura e das Instituições Jurídicas. Isso é uma
vergonha.
Some-se a esta
situação o fato de que a Lei da Advocacia ainda peca por outras
inconstitucionalidades, não menos absurdas:
Como mencionado
acima, o Estatuto da Advocacia, em seu art. 8º, IV, estipula que para inscrição
como advogado é necessária aprovação em exame de ordem, chamando a atenção o §
1º deste mesmo artigo:
§
1º. O Exame "da" Ordem é regulamentado em provimento do
Conselho Federal da OAB (grifo nosso).
Aqui devemos
registrar, novamente, o ato falho que maculou os esforços do legislador
infraconstitucional.
Segundo
entendimento do Des. Renan Lotufo
(que já chamou de “porcarias” os Bacharéis em Direito que não logram aprovação
no exame de ordem), o exame de ordem é um nome próprio, e deveria ser grafado
com letras maiúsculas. Desta forma, teríamos escrito “Exame de Ordem”.
Mas é isso o que
realmente está escrito no § 1º do art. 8º?
Afirmo que não.
Em verdade, lá está
grafado “Exame da Ordem”, o que faz identificar a exclusividade que o
legislador infraconstitucional (segundo consta, este teria sido um advogado,
ex-presidente do Conselho Federal da OAB) emprestou ao termo desprovido de
conceituação, mas que entendeu adequado estipular ser um exame “da” Ordem.
Referido registro é
feito apenas para caracterizar a idéia de propriedade da profissão que alguns
integrantes dessa entidade têm.
Continuando.
Se o inciso IV do
art. 8º não conceitua o que é um exame de ordem, possivelmente a regulamentação
determinada pelo § 1º do art. 8º do Estatuto da Advocacia poderia fazê-lo,
ainda mais em se considerando que, mediante provimento do Conselho Federal da
OAB, referido exame será regulamentado, certo?
Errado.
O exame de ordem
ainda carece de conceituação técnico-jurídica constitucional ou legal, todavia,
deve ser indagado:
Como pode uma
entidade de classe, como é a OAB, regulamentar dispositivo de Lei se, à luz do
inciso IV, do art. 84 da Constituição Federal, referido procedimento é de
competência privativa do Presidente da República, sequer comportando delegação?
Já li algumas
opiniões, no sentido de que o parágrafo único do art. 22 permite delegação de
competência, no caso de ser esta privativa.
Afirmo, porém, que
tal fundamentação não se sustenta, na medida em que a delegação de competência
prevista no parágrafo único do art. 22 da Constituição Federal refere-se à
edição de lei complementar, e mesmo assim, especificamente sobre os tópicos
previstos nos diversos incisos desse mesmo artigo.
Deve ainda ser
salientado que tal delegação autoriza os Estados, Pessoas Jurídicas de Direito
Público Interno, a legislarem sobre questões específicas das matérias
relacionadas no art. 22 da Lei Maior.
Não consta que a
autarquia especial OAB, em qualquer esfera de sua atuação como entidade de
classe, mesmo que usurpe funções do Estado, seja um Estado da Federação.
Desta forma, tal
fundamentação deve ser rejeitada, não apenas pela absurda, indevida e inadequada pretensão legislativa, que se apresenta como
corporativa, mas, até mesmo, pelo fato de que esta busca interpretar, de forma
extensiva, a Constituição Federal, emprestando a possibilidade da delegação de
competência para Estados da Federação em casos específicos previstos no art.
22, para que uma entidade de classe possa regulamentar leis.
Tal fundamentação
pretende que a OAB possua delegação da competência privativa do Presidente da
República para regulamentar leis (art. 84, IV, CF/88, fato esse que permitiria a aplicação do Provimento
nº 81/96. [1]
Os atos de
competência privativa do Presidente da República estão previstos no art. 84 da
Constituição Federal.
Dentre estes,
listamos alguns:
IV
- sancionar, promulgar e fazer publicar aas leis, bem como expedir decretos e
regulamentos para sua fiel execução (competência que se pretende delegável à
OAB);
VI
- dispor, mediante decreto, sobre:
a)
organização e funcionamento da
administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou
extinção de órgãos públicos;
b)
extinção de funções ou
cargos públicos, quando vagos;
XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário,
dos órgãos instituídos em lei;
XXV - prover e
extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;
Todavia, será que
os 27 incisos do art. 84 seriam delegáveis em razão da competência ser
privativa?
Afirmamos categoricamente:
NÃO, NÃO E NÃO!!!
Quando tais
competências poderão ser delegadas, o parágrafo único do art. 84 expressamente
assim o declara:
“Parágrafo
único - O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos
Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da
União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.”
Sendo expressamente
declarado quais atos privativos poderão ser delegados
(não significando dizer que serão), não resta dúvidas que os demais não poderão
sequer ser delegados, de sorte que quaisquer disposições neste sentido são
descabidas, abusivas, usurpadoras e flagrantemente inconstitucionais.
Mas ainda: se
ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de LEI,
como pode um ato administrativo editado por entidade de classe via pretensa e
descabida delegação da competência privativa do Presidente da República para regulamentar leis, condicionar o exercício profissional de
quem está apto a ser inserido no mercado de trabalho, se sua qualificação
profissional foi obtida em instituição de ensino superior em Direito e se não
será objeto de delegação a legislação sobre cidadania, direitos individuais,
políticos e eleitorais (cf. art. 68, § 1º, II, CF/88?
Cabe registrar,
também, que o Congresso Nacional deverá sustar os atos normativos do Poder
Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação
legislativa.
No caso da Lei 8.906/94,
tanto o poder regulamentar como a delegação legislativa foram
exorbitados.
Cabe ainda
registrar que o regulamento feito pela OAB é um provimento, vale dizer, um ato
administrativo, emanado de uma autarquia, que não tem o condão de criar,
modificar, extinguir ou restringir direitos, porque afronta o inciso II, do
art. 5º da Lei Maior, que é claro ao garantir que
“ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão por força de
lei”.
Deve ser salientado
que, segundo art. 205 da Constituição Federal:
“A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”.
Já,
segundo o art. 2º da LDBN:
“A
educação é um dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
Nota-se que
referidas disposições têm poucas diferenças, mas, basicamente, a mesma
substância.
Através da
educação, será promovido o preparo para o exercício da cidadania e a
qualificação para o trabalho, inerentes ao ser humano, como forma de exercer os
direitos sociais e individuais.
Alguns dos
fundamentos acima mencionados podem ser identificados nas justificativas do PL
5801/2005, de autoria do Deputado Max Rosenmann, que
entende cabível a extinção total do exame de ordem.
Confesso que tal
posicionamento é interessante, já que acaba com essa conduta corporativa da
OAB. Todavia, o seu efeito prático, frente a algumas instituições de ensino
superior, que se encontram funcionando até mesmo sem que seu registro já tenha
sido expedido pelo Ministério da Educação, poderá ser desastroso.
Possivelmente um
meio termo deva ser considerado, de sorte a que, mesmo após a qualificação
profissional promovida por instituições de ensino superior, o Bacharel em
Direito ainda tem várias deficiências de ordem prática, o que poderia ser
objeto de um período de maturação desse profissional, até que possa ser
considerado advogado, mas não como exige a OAB, com suas taxas de inscrição que
amealham milhões de reais por ano.
Entendo que
referida maturação deverá ser objeto de aferição sim, mediante realização, pelo
Bacharel em Direito, de atos práticos de advocacia, supervisionados e
certificados pelas diversas unidades jurídicas, públicas, privadas e perante o
Poder Judiciário.
É um tanto difícil
estimar qual prazo deverá ser estipulado, todavia, quero crer que no período de
02 (dois) anos esse objetivo possa ser alcançado.
Para tanto,
apresento uma minuta de projeto de lei que, não impedindo a inserção no mercado
profissional, exige uma demonstração de atuações jurídicas devidamente
certificadas.
Assim, encerro
minhas palavras pedindo que os defensores do exame de ordem tentem contestar,
juridicamente, os meus argumentos, indicando, também, qual a
conceituação técnico-jurídica, constitucional e legal do exame de ordem.
Não é mais possível que eles se limitem a alegar que a proliferação de cursos
jurídicos de baixa qualidade obriga a Ordem dos Advogados a aplicar o Exame de
Ordem, para proteger a sociedade contra os maus profissionais.
Saudações jurídicas.
José de Freitas Guimarães
4. ANTEPROJETO DE
LEI.
PROJETO DE LEI Nº , DE 2005
(Do Sr. Deputado)
Altera o inciso IV e o § 1º da Lei Federal nº 8.906, de 04 de julho de
1994 e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º. O inciso IV do art. 8º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de
1994, passa a vigorar com a seguinte redação:
“IV – comprovação de ter o Bacharel em Direito realizado Estágio
Prático de Capacitação Profissional de Advocacia de dois anos perante órgão jurídico
da administração pública direta ou indireta de qualquer dos poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ou perante Associações
Jurídicas Privadas, desde que credenciadas pela OAB”;
Art. 2º. O § 1º do art. 8º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994,
passa a vigorar com a seguinte redação:
“§ 1º - O Estágio Prático de Capacitação Profissional de Advocacia de que
trata o inciso IV deste artigo será comprovado mediante certidão que demonstre
a realização supervisionada de no mínimo cinco atividades mensais privativas de
advocacia, previstas no art. 1º desta Lei, totalizando um mínimo de cento e
vinte atuações, sendo 20% destas com participação em audiências judiciais de
instrução”.
Art. 3º. Ficam incluídas as alíneas “a”, “b”, “c” e “d” ao § 1º do art.
8º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que terão as seguintes redações:
“a – a certidão de comprovação de Estágio
Prático de Capacitação Profissional de Advocacia, realizado perante as
entidades públicas mencionadas no inciso IV deste artigo, será expedida pelo
seu respectivo titular, indicando as atividades desenvolvidas sob supervisão
deste”;
“b – a seccional da OAB poderá diligenciar aos órgãos públicos
mencionados na alínea anterior, para fins de ser constatada a prática das
atividades de advocacia realizadas”;
“c – a certidão de
comprovação de Estágio Prático de Capacitação Profissional de Advocacia,
realizado perante as entidades privadas mencionadas no inciso IV deste artigo,
será expedida por qualquer autoridade judicial da comarca onde estiver a
respectiva sede profissional credenciada pela OAB, indicando números de
processos, datas e atividades correspondentes ao inciso I do art. 1º desta Lei,
desenvolvidas pelo Bacharel em Direito, em conjunto com o advogado e sob
supervisão deste”;
“d – o prazo para comprovação do mínimo de atuações previsto no inciso
IV deste artigo poderá ser prorrogado por mais doze meses, mediante
requerimento do Bacharel em Direito”.
Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
5. JUSTIFICAÇÃO DO ANTE-PROJETO.
1. O Exame de
Ordem, como hoje previsto, é inconstitucional, por infringir os arts. 1º, II, III e IV, 3º, I, II, III e IV, 5º, II, XIII,
84, IV, 170, 193, 205, 207, e 214, IV e V, todos da Carta Magna; conflita com o
disposto no art. 44, I da própria Lei da Advocacia; e, também viola disposições
contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em especial, as constantes
do arts. 1º, 2º, 43, I e II, e, 48, ambos da Lei
Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
A República Federativa do Brasil, em 1988, promulgou novos mandamentos
constitucionais visando:
“...instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade E a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias...
(grifo nosso)”
O preâmbulo constitucional já é indicativo de que o Estado Brasileiro
busca a valoração do homem (ser humano), de sorte a que este, na condição de
sujeito titular de direitos e obrigações, em consonância com o Estado
Democrático de Direito e com o ordenamento jurídico pátrio, tenha assegurado o
exercício de seus direitos sociais e individuais.
Nesse contexto, nossa Carta Maior estabelece as diretrizes que devem
orientar a sociedade brasileira como um todo, em especial, aquela que, em nome
do povo, exerce o Poder e que é responsável pela criação, modificação e/ou revogação de normas jurídicas, de sorte a que
quaisquer limitações de direitos só poderão ser estabelecidas se assegurarem o
exercício de direitos individuais e sociais que considerem a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social.
No tocante aos princípios fundamentais, a República Federativa do
Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constituindo-se como Estado Democrático de Direito, e tem como
fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho (art. 1º, II, III e IV, da CF).
Como a base da sociedade humana é identificada pelo exercício de
atividades profissionais, entenda-se - trabalho, para a satisfação das
necessidades de cada cidadão enquanto ser humano, assentando primeiro e,
principalmente, na utilidade que este promove para o homem, para alguém, para
um grupo de indivíduos e, finalmente, para a sociedade a que este cidadão
pertence.
As limitações impostas para que um cidadão possa trabalhar deverão
estar amparadas pelo valor que esta ação produz como efeito social, de sorte a
que eventuais condições a seu exercício não devem impedir efetivamente sua
execução sem que motivos relevantes, essenciais e imprescindíveis sejam
considerados e observados, em total respeito à cidadania, à dignidade da pessoa
humana e aos valores sociais do trabalho.
Não havendo relevância, não sendo essencial nem mesmo imprescindível
para a sociedade brasileira o estabelecimento de condições para que qualquer
atividade profissional seja exercida, teremos ofendidos os objetivos
fundamentais da República, concernentes à construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, que
permita erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo desigualdades
sociais e regionais, e promova o bem de todos sem preconceitos ou quaisquer
formas de discriminação (art. 3º, I, II, III, IV, da CF).
Como a delimitação normativa de direitos e obrigações
não pode ficar adstrita a questões exclusivamente técnicas, já que o
Direito é fruto de princípios norteadores das ações políticas e sociais de um
Estado Democrático de Direito – e que demandam até mesmo séculos para que a
evolução humana tenha sua consolidação cristalizada em busca do bem comum
- o princípio da reserva legal baliza a
atuação do Estado, frente à necessidade de previsão normativa anterior, que
discipline as condutas a serem imprimidas por uma sociedade.
Assim, para que este Estado tenha preenchidas
as condições necessárias a que as garantias constitucionais sejam efetivamente
respeitadas, mister que somente a lei possa determinar que alguma coisa poderá
ser feita ou mesmo deixar de ser feita (art. 5º, II, CF).
Do estabelecimento deste princípio constitucional, como garantia que
todo cidadão brasileiro tem, cinge-se o entendimento racional, in casu, de que
a norma que delimitar condições para o exercício profissional, editada à luz do
art. 22, XVI da CF/88, deve conter necessárias
explicações (conceituações) quanto a estas ou à razão de ser destas, sob pena
de não a considerarmos como relevante, essencial ou imprescindível à sociedade
brasileira.
Como o exame de ordem está lançado como requisito (condição) para
inscrição nos quadros da OAB, impõe-se que este, por
ser restritivo ao exercício profissional, tenha sua conceituação definida, o
que não é identificado no inciso IV, do art. 8º da Lei nº 8.906/93.
Ausentes tais explicações, teremos, in
casu, o estabelecimento de condições que não
justificam a sua razão de ser, fato que demonstra a inadequação entre a
finalidade pretendida pela norma e a característica essencial que faz com que
esta mesma norma seja considerada jurídica, e não qualquer outra.
Segundo nos ensina o Filósofo, Pensador e Cientista Político italiano
Norberto Bobbio, “a análise do conceito de direito ou
de obrigação deve partir da própria norma”.
Estes ensinamentos indicam que uma previsão legal deve ser comprovada
através da apreciação de diversos critérios adotados pelos teóricos
(doutrinadores), que encontram, identificados na própria norma jurídica,
elementos que claramente dizem respeito ao sistema como um todo e não a esta,
assim considerada isoladamente.
Aqui devemos mencionar que é insofismável a inexistência de
identificação entre o que vem a ser a condição “exame de ordem” com o ordenamento jurídico pátrio, constitucional e infraconstitucional,
mas, apenas, uma simples menção de que para inscrição como advogado é
necessária a aprovação neste exame. Desta constatação, temos que o requisito
imposto pela Lei Federal nº 8.906/94 não é condicionante essencial, relevante e
imprescindível para limitar ou condicionar o exercício da advocacia para quem
já está devidamente qualificado, concluindo-se, assim, pela impossibilidade de
ser identificada a juridicidade da referida norma através de sua análise
isolada, eis que os critérios delimitadores só poderão ser encontrados na
estrutura da mesma, sem tomar como base o sistema constitucional e/ou legal em que esta está inserida.
Temos, portanto, inviável a identificação de critérios adequados para
entronizar a condição “exame de ordem” no Ordenamento Jurídico Pátrio ante a
ausência de essência distintiva que dê qualidade imperativa a essa determinação,
como norma jurídica, restando indevido condicionar o exercício profissional do
Bacharel em Direito, que tendo colado grau, atendeu a qualificação estabelecida
em Lei (art. 43, II, Lei Federal nº 9394/96) para o livre exercício do
trabalho, do ofício, da profissão (art. 5º, XIII, CF/88)
da advocacia, independentemente de outras condições que limitem, cerceiem ou
mesmo vedem sua atuação e que não justifiquem a razão de ser destas.
2. Além do mais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394/96), traz em seu bojo o verdadeiro sentido do que vem a ser “qualificação
profissional” e de que forma ela se adquire:
Art. 2° A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania “e sua qualificação para o trabalho”.
Sendo a qualificação profissional cabedal de conhecimentos ou atributos
que habilitam alguém ao desempenho de uma função, é notório que tais
conhecimentos são hauridos única e exclusivamente através da formação
acadêmica. Somente a universidade é detentora exclusiva de tal função,
cabendo-lhe a função de qualificar seu corpo discente.
Com o advento da Lei n° 9.394/96, norma de
caráter geral, que preenche a exigência contida no art. 5°, XIII, lei essa
posterior ao Estatuto da OAB - Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994, se afigura
patente a inconstitucionalidade do art. 8°, IV.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional contém normas de
caráter geral aplicáveis a todas as categorias profissionais, sem exceção,
vindo a regular a qualificação profissional referida no art. 5°, XIII.
Pelo art. 44, caput, da Lei 8.904/96, é a OAB – serviço
público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa - e não uma
instituição de ensino, que elabora o chamado exame de ordem.
Dispõe o art. 2º da Lei 9.394/96, semelhantemente ao art. 205 da CF:
“Art. 2° A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Reza o art. 205 da Constituição:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.”
O art. 1º da Lei nº 9.394/96 estabelece:
“Art. 1° A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
nas manifestações culturais.
§ 1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à
prática social.”
O art. 43 da LDBN dispõe mais:
“Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito
científico e do pensamento reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos
para a inserção em setores profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;” (grifo nosso)
Com estas considerações, temos que sendo a formação acadêmica que
qualifica, não constitui a OAB instituição de nível superior, mas entidade
disciplinadora do exercício profissional da advocacia, donde se conclui que a
ausência de conceituação sobre o vem a ser o exame de ordem é uma restrição sem
relevância, essencialidade ou imprescindibilidade que empresta ao requisito
caráter de reserva injusta, indevida, abusiva, desproporcional e mesmo
ditatorial.
O art. 48 da LDBN acrescenta:
“Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando
registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu
titular.”
É o diploma de curso superior o instrumento hábil de comprovação de que
o bacharel está habilitado para o exercício da profissão.
3. Observando-se que a finalidade primordial da educação é “formar
diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em
setores profissionais”, temos que a inserção em setores profissionais somente
poderá ser condicionada, desde que presentes e absolutamente necessários
requisitos relevantes, essenciais e imprescindíveis ao exercício profissional
e, mesmo assim, desde que não impeçam, degradem ou de qualquer forma
inviabilizem esta atividade.
Registre-se que as condições para o exercício de profissões não se
confundem com a qualificação profissional, de que trata o inciso XIII do art.
5º da CF/88, já que esta decorre do desenvolvimento
de atividades vinculadas ao art. 205 da CF/88, e no
diploma legal pertinente à educação (Lei 9.394, de 20.12.96), o qual
estabelece, entre outras disposições, a educação como fator único e
preponderante na formação e qualificação profissional dos educandos.
Mais uma vez expressa o legislador que a educação visa ao pleno
desenvolvimento do educando e mostra-a como meio único e insubstituível na
qualificação para o trabalho.
Exatamente em razão dessa distinção, o art. 22, XVI, da Lei Maior prescreve:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o
exercício de profissões;”
Como é cediço, a qualificação profissional do Bacharel em Direito
decorre da transferência de conhecimentos científicos e teóricos, promovida
pelo Corpo Docente da Instituição de Ensino Superior em que este foi graduado,
após cinco anos de estudos jurídicos.
Se presentes os conhecimentos científicos e teóricos, o mesmo não
poderá ser dito em relação ao conhecimento prático da sistemática de tramitação
de feitos judiciais e/ou administrativos, situação
que nem mesmo o estágio curricular ministrado pela Instituição de Ensino
Superior de Direito alcança.
Desse fato, constata-se que os Bacharéis em Direito possuem
qualificação profissional, eis que receberam o embasamento teórico
correspondente ao grau, todavia, sem o conhecimento prático necessário ao
exercício da advocacia em âmbitos judicial ou administrativo.
Cabe registrar que a prática judicial é apenas uma das atividades
passíveis de desempenho na área da advocacia, não sendo, todavia, a única, mas,
certamente, a que maior contextualização pode apresentar no cenário jurídico.
Além de ações judiciais, a atuação jurídica compreende manifestações
jurídicas de caráter consultivo, em procedimentos administrativos, em
assembléias, conciliações e mediações judiciais e até mesmo arbitragens, o que
demonstra ser uma restrição excessiva ao exercício profissional de atos de
advocacia em feitos administrativos.
4. Pergunta-se: e o poder fiscalizador da OAB, consubstanciado no
Estatuto da Advocacia e da OAB e no Código de Ética, não seria mais eficaz no
combate aos maus profissionais do que ao realizar um exame restritivo para
ingresso na instituição?
A Lei Magna em vigor, estabelece, ainda:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os
seguintes princípios:
...................................................................................”
“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como
objetivo o bem-estar e a justiça social.”
Concluindo: o trabalho é direito fundamental, alçado a essa categoria
pela própria Lei das Leis.
Fica claro, portanto, que qualquer ato impeditivo ao livre exercício da
atividade laboral importa em afronta a princípios
basilares da Constituição.
Não se entende por que a OAB, que, segundo o disposto no art. 44, I, da
Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), tem por finalidade defender a
Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos
humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, insiste na tese
inconstitucional de que é parte legítima para referendar a capacidade
profissional dos bacharéis em Direito.
5. O fato do bacharel em direito ficar impossibilitado de exercer a sua
profissão, sem que se submeta a exigência manifestamente inconstitucional, o
deixa impedido de exercer a advocacia, causando sérios danos de difícil
reparação à sua pessoa.
Essas as razões justificadoras do presente projeto de lei.
Sala das Sessões, em de
de 2005.
Deputado