ABEDI: Pressupostos para uma
eficácia ética das Diretrizes
Professor
Edmundo Lima de Arruda Junior
presidente honorário do Cesusc
Síntese da palestra apresentada no IV Encontro
Brasileiro de Ensino do Direito, promovido pela Associação Brasileira de Ensino
do Direito (ABEDI), na cidade de Salvador, na Bahia, entre os dias 20 e 22 de
abril de 2006.
1. Breve introdução ao campo problemático
Este ensaio foi produzido para um debate em tempo de
transição na Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDI), com o
encerramento da gestão Horácio Wanderlei Rodrigues e o início da gestão Daniel
Cerqueira. São ‘reflexões-angústias” de um companheiro de lutas, fragmentos,
menos técnicos e mais conceituais, menos operacionais e mais abstratos,
marcados pelo limite da inegável autocrítica possível, num tempo de mudanças
que nos interpelam a mudar, pois nada menos dialético que se cristalizar em
dogmas, erguidos muitas vezes enquanto “princípios” e justificados, sempre, e
em última instância, como meios e erros que se justificam em face dos fins (os
mais heróicos) e à conjuntura de forças e nos limites das frações do Estado
conquistadas, e outros cacoetes e chavões stalinistas conhecidos e felizmente
explicitados naquilo que podemos falar em atualização do marxismo vulgar, ou
“dirceurização” do padrão ético de governabilidade no país. Mas as mudanças
devem sempre estar sob o crivo do pensamento crítico, sopesando o que é parte
do avanço e ou parte do reforço de profundas estruturas tradicionais arraigadas
na nossa cultura, política e jurídica.
A referência conceitual de escola e educação não parte
nem de Durkheim nem do seu contrário, Althusser. Nem a escola é uma agência
benéfica de socialização e integração para uma pressuposta sociedade de mercado
capitalista, nem se reduz a um maléfico aparelho ideológico de Estado, vale
dizer, lugar de qualificação/alienação da força de trabalho reproduzindo as
condições de produção social. Com Gramsci, consideramos também a escola e a
educação como instituição e processo cultural que perpassam a sociedade civil
reproduzindo a ideologia dominante, mas colocando possibilidades de negá-la e
superá-la. O embasamento teórico aprofundado para as teses de fundo podem ser
encontrados nos livros Fundamentação Ética e Hermenêutica; alternativas para
o Direito. Cesusc. Fpolis, 2002 em parceria com Marcus Fabiano Gonçalves e
no meu último livro Direito Alternativo e Contingência Histórica. Lumens
Iuris (prelo).
Minha contribuição situa-se como síntese de três
experiências aparentemente distantes entre elas: a de professor universitário
(do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina) há 26
anos; a de consultor educacional há mais de dez anos e a de mantenedor do
ensino particular há sete anos. Ser professor da uma universidade federal e ter
participado de dezenas de avaliações pelo MEC conferem uma marca, a de fixação
de parâmetros mais universais à questão do terceiro grau em tempos de
incremento da oferta de instituições e vagas no país, mas também carrega os
vícios corporativos tanto do sindicalismo, quanto do patrimonialismo presentes
na cultura política das esquerdas. O consultor experimenta o outro lado
do mesmo processo, na esfera privada, de produção de projetos e assessoria na
implementação dos mesmos, sob o ponto de vista dos interesses particulares
e/locais. Já o mantenedor é o responsável pelo empreendimento específico
autorizado pelo Estado embora sujeito a fortes condicionantes do mercado. Essas
três experiências, não obstante seus lugares e tempos distintos em princípio e
num primeiro olhar aparentemente marcado por conflitos inconciliáveis, permitem
ao menos uma identidade, a costurar, além de maniqueísmos e corporativismos de
todas as cores, o quadro geral de visibilidade para uma nova cultura no Direito
em todos os espaços os mais transparentes, vale dizer, regido por critérios de
publicidade universal. Do meu ponto de vista o valioso trabalho da ABEDI tem se
dispersado em filigranas técnicas, que são importantes, sem sombra de dúvidas,
se não descoladas de outras reflexões de fundo, com conseqüências sobre suas
escolhas (seu público) e suas ações (em termos da luta mais ampla por uma nova
cultura no Direito), que pressupõe a primazia do abstrato, do conceitual, para
mergulhos mais profundos em práticas superativas de uma dada racionalidade
jurídica (ainda fortemente pré-moderna) e a afirmação de outra modernidade
jurídica no Brasil.
2. Dois pressupostos
1º Pressuposto) Avaliar é tarefa
complexa, implicando vários níveis metodológicos, do regulatório ao
epistemológico.
Claro que a existência de diretrizes para a Avaliação
das Instituições Superiores (Comissão Nacional de Avaliação da Educação
Superior – CONAES/MEC) e de um Sistema de Avaliação (Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior - SINAES/MEC) é algo importante e necessário
para a avaliação de dada instituição em seus grupos de pertinência (escola
isolada, faculdades integradas, centros universitários e universidades). Os
mecanismos de avaliação respondem à ação em face da imperiosa expansão da rede
de ensino superior (pública e particular), pois servem como instrumento de
políticas educacionais. Possuem efeitos regulatórios e implicam em participação
ética. Esses pontos estão previstos nas diretrizes. Assim essa força de lei nos
convoca a perseguir três finalidades integradas: formação para a cidadania,
responsabilidade social e solidariedade e cooperação. O SINAES em
implantação é, segundo Jaime Giolo, um radar, uma rede para detectar problemas
das 2314 Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras, das quais somente
180 são universidades. Essas finalidades envolvem três dimensões avaliativas,
das IES (Auto-avaliação Institucional - AVALIES), dos cursos de graduação
(Avaliação dos Cursos
de Graduação - ACG) e do desempenho estudantil (ENADE - Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes); seguindo uma operacionalização em quatro níveis:
declaratório, normativo, organizativo e dos resultados.
2º Pressuposto) Avaliar é parte da (re)
produção social.
Implica, pois, em muita atenção com a visualização das
heteronomias e espaços para ações; implica na tarefa quase impossível de busca
de uma “autoconsciência” possível distante do paradigma Barão de Münchhausen
(puxando-se do pântano pelos cabelos); e implica também no resgate do campo dos
antagonismos, contradições e confusões presentes num verdadeiro arco-íris
corporativo que caracteriza o nosso cenário de refluxo das lutas populares.
A ABEDI, enquanto intelectual coletivo, somente cumprirá esse papel se ativar a
sua turbina crítica que lhe confere autonomia em relação a muitos outras
coletividades. Não se trata da necessária autonomia às instituições orgânicas
e/ou corporativas: do MEC ao governo, do MST a este ou aquele partido, ou
central sindical. A ABEDI, enquanto associação que se queira republicana e
dentro dos padrões constitucionais do Estado de Direito e Social, sem prejuízo
da aglutinação de interesses variados, de pequenos a grandes mantenedores, do
ensino particular e do ensino público, terá a sua contribuição à universalização
do ideal de um ensino do Direito comprometido com a previsão legal de formação
da cidadania, responsabilidade social e solidariedade e cooperação, na exata
medida em que puder vislumbrar suas próprias diretrizes do que deva ser uma
nova cultura no Direito e o papel do ensino jurídico para tal. Em outras
palavras, ser capaz de superar a lente macro que bem visualiza questiúnculas
típicas da interpretação de artigos e parágrafos de textos legais e possa
operar com uma grande angular no campo do distanciamento necessário para uma
compreensão mais abrangente do campo de profundidade da questão do ensino
jurídico na (re) produção social.
Sem essa autonomia, sem esse recuo para um além das
preocupações sobre novos formulários e interpretações de novas regulamentações,
a ABEDI tenderá a ser um braço do “Estado”, incapaz de formular mais que
anuários, mas teses e reflexões aprofundadas sobre temas teóricos importantes,
sempre tendo como referência, é claro, questões práticas. Algumas destas
reflexões serão aleatoriamente indicadas abaixo, em face dos limites deste
texto.
3. Antagonismos, contradições e confusões
Obviamente que o antagonismo da sofisticação da luta
de classes é merecedor de mais discussão em tempos de singular “socialismo de
esquerda”. De qualquer modo o pragmatismo da necessária experiência de
governabilidade atual que a todos nos envolve é reveladora de uma perplexidade
com o que considero senão um desperdício mais ao menos uma considerável
despotencialização utópica. Não se trata como veremos, da continuidade
assegurada de Lula, nem de negar os reais avanços (Bolsa Escola, Bolsa Família,
etc.), mas de procedimentos na arena da afirmação de cultura democrática. O Rei
está nu. Estamos, nós da direção crítica do Direito, nós do Movimento do Direito
Alternativo (MDA), nós do Direito Achado na Rua, nós do Ministério Público
Democrático, nós que pensamos que o que caracteriza uma academia é a crítica
autônoma a começar, gramscianamente falando, pela contundente reflexão no
interior dos coletivos aos quais nos vinculamos mais diretamente. Estamos
pasmos com a força da tradição, a má tradição, e da dificuldade de construção
de boas tradições.
Afora essa estruturalidade desesperante que atordoa e
até provoca certa tentação letárgica, o pensar o sistema de avaliação, mesmo se
urgente resulta e implica num afrouxamento dos liames republicanos, de um quase
abandono do ensino público, gratuito, laico e universal, substituído, pouco a
pouco, pelo ensino superior particular, a título de satisfação da demanda
crescente pelo terceiro grau. Não haveria a discussão nesse nível de urgência
fora da contingência histórica de uma governabilidade que chega ao poder para
afirmar a república e agride a constituição para realizar a vontade neoliberal.
Não haveria a necessidade de tantos mestrados, de novos projetos de mestrados,
de novos cursos de
doutorado, de tantas e tantas equipes de avaliadores do MEC e do INEP, de toda
uma rede de articulações corporativas e de orçamentos para fomento e controle
do sistema, fora do contexto anti-republicano de morte por inanição do ensino
universitário público, orgulho das pugnas populares desde Vargas, e de
planejamento de uma expansão privada para atendimento de uma pressuposta
“demanda” (sabe-se que o sistema já se encontra saturado nas áreas humanas e
nas regiões Sul e Sudeste do país). A iniciativa privada no ensino superior é
corajosa nas áreas de baixo investimento e covarde quando as inversões de
capital são altas nas áreas de tecnologia e saúde, por exemplo.
Então uma questão já colocada por Engels há mais de
cem anos diz respeito a QUEM avalia/educa e O QUE se avalia/educa.
Avaliar/educar é sem dúvida parte e ato de hegemonia, de produção de consensos
que (re) produzem uma sentido mais amplo no campo da direção política.A avaliação
(interna e externa) se vincula aos seus espaços institucionais envolvendo
mercado, Estado e sociedade.
José Arthur Gianotti no seu clássico “A
Universidade em tempo de Barbárie” já registrava a triste trajetória do
terceiro grau brasileiro, menos por descaso dos governantes, mais por
conseqüência dos anéis burocráticos ou teias patrimonialistas bem presentes nos
espaços públicos estatais, regrados por critérios menos acadêmicos e mais
sindicais de produtividade e desempenho.
Pois bem, QUEM avalia para formular as políticas que
fazem parte das IES públicas, basicamente. Com todo o respeito por nosso
trabalho heróico, os efeitos da república sindical se fazem presentes entre
nós, aquele esprit de corp que alimenta a nossa distinção em relação aos
outros. O grande Tarso
Genro, quando
ministro da Educação, chegou a se referir ao ensino particular como
"privataria"; depois se desculpou. Não que não haja a dominância da lex
mercatoria no ensino particular. Ela é a regra e as avaliações em geral
giram ao seu redor e milhões de reais são destinados a esse processo
regulatório. O problema é que se o Estado se desobriga do ensino público e se o
ato estatal autorizativo das particulares legitima as formas de controle sobre
elas, há que se diagnosticar prioritariamente o ensino público, tomado enquanto
“paradigma”, para qualquer política posterior que vise universalizar
diretrizes, para todo o sistema de ensino (mais de 80% dele é
particular). Como é que se vai ter um prognóstico e um modelo para as
particulares, basicamente a partir de um “modelo de ensino público” cada vez
mais desreferencializado historicamente (fim da belle époque), se este
se encontra em estado de coma a ponto dos avaliadores serem condescendentes
quando avaliam in loco instituições públicas municipais, estaduais e
mesmo federais?
Ora, o sistema de avaliação do MEC implica em
cooptação/absorção de quadros e na distribuição de dividendos entre
avaliadores. É certo que em razão dos baixos salários nas federais e nas
instituições particulares (pois é mito que nestas os professores têm melhores
salários e condições de trabalho), avaliar tornou-se parte da composição da
renda mensal. Daí a pressão direta e descarada por uma nomeação para
averiguações de IES. A ABEDI poderia levar a cabo uma pesquisa sobre QUEM
avalia, número de visitas, com QUEM avalia...São famosas certas dobradinhas de
professores que sempre viajam juntos...Qual a justificativa ou critério? Porque
alguns viajam quarenta vezes e outros uma ou duas? Qual é o critério,
republicano ou lotérico?
Certo que as discussões da ABEDI e de outros
coletivos, sobre questões formais mudam regras e procedimentos. Lembram-se
quando eram os mesmos critérios para avaliar faculdades isoladas e
universidades? Lembram-se da interpretação da LDB sobre titulação (mestres e
doutores), 1/3, extensivos a todo o ensino superior? Não entrarei nos méritos
de todo o importante trabalho de artesania interpretativa. Coloco a necessidade
de voltarmos sempre à hermenêutica de fundamentos do processo social no qual se
vinculam todos os aqueles procedimentos avaliativos.
Se não é possível um ensino público gratuito porque o
Estado não afirma a República em seus princípios, como na França de Michel
Miaille, então o “Estado” regula o mercado, e isso é constitucional, embora com
os vícios que explicitam um arco-íris corporativo que deve sempre ser lembrado,
para compreender e agir em face dos movimentos que, a título de apresentarem-se
como uma “guerra de posição” na verdade se constituem como verdadeira
cooptação/absorção da má tradição. Existem milhares de “zé dirceus” no cenário
político de um país sem cultura democrática sólida e com uma esquerda marcada
por concepções instrumentais de democracia.
Alguns exemplos/testemunhos do
professor/consultor/mantenedor que explicitam inadequações/confusões,
verdadeiros obstáculos a ações operacionais avaliativas.
Fui responsável por dezenas de projetos de cursos de Direito, como
consultor. Muitos foram aprovados por identidade com meu trabalho acadêmico,
pesquisas de mestrado e doutorado, sobre ensino superior, mercado de trabalho,
etc. Fui beneficiado por ser do MDA num primeiro momento. Num segundo momento
projetos de minha lavra passaram a constar no index de certos
avaliadores, os “balas-zequinha” do MEC, avessos ao meu grupo de crítica. Então
a aprovação dependeu, numa certa altura do campeonato, de testas de ferro por
acaso para frear certo macartismo na seara jurídica. Entendam os leitores, há
que se ter critérios objetivos, sem eliminar certa subjetividade que
caracteriza a visão de cada avaliador, in loco. Como magistrados, há um
parâmetro normativo mais uma margem para fundamentar a decisão. Não se trata
dessa subjetividade, mas de coibir e garantir inclusive a possibilidade de nova
apreciação de projetos, o que não é regra nem atitude bem aceita no clube dos
avaliadores que fazem as normas.
Projetos bem aprovados são mudados ao bel prazer dos
mantenedores. Nos processos de reconhecimento são raros os avaliadores que
registram essas mudanças e suas conseqüências, principalmente aquelas
referentes a plano de carreira, política de bolsas, etc. Mesmo nos raros cursos de Direito com um
perfil progressista, há muita dificuldade em avançar nestas questões. Nesse
caso não há má fé mas dificuldades de progresso na estabilidade entre receita e
despesa, sem contar a quase crônica inexistência de um capital de giro para
garantir a reprodução da IES em face das intempéries institucionais (normas e
procedimentos mudam muito, avaliadores fazem exigências por vezes absurdas e
com impacto enorme em termos financeiros, etc.).
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC) desrespeita a LDB e obstaculiza a
formação dos mestres necessários para atender à expansão dos cursos de Direito, hoje quase
mil no país. Os cinqüenta programas de mestrados existentes, se dobrassem a
oferta de suas vagas, ainda assim por vinte a trinta anos não supririam a
carência de docentes titulados naquele nível. Isso porque quem define os
critérios para a criação de um curso novo de mestrado são basicamente
professores das universidades federais, os quais, do meu ponto de vista, ao
justificarem suas exigências formais para autorizarem novos programas,
trabalham numa lógica de reserva de mercado, como a OAB e outras corporações.
Obscurantismo evidente. Afinal, da mesma maneira que bons bacharéis não temem
bacharéis de formação ruim, mestres e doutores que se queiram pesquisadores
reconhecidos não temem a maioria daqueles que buscam titulação para serem
simplesmente docentes para a sala de aula e não docentes para a pesquisa. Assim
sendo a ABEDI poderia estabelecer uma política mais incisiva junto ao Conselho
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), de maneira a
rediscutir os mestrados interinstitucionais, hoje engessados por conta de
justificativas do excesso de orientandos. Ora, quem orienta e já orientou
muitos mestrandos e doutorandos sabe que o bom orientando não dá trabalho ao
orientador. Ademais, há que se corrigir essa idéia de que mestrado é quase um
doutorado, devendo conter praticamente uma tese original, etc. Quem sabe,
multiplicar por três o número de vagas oferecidas nos mestrados reconhecidos
com conceitos A e B, ou dez e cinco anos, respectivamente. Mestrados novos
poderiam ser autorizados, em termos experimentais, por três a quatro turmas. Há
que se fazer algo no plano da pós-graduação strictu sensu. Também no
plano da pós-graduação lato sensu à distância, a ABEDI deve superar uma
visão preconceituosa em relação à vulgarização do conhecimento jurídico. Se há
demanda por conhecimentos jurídicos há que se colocar à disposição dos
interessados esses conhecimentos, da Amazônia a Bahia, por que não?
Ainda sobre o ensino virtual do Direito é tímida a
posição da crítica em relação à superação da aula estilo coimbrão por outras
formas didático-pedagógicas. A LDB não define hora-aula como algo a se passar
em sala de aula. Hora-aula é atividade em sala de aula, em cinemas,
bibliotecas, pesquisas na internet, práticas de extensão orientadas, etc.
A OAB não deve ser condenada por exigir o exame de
ordem. Deve ser criticada pelo tipo de exame que aplica, estilo
bacharel-bancário (aproveitando a expressão de Paulo Freire), aquele
profissional do qual se espera ter tudo devidamente decorado, manifestando uma
performance excepcional em memória. Ora, esse exame somente de forma residual
busca fortalecer questões construídas para aferir atividades de pensamento e
reflexão. Como dizia o saudoso desembargador paranaense Jorge Andriguetto,
“Deus dá memória a quem não dá inteligência”.
Os corporativismos beiram ao ridículo. Avaliadores
exigem livros seus na biblioteca avaliada. Ou os mantenedores se apressam em
comprar esses livros, antecipando-se à absurda exigência. Muitos desses
avaliadores mudam a grade curricular, desconhecendo que conteúdos perpassam
matérias, se esta ou outra disciplina não constarem curricularmente.Alguns
exigem a tal ponto a tal aderência, de maneira que esse "efeito
Superbond" engessa a operacionalização do curso, valorizando títulos em
detrimento do conhecimento. Aliás, Tarso
Genro, somente para
citar pela segunda vez um grande intelectual, por não ser especialista, e pela
interpretação da LDB feita pelo Prof. Horácio Wanderlei Rodrigues, jamais
poderia ser um professor no ensino superior.
A LDB, no entanto, merece ser respeitada como grande
norma, somente abaixo das normas educacionais constantes da Constituição
Federal/88. Aliás, a LDB é uma ilustre desconhecida da grande parte dos
avaliadores.
O ideal de San Tiago Dantas (aula inaugural na
Faculdade Nacional de Direito de 1955) de ensino do Direito era o de “case
system” e não o do atual e falido método contrário, “text system”,
base do que neste congresso Warat chamou de autismo dos juristas. As práticas
didáticas embasadas no estudo de casos deverá ser cada vez mais experimentadas
e a ABEDI poderia acompanhar e aconselhar as experiências que estão sendo
planejadas incentivando outras. Não há saída fora desse modelo, casado com a
vivência da geração virtualizada que chega majoritariamente aos cursos de Direito.
Outro exemplo a ser pensado conceitualmente pela ABEDI
diz respeito ao mercado em expansão para jovens mestres, sem nenhuma
experiência avaliativa, fator de enviesamento. Possuem titulação, mas nenhuma
prática. Nas disciplinas propedêuticas, encontram maior aceitação. Nas mais
técnicas, têm dificuldades. A insegurança transveste-se por vezes em
arrogância, velha conhecida dos mantenedores, e dos psicanalistas.
Os corporativismos se alimentam uns dos outros.
Juízes, promotores e advogados desdenham os títulos, quando não os possuem e se
encontram nas atividades de docência. Os jovens mestres com poucas habilidades
desdenham por sua vez o que consideram uma “manualidade” dos procedimentos e
processos, reforçando o mito da separação entre ciência e senso comum.
Entre nós da crítica, há um corporativismo peculiar,
digamos, corporativismo-epistemológico. Os progressistas, durante muito tempo,
não obstante vivermos graças à existência do mundo das normas, não o levávamos
a sério. Assim, ao ideologizarmos o Direito (burguês, liberal, repressão,
etc.), ao hiperpolitizarmos a discussão do papel do Direito Moderno (inclusive
no MDA), e ao o reduzirmos à esfera da alienação, acabamos
despontencializando-o, sem querer. Num mundo no qual a barbárie neoliberal
elimina cada vez mais os espaços públicos de formação de consensos
democráticos, o Direito definido enquanto co-constituinte da democracia, e esta
como essencialmente o lugar de convivência das diferenças, ganha um papel
primordial. Assim, na atual fase da crítica acredito que se faz necessária uma
certa desideologizacão do Direito e conseqüente (re) cientificização do mesmo.
Explico-me: politicamente, é apropriado em termos democráticos atribuir a essa
forma de conhecimento denominado como Direito uma definição de legalidade
científica já em outros termos que não o do paradigma de ciência legado pelo
positivismo. Para resumir, a técnica é regra do jogo, mas é também
possibilidade de emancipação por reconhecimento e compatibilização de
interesses.
Ampliando sua base junto aos mil cursos de Direito existentes,
a ABEDI pode aproximar-se e acompanhar as experiências realmente inovadoras,
recolhendo material para a construção de modelos a serem oferecidos ao MEC,
INEP, Comissão de Ensino Jurídico (CEJ/OAB) e ao Conselho Nacional de Educação
(CNE/MEC). No âmbito regulatório, que tende ao instrumental, proponho uma igual
ou maior intervenção em nível conceitual. Esses passos podem ser dados a partir
de algumas preocupações e ações seguintes, algumas já registradas nas linhas acima:
1) Análise permanente da conjuntura política, no caso
da relação entre manutenção de políticas neoliberais e impacto sobre os vários
graus de educação, em especial no ensino superior;
2) Reflexão continuada sobre a inserção do Direito em
outras formas de desenvolvimento;
3) Luta por compatibilização de critérios
quantitativos e diferenças (critérios qualitativos), o que coloca a questão de
renovação do quadro de avaliadores;
4) Esforço junto à CEJ/OAB e OABs locais por mudanças
nos seus Exames de Ordem, para que adquiram um caráter mais voltado aos
fundamentos, e não seja vinculativo dos pareceres da CEJ em face do processo de
credenciamento/autorização/reconhecimento de novos cursos;
5) Mediação junto ao INEP/CAPES por novos e urgentes
critérios para credenciamento de novos cursos de mestrado e/ou ampliação de vagas nos programas
existentes;
6) Acompanhamento de experiências inovadoras
(docência, pesquisa, extensão, gestão), socializando-as a partir de suas
identidades às exigências legais, para a formação da cidadania,
responsabilidade social, solidariedade e cooperação, ou na mediação de redes
com aqueles perfis;
7) A reflexão autônoma sobre conceitos de ensino
e escola públicas (estatal e não estatal), considerando os processos de
privatização do ensino universitário federal via fundações, a existência da
hegemonia do ensino particular movido somente a lucro; e a existência de
experiências de ensino particular comprometidos com os Direitos Humanos.
A ABEDI pode separar o joio do trigo, buscando elementos
de universalidade nas experiências singulares dos espaços públicos estatais e
não estatais em que ocorre o novo e original. Essa guinada permitirá por sua
vez o fomento teórico para as ações práticas que se pretendam mais
universalizadoras de uma cultura jurídica crítica que permita capacitar e
produzir habilidades aptas à urgência de reconstrução concomitante, do Estado,
da sociedade civil e do mercado.