A FIXAÇÃO DOS SUBSÍDIOS
Fernando
Machado da Silva Lima
O
Liberal, 04.12.1978
Notícia veiculada no jornal
“O Liberal” do dia 30 de novembro próximo passado, sob o título “Governador e
Vice têm novos rendimentos aprovados na AL”, divulgou os projetos de decretos
legislativos destinados a fixar os subsídios do Governador e do Vice-Governador
do Estado do Pará, no período de 15 de março de 1.979 a 15 de março de 1.983,
bem como os dos deputados estaduais, para a legislatura a iniciar-se em 1o.
de fevereiro de 1.979.
De ambos os projetos,
contudo, constam disposições destinadas a permitir o reajuste dos subsídios e
da verba de representação do Governador e do Vice-Governador do Estado, bem
assim o dos subsídios e da ajuda de custo dos membros da Assembléia Legislativa
do Estado do Pará, “a partir, inclusive,
de 1.980, nas mesmas épocas e segundo
as mesmas bases estabelecidas para o vencimento dos funcionários federais”.
É evidente a inconstitucionalidade das
mencionadas disposições e a oportunidade desta sucinta abordagem do tema,
destinada a obviar os lamentáveis equívocos que poderão resultar da aprovação,
pela Assembléia Legislativa do Estado, dos referidos projetos, nos termos em
que foram divulgados.
Dispõe o art. 33 da vigente Constituição Federal:
“Art. 33- O Subsídio, dividido em parte fixa e parte variável, e a
ajuda de custo dos deputados e senadores serão iguais e estabelecidos no fim de cada legislatura para
a subseqüente.
§1o.- Por ajuda de custo entender-se-á a compensação de
despesas com transporte e outras imprescindíveis para o comparecimento à sessão
legislativa ordinária ou à sessão legislativa extraordinária convocada na forma
do §1o. do art. 29.
§2o.- O pagamento da ajuda de custo será feito em duas
parcelas, somente podendo o congressista receber a segunda se houver comparecido a dois terços da sessão
legislativa ordinária ou da sessão legislativa extraordinária.
§3o.- O pagamento da parte variável do subsídio
corresponderá ao comparecimento efetivo do congressista e à participação nas
votações.
§4o.- Serão remuneradas, até o máximo de oito por mês, as
sessões extraordinárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; pelo
comparecimento a essas sessões e às do Congresso Nacional será paga remuneração
não excedente, por sessão, a um trinta avos da parte variável do subsídio
mensal”.
Da leitura dos dispositivos suso
transcritos, ressalta evidente a intenção do legislador constituinte, ao fixar
esses princípios tradicionais e basilares na organização constitucional do
Estado Democrático: expungir do mandato legislativo qualquer conotação de
sinecura política e garantir a independência do órgão legiferante, que não pode
ficar à mercê das autorizações executivas, para o reajuste dos subsídios dos
seus membros.
A fixação desses subsídios é
feita, entre nós, tradicionalmente, por meio do decreto legislativo, que é o
instrumento formalizador da competência
exclusiva do Congresso Nacional, ou
seja, independe da sanção presidencial a aprovação de um projeto de decreto
legislativo. A “mens legis” pode ser
facilmente identificada: para determinadas matérias, tratando-se da competência
inspectiva ou fiscalizadora do Congresso Nacional, permite a Constituição
Federal que o mesmo legisle através de decretos legislativos, instrumento que
lhe confere total autonomia para essa fiscalização e lhe garante completa
independência, mormente em relação ao Poder Executivo.
Evidentemente, o Poder que
dispusesse do controle da bolsa dos parlamentares teria também o controle do
Poder Legislativo e é essa a razão da norma constante do art. 44 da
Constituição Federal:
“Art. 44- É da competência exclusiva do
Congresso Nacional:
...............
VII- fixar, para viger na legislatura seguinte,
a ajuda de custo dos membros do Congresso Nacional, assim como os subsídios
destes, os do Presidente e os do Vice-Presidente da República”;....
Observe-se
aqui, mais uma vez, a exemplo do disposto no artigo 33 da Constituição Federal,
que os subsídios serão estabelecidos no fim de cada legislatura, para a
legislatura subseqüente e deverão ser pagos aos membros do Congresso Nacional
durante os quatro anos dessa legislatura, cuja duração coincide, aliás, com a
dos mandatos dos deputados federais.
No tocante aos
Estados-membros da Federação Brasileira e às normas que deverão ser aplicadas
no que pertine à fixação dos subsídios dos membros das Assembléias
Legislativas, devemos observar, inicialmente, que esses Estados-membros são
autônomos, o que significa que dispõem de auto-organização, auto-governo e
auto-administração, obrigados, porém, a respeitar determinados princípios
constantes da Constituição Federal (art. 13 e art. 10, VII), que constituem o
Eixo da Federação Brasileira, ou o Mínimo
Federativo Brasileiro, na feliz denominação de nosso Catedrático de Direito
Constitucional, Dr. Orlando Bitar.
Assim, dispõe o art. 13 de
nossa Constituição Federal que:
“Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes: ...................
VI- a proibição de pagar, a qualquer título, a
deputados estaduais, mais de dois terços dos subsídios e da ajuda de custo
atribuídos em lei aos deputados federais, bem como de remunerar mais de oito
sessões extraordinárias mensais”...
Coerente com as normas já referidas, consagradas no
Estatuto da Federação, dispõe nossa Constituição Estadual de 1.967 (Emenda
Constitucional nº 1, de 29.10.69):
“Art. 48- O subsídio, dividido em parte fixa e parte variável, e a ajuda de custo dos deputados serão estabelecidos no fim de cada legislatura para a subseqüente.
§1o.- Os deputados não poderão perceber subsídios
superiores a dois terços, quer em relação ao valor da parte fixa, como ao da
parte variável, dos que são atribuídos aos deputados federais, nem ajuda de
custo excedente a esse limite”.
§2o.-.....
(Os parágrafos seguintes
reproduzem, quase literalmente, as normas da Constituição Federal).
Também à semelhança do
disposto na Constituição Federal (art. 44, VII, citado, competência exclusiva
do Congresso Nacional, decreto legislativo), estabelece nossa Constituição
Estadual, em seu art. 56, a competência exclusiva da Assembléia Legislativa
para “fixar, para vigorar na legislatura seguinte, a ajuda de
custo de seus membros, assim também os subsídios destes, os do Governador e os do Vice-Governador”.
(inciso VIII)
É clara a intenção do legislador
constituinte de evitar a legislação em causa própria, estabelecendo que tanto a
ajuda de custo como o subsídio deverão ser fixados no fim de cada legislatura,
para vigorarem durante toda a seguinte. É evidente, também, como já observamos,
que o fato de serem fixados pelo próprio Poder Legislativo constitui uma
garantia de independência para esse Poder.
Leciona Manoel Gonçalves
Ferreira Filho (Curso de Direito Constitucional, 6a.
edição, pág.173):
“Entre as vantagens a que fazem jus os parlamentares, merecem particular menção os subsídios e a ajuda de custo.
Os subsídios são a remuneração que os mesmos percebem pelo
desempenho da função. Não falta quem se insurja contra essa remuneração, ou
contra o seu montante considerado excessivo. Todavia, há que se sublinhar dois
aspectos: um, o de que essa remuneração atende a um imperativo democrático,
pois sem ela a representação ficaria nas mãos dos ricos; outro, o de que essa remuneração deve pôr
quem a recebe fora do alcance das tentações. Os gratuitos, observava
Talleyrand, muita vez custam caro...
Esse subsídio divide-se em duas partes: uma fixa e outra variável, esta em proporção ao comparecimento às sessões.
A ajuda de custo é uma verba destinada a cobrir despesas indispensáveis ao exercício do mandato, que refogem aos gastos normais de manutenção do parlamentar e sua família, como as relativas à mudança para a sede do legislativo, etc.
Tanto a ajuda de custo como o subsídio são
fixados no fim de cada legislatura para vigorarem durante toda a seguinte (art.
33). Tal disposição visa a impedir a legislação em causa própria”.
Entendemos, portanto,
s.m.j., que o art. 3o. do projeto de decreto legislativo que fixa os
subsídios dos membros do Poder Legislativo do Estado do Pará, para a próxima
legislatura, é inconstitucional, em face do disposto no art. 33, “caput”,
da Constituição Federal, que exige a fixação do subsídio e da ajuda de custo no
fim de cada legislatura, para vigorarem durante a subseqüente.
Assim, e embora esses
valores sejam reajustados por ato da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa,
conforme dispõe o referido artigo, ocorre evidente conflito com a letra e com o
espírito da Constituição Federal.
e.mail: profpito@yahoo.com