Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional
Mas meu netinho, eu não estou entendendo mais nada, até parece
que o mundo está de pernas para o ar. Por que será que agora estão querendo até
mesmo proibir uma tal de grilagem? Eu vi ontem, na
televisão. Deram até os nomes dos criadores de grilos. Antigamente, ninguém
criava grilos, nem lá em Portugal, nem aqui no Brasil, e se criasse, ninguém
iria proibir, ora pois.
Tentei explicar o que significa o termo “grilagem”, mas a vovó não
se convenceu. Ao contrário, continuou insistindo: então me explique lá, meu netinho, já que tu sabes de tudo, por que todos se preocupam tanto com o castelo
daquele deputado? Todos os dias, a televisão fala sobre esse assunto, e eu não
entendo mais nada. O castelo não é dele? O povo não elegeu esse deputado? É crime ter
um castelo? Se fosse por isso, lá em Portugal, temos tantos! Esta minha
televisão está cada vez mais esquisita.
Tu sabes o que eu acho? Até
parece que eles colocam certas notícias só para encher lingüiça, porque eles
não têm mais nenhum assunto. Só querem saber de criticar e de falar mal da vida
dos outros.
Tu sabes o que está faltando aqui no Brasil?
Que cada um cuide da sua vida, e cuide do seu trabalho, porque essa mania de
ficar criticando a vida alheia, e se preocupando com a fortuna dos outros, não
dá certo. No fim, ninguém trabalha, e só querem fuxicar. A verdade é que,
quando todos criticam, ninguém tem razão.
Ainda no outro dia, fiquei acordada até mais tarde, porque estava
com insônia, e a minha televisão estava passando um noticiário sobre uma
rapariga, uma que saiu daquele tal de BBB, que era mesmo bem sapeca, da canoa
quebrada. Mas eu também não entendi por que colocar na televisão esse assunto,
que só interessa a ela e aos pais dela.
Mas deixa eu te contar o que me aconteceu na semana passada, para
tu veres como não existem motivos para tantas críticas. Eu acho até que o
governo é ótimo, porque se preocupa muito com o povo. Tu sabes que eu, com a
minha idade, já não posso andar muito, porque não
enxergo bem, e porque fico com as pernas cansadas. Pois bem. Na semana passada,
eu fui ao Banco, ali na Doca. Sabes qual é? Aquele que
fica no canto da Boaventura. Há muito tempo que eu
não ia lá, mas a Maria foi comigo. Fui sacar uns trocados, das minhas
economias, para comprar outra televisão, porque já estou cansada desta, que só
tem fuxicos e notícias ruins.
Quando saí do Banco,
atravessei a faixa de segurança, e sabes tu que do outro lado da rua, agora
existe uma bonita construção? Precisas ver só. Toda de alvenaria, moderna, toda
mobiliada, bem em cima da calçada, um luxo. E bem na direção da faixa de
segurança. Você atravessa, e vai logo entrando. Ficamos lá dentro quase uma
hora, eu e a Maria, sentamos numa poltrona, e os rapazes que cuidam da casa
foram muito simpáticos conosco. Tomamos cafezinho, conversamos com eles, e
também gostei muito da televisão que eles colocaram lá para as pessoas
assistirem. É muito maior do que a minha, e só passa notícias boas, como por
exemplo a de que aquele menino, o Lula, já disse que os hospitais estão
preparados para a tal da gripe suína. Outra notícia interessante foi aquela que
dizia que devido à chuva intensa, aconteceram alagamentos, acidentes, o
trânsito ficou congestionado, faltou luz e aconteceram também muitos assaltos.
Tu já pensaste? Era só o que
faltava, acontecerem muitos assaltos só porque desligaram a luz! Será que vamos
ter que voltar a fabricar velas, lá na Casa O Círio, e distribuir para as
pessoas, para que elas não sejam assaltadas? Mas eu não entendo isso. Por que
eles dizem que devido à falta de luz as pessoas serão assaltadas na rua? Ora,
bolas. Será que eles não vêem logo que no escuro os bandidos não conseguem
achar as suas vítimas?
Nessa hora, eu acordei. Era
tudo um sonho. Eu estava conversando com a minha avó, mas era apenas um sonho,
porque ela já faleceu há mais de trinta anos, mas foi muito bom rever a minha
avó Deolinda, e felizmente eu não vou ter que explicar o noticiário da
televisão. Acho que a única saída seria mesmo dizer que o aparelho dela está
com defeito. Vocês sabem como é: as pessoas de idade acham que já viram tudo, e que as coisas já são mesmo tão ruins, que não
podem piorar.