03.03.2000
O ilustre Desembargador
Relator da ADIN da Câmara Municipal equivocou-se, “data maxima venia”, ao negar a legitimidade da Mesa Diretora da
Câmara Municipal, por entender que o órgão que elaborou a lei não pode alegar
sua inconstitucionalidade.
Esse erro decorreu diretamente dos termos da petição inicial da OAB,
na qual a Câmara foi indicada como demandada. Por essa razão, se estava sendo
acusada de ter aprovado as alíquotas progressivas, de acordo com o ilustre
Relator, não poderia agora ter legitimidade para ajuizar a ação direta. O Pleno
do TJE, como seria normal, acatou o parecer do Relator, concretizando a
injurídica decisão.
Peço vênia para tentar
demonstrar juridicamente minhas razões, apesar da dificuldade encontrada, na
pesquisa doutrinária e jurisprudencial. Na realidade, são raros os casos em que
as Mesas dos órgãos legislativos ajuizam ações diretas, porque em geral as
Câmaras, as Assembléias e o próprio Congresso têm demonstrado, cada vez mais,
sua vocação para se transformarem em apêndices dos Executivos, que exorbitam de
suas atribuições, e concentram todos os poderes.
A Constituição Federal
atribui competência para a propositura da ADIN perante o STF, para o exame da
regularidade de lei federal ou estadual, em face da Constituição Federal, às
Mesas do Senado (art. 103, II), da Câmara (art. 103, III) e das Assembléias
Legislativas (art. 103, IV).
A Constituição do Estado do Pará atribui competência para a propositura
da ADIN perante o TJE, para o exame da regularidade de lei estadual ou
municipal em face da Constituição Estadual, às Mesas da Assembléia Legislativa
(art. 162, II) e das Câmaras Municipais (art. 162, VI).
Existem vários argumentos
favoráveis à minha tese. Em primeiro lugar, podemos dizer que o fato de que a
Câmara Municipal, por maioria relativa de votos, isto é, por mais da metade do
número de vereadores presentes à sessão, tenha aprovado as alíquotas
progressivas, não retira da Mesa Diretora da Câmara a legitimidade que decorre
da norma constitucional acima referida. Aliás, a atual Câmara nem ao menos
criou as alíquotas progressivas, porque essa inconstitucionalidade já maculava
as leis anteriores. Na verdade, a Câmara não pode ser confundida com sua Mesa
Diretora. Por essa razão, equivocou-se o TJE.
Ademais, parece lógico
que, sendo todas as leis municipais elaboradas pela Câmara e sancionadas pelo
Prefeito, e se a Constituição atribui à Mesa da Câmara a legitimidade para a
propositura da ADIN, não seria possível negar-lhe legitimidade, com base nessas
alegações, que não resistem a um exame jurídico mais detalhado.
Caberiam também algumas
dúvidas. Ocorrendo, por exemplo, a incompatibilidade (inconstitucionalidade
superveniente, decorrente de reforma constitucional), nesse caso, não caberia o
ajuizamento da ação direta, segundo jurisprudência do Excelso Pretório. Mas no
caso de mudança da jurisprudência, o fato de que a lei tenha sido feita pela
Câmara, poderia impedí-la de argüir sua inconstitucionalidade? Não estaria
sendo esquecido o valor jurídico maior, exatamente o de evitar que prevaleça
uma lei inconstitucional?
Não foi possível encontrar jurisprudência
específica sobre a questão, talvez porque nunca tenha sido suscitada, tal o
absurdo da proposição. Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal, na ADIMC
–612/RJ, demonstra que o Excelso Pretório não aceitaria a interpretação de
nossa Corte de Justiça.
Essa Ação Direta foi
ajuizada perante o STF pela Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro, argüindo a inconstitucionalidade do § 1o do art.
34 da Lei Estadual 1.848/91. O Pleno conheceu e indeferiu a concessão da
liminar (Julgamento em 21.11.91, sendo Relator o Ministro Celso de Mello -DJ
26.03.93, pp.05002, ement. Vol. 01697-02, pp. 00298):
Ementa – AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE -
LEI ESTADUAL/RJ N. 1848/91
(ART. 34, PAR 1.) -
PROPOSTA ORCAMENTÁRIA -
AUTORIZAÇÃO PARA A SUA EXECUÇÃO
PROVISÓRIA EM CASO DE NÃO APROVAÇÃO DO PROJETO ATÉ O TÉRMINO DA SESSÃO
LEGISLATIVA - INSUBSISTÊNCIA, NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL VIGENTE, DA APROVAÇÃO FICTA DAS PROPOSIÇÕES
LEGISLATIVAS - DISCIPLINA LEGISLATIVA
DO ORÇAMENTO (CF, ART. 166, PAR. 7. C/C ART. 64)
- INOCORRÊNCIA CUMULATIVA DOS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO
DA MEDIDA LIMINAR - SUSPENSÃO
CAUTELAR INDEFERIDA. A concessão
de medida cautelar, em sede
de controle normativo abstrato, pressupõe a
necessária ocorrência dos requisitos
concernentes ao "fumus
boni juris" e ao "periculum in mora". Por mais
relevante que seja a plausibilidade jurídica do tema
versado na ação direta, a
sua isolada configuração
não basta para
justificar a suspensão provisória de
eficácia do ato
estatal impugnado, se inocorrente o "periculum in
mora" ou, quando
menos, a conveniência da medida cautelar postulada.
É evidente, assim, que o
Supremo reconheceu a legitimidade da Assembléia Legislativa, que elaborou a lei
estadual, para a propositura da Ação Direta, e examinou o pedido, embora tenha
indeferido a concessão da liminar.
Esperemos
que, no exame das outras ADIN, o TJE consiga examinar as questões jurídicas da
inconstitucionalidade da TLP e das alíquotas progressivas do IPTU e do fumus boni juris, que justifica a
concessão da liminar, para expurgar da ordem jurídica a legislação
inconstitucional. Não pode produzir efeitos a lei inconstitucional, nem
pode o contribuinte ser obrigado a pagar um tributo indevido, sob a alegação de
que é necessário proteger o interesse público, porque é evidente que não existe
qualquer interesse que se possa sobrepor ao necessário respeito à Constituição.
A manutenção desse impasse, na verdade, é que será extremamente prejudicial, tanto à Prefeitura, quanto ao contribuinte. À primeira, porque certamente sofreu uma brutal redução na sua arrecadação tributária, que somente poderá ser normalizada após a decisão definitiva, e a cobrança dos valores corretos do IPTU. Ao contribuinte, porque ficará sujeito às execuções fiscais, especialmente agora, que a Secretária de Finanças já afirmou que a única maneira de acabar com a inadimplência é através da criação de mais duas varas da fazenda pública.
Somente os muito ricos e os muito pobres escaparão. Os ricos, porque poderão pagar advogados, como já vem acontecendo, e a Justiça tem decidido sempre a favor do contribuinte. Os pobres, porque estão isentos, mesmo porque não seria possível a Prefeitura cobrar IPTU de um imóvel no valor de R$8 mil, por exemplo, porque não compensaria a despesa. Mas a classe média, A, B, C ou D, essa vai sofrer execuções fiscais, e não terá como se defender da ganância tributária.
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