ADIN – LEGITIMIDADE DA CÂMARA

 Fernando Machado da Silva Lima

  03.03.2000

 

 

       O ilustre Desembargador Relator da ADIN da Câmara Municipal equivocou-se, “data maxima venia”, ao negar a legitimidade da Mesa Diretora da Câmara Municipal, por entender que o órgão que elaborou a lei não pode alegar sua inconstitucionalidade.

 

Esse erro decorreu diretamente dos termos da petição inicial da OAB, na qual a Câmara foi indicada como demandada. Por essa razão, se estava sendo acusada de ter aprovado as alíquotas progressivas, de acordo com o ilustre Relator, não poderia agora ter legitimidade para ajuizar a ação direta. O Pleno do TJE, como seria normal, acatou o parecer do Relator, concretizando a injurídica decisão.

 

       Peço vênia para tentar demonstrar juridicamente minhas razões, apesar da dificuldade encontrada, na pesquisa doutrinária e jurisprudencial. Na realidade, são raros os casos em que as Mesas dos órgãos legislativos ajuizam ações diretas, porque em geral as Câmaras, as Assembléias e o próprio Congresso têm demonstrado, cada vez mais, sua vocação para se transformarem em apêndices dos Executivos, que exorbitam de suas atribuições, e concentram todos os poderes.

 

       A Constituição Federal atribui competência para a propositura da ADIN perante o STF, para o exame da regularidade de lei federal ou estadual, em face da Constituição Federal, às Mesas do Senado (art. 103, II), da Câmara (art. 103, III) e das Assembléias Legislativas (art. 103, IV).

 

A Constituição do Estado do Pará atribui competência para a propositura da ADIN perante o TJE, para o exame da regularidade de lei estadual ou municipal em face da Constituição Estadual, às Mesas da Assembléia Legislativa (art. 162, II) e das Câmaras Municipais (art. 162, VI).

 

       Existem vários argumentos favoráveis à minha tese. Em primeiro lugar, podemos dizer que o fato de que a Câmara Municipal, por maioria relativa de votos, isto é, por mais da metade do número de vereadores presentes à sessão, tenha aprovado as alíquotas progressivas, não retira da Mesa Diretora da Câmara a legitimidade que decorre da norma constitucional acima referida. Aliás, a atual Câmara nem ao menos criou as alíquotas progressivas, porque essa inconstitucionalidade já maculava as leis anteriores. Na verdade, a Câmara não pode ser confundida com sua Mesa Diretora. Por essa razão, equivocou-se o TJE.

 

       Ademais, parece lógico que, sendo todas as leis municipais elaboradas pela Câmara e sancionadas pelo Prefeito, e se a Constituição atribui à Mesa da Câmara a legitimidade para a propositura da ADIN, não seria possível negar-lhe legitimidade, com base nessas alegações, que não resistem a um exame jurídico mais detalhado.

 

       Caberiam também algumas dúvidas. Ocorrendo, por exemplo, a incompatibilidade (inconstitucionalidade superveniente, decorrente de reforma constitucional), nesse caso, não caberia o ajuizamento da ação direta, segundo jurisprudência do Excelso Pretório. Mas no caso de mudança da jurisprudência, o fato de que a lei tenha sido feita pela Câmara, poderia impedí-la de argüir sua inconstitucionalidade? Não estaria sendo esquecido o valor jurídico maior, exatamente o de evitar que prevaleça uma lei inconstitucional?

 

       Não foi possível encontrar jurisprudência específica sobre a questão, talvez porque nunca tenha sido suscitada, tal o absurdo da proposição. Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal, na ADIMC –612/RJ, demonstra que o Excelso Pretório não aceitaria a interpretação de nossa Corte de Justiça.

 

       Essa Ação Direta foi ajuizada perante o STF pela Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, argüindo a inconstitucionalidade do § 1o do art. 34 da Lei Estadual 1.848/91. O Pleno conheceu e indeferiu a concessão da liminar (Julgamento em 21.11.91, sendo Relator o Ministro Celso de Mello -DJ 26.03.93, pp.05002, ement. Vol. 01697-02, pp. 00298):

 

EmentaAÇÃO DIRETA DE  INCONSTITUCIONALIDADE   -  LEI ESTADUAL/RJ  N.  1848/91   (ART.  34, PAR 1.)  -  PROPOSTA ORCAMENTÁRIA  - AUTORIZAÇÃO PARA  A SUA EXECUÇÃO PROVISÓRIA EM CASO DE NÃO APROVAÇÃO DO PROJETO ATÉ O TÉRMINO DA SESSÃO LEGISLATIVA - INSUBSISTÊNCIA, NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL VIGENTE,  DA APROVAÇÃO FICTA DAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS - DISCIPLINA  LEGISLATIVA DO  ORÇAMENTO (CF,  ART. 166, PAR. 7. C/C  ART. 64)  -  INOCORRÊNCIA CUMULATIVA  DOS PRESSUPOSTOS PARA  A CONCESSÃO  DA MEDIDA  LIMINAR -  SUSPENSÃO CAUTELAR INDEFERIDA.  A concessão de  medida   cautelar,  em  sede  de controle   normativo  abstrato, pressupõe   a  necessária ocorrência  dos  requisitos  concernentes  ao  "fumus  boni juris" e ao "periculum in mora". Por mais relevante  que  seja  a  plausibilidade jurídica  do tema  versado na  ação  direta, a  sua isolada configuração  não  basta   para  justificar   a suspensão provisória  de  eficácia  do   ato  estatal  impugnado,  se inocorrente  o "periculum  in mora"  ou,  quando  menos, a conveniência da medida cautelar postulada.

 

       É evidente, assim, que o Supremo reconheceu a legitimidade da Assembléia Legislativa, que elaborou a lei estadual, para a propositura da Ação Direta, e examinou o pedido, embora tenha indeferido a concessão da liminar.

 

       Esperemos que, no exame das outras ADIN, o TJE consiga examinar as questões jurídicas da inconstitucionalidade da TLP e das alíquotas progressivas do IPTU e do fumus boni juris, que justifica a concessão da liminar, para expurgar da ordem jurídica a legislação inconstitucional. Não pode produzir efeitos a lei inconstitucional, nem pode o contribuinte ser obrigado a pagar um tributo indevido, sob a alegação de que é necessário proteger o interesse público, porque é evidente que não existe qualquer interesse que se possa sobrepor ao necessário respeito à Constituição.

 

       A manutenção desse impasse, na verdade, é que será extremamente prejudicial, tanto à Prefeitura, quanto ao contribuinte. À primeira, porque certamente sofreu uma brutal redução na sua arrecadação tributária, que somente poderá ser normalizada após a decisão definitiva, e a cobrança dos valores corretos do IPTU. Ao contribuinte, porque ficará sujeito às execuções fiscais, especialmente agora, que a Secretária de Finanças já afirmou que a única maneira de acabar com a inadimplência é através da criação de mais duas varas da fazenda pública.

 

Somente os muito ricos e os muito pobres escaparão. Os ricos, porque poderão pagar advogados, como já vem acontecendo, e a Justiça tem decidido sempre a favor do contribuinte. Os pobres, porque estão isentos, mesmo porque não seria possível a Prefeitura cobrar IPTU de um imóvel no valor de R$8 mil, por exemplo, porque não compensaria a despesa. Mas a classe média, A, B, C ou D, essa vai sofrer execuções fiscais, e não terá como se defender da ganância tributária.      

 

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