Quatorze cursos reprovados continuam a funcionar no país
O Globo
Brasília, 30/12/2007 - Funcionam no
país 14 cursos de graduação que foram reprovados em todas as edições do antigo
Provão e no teste que o substituiu, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(Enade). Isso significa mau desempenho por oito anos seguidos no Provão, de
A lista foi elaborada pelo Globo a
partir dos resultados do Provão e do Enade divulgados pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais. Só foram considerados cursos reprovados em
todos os exames. Assim, a lista se limita às áreas de administração, direito e
engenharia civil, as únicas avaliadas desde a estréia do Provão, em 1996.
Para a presidente da União Nacional dos
Estudantes (UNE), Lúcia Stumpf, o funcionamento de cursos sempre reprovados
expõe a fragilidade do sistema de avaliação e regulação do ensino superior no
país. Qualquer faculdade pode oferecer cursos sem a mínima qualidade. A gente
observa uma total falta de regras para as instituições privadas. Primeiro elas
abrem um curso, depois pedem autorização ao MEC. Tanto o Provão quanto o Enade
deveriam servir para fechar cursos insuficientes e impedir que alunos sejam
enganados - diz Lúcia.
“A situação é de descalabro”
Além da reprovação no Enade - que
significa tirar notas 1 ou 2 na escala até 5 -, 11 dos 14 cursos tiveram mau
desempenho também no IDD, um outro indicador do Enade que tenta medir a contribuição
direta da faculdade no aprendizado dos alunos. Pode-se dizer, portanto, que
foram duplamente reprovados. A situação é de descalabro. Vários empresários
tratam o saber como mercadoria de péssima qualidade, punindo os cidadãos,
geralmente os mais pobres, que buscam o conhecimento como forma de ascensão
social. É preciso reverter essa lógica perversa - diz o presidente nacional da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto.
A UNE boicotou o último Enade, a
exemplo do que fazia nos tempos do Provão. Dessa vez, o alvo do protesto não
foi o exame em si, mas a demora do Ministério da Educação (MEC) em executar as
demais etapas de avaliação. A lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Sinaes) prevê inspeções in loco, em que professores sorteados pelo
Inep devem analisar as condições de ensino, tanto dos cursos isoladamente
quanto das instituições.
As visitas não são novidade: já ocorrem
na abertura e no licenciamento de cursos. O desafio é tornálas eficazes na hora
de verificar a qualidade do ensino. Até recentemente, segundo dirigentes do
MEC, elas se restringiam a conferir exigências burocráticas, como a existência
de biblioteca ou a titulação dos professores, sem levar em conta seu real
impacto no aprendizado.
O secretário de Educação Superior do
MEC, Ronaldo Mota, diz que a maior dificuldade é vincular regulação e
avaliação, isto é, condicionar o funcionamento dos cursos ao desempenho nos
exames oficiais. Segundo ele, o Provão não fez isso, pois se limitava a
divulgar os resultados, esperando que o mercado separasse o joio do trigo.
- Regras simples de mercado não
funcionam
O secretário diz que o Sinaes está em
fase de implantação. Por ora, são conhecidos apenas os resultados do Enade, que
tem peso de 10% na nota final dos cursos para fins de licenciamento. Daí o
motivo, segundo o MEC, para que cursos sempre reprovados continuem funcionando.
Mota espera concluir em 2008 as avaliações in loco dos cursos que fizeram Enade
em 2004.
Pressionado pela OAB, o MEC apertou o
cerco contra os cursos de direito reprovados no último Enade, em 2006. O
ministério cobrou melhorias de 89 deles, aproveitando para divulgar seu fraco
desempenho no Exame de Ordem, teste realizado pela OAB e indispensável para o
exercício da advocacia. Houve faculdades em que nenhum de seus formados tinha
passado no exame.
“Fechar curso é prova de fracasso”
A Associação Nacional das Universidades
Particulares (Anup) tentou barrar a ação do MEC na Justiça Federal, mas o
pedido de liminar foi negado. A Anup argumenta que o MEC quer passar por cima
da lei do Sinaes, ignorando o parecer das comissões de especialistas que
autorizam o funcionamento dos cursos. Mota rebate afirmando que o ministério
cumpre apenas o dever de supervisão. No mês que vem, ele anunciará punições às
faculdades de direito que se recusaram a tomar providências.
O presidente do Conselho Nacional de
Educação (CNE), Edson Nunes, que é pró-reitor da Universidade Candido Mendes,
critica a parceria do MEC com a OAB. Segundo ele, a entidade representa
interesses corporativos dos advogados. Para Nunes, o governo não deve fechar
cursos, mas contribuir para melhorá-los, com ações focalizadas. Um ponto de
partida, sugeriu ele, seriam os 14 cursos reprovados em todos os exames.
- Fechar curso é prova de fracasso da
política educacional - diz o presidente do CNE.
O senador e ex-ministro da Educação
Cristovam Buarque (PDT-DF) pensa diferente. Ele diz que falta disposição ao
governo para enfrentar pressões e proibir o funcionamento de cursos de má
qualidade, como já ocorre na pós-graduação:
- A avaliação é como um termômetro:
indica a febre, mas, se você não dá o remédio, não serve de nada. O governo é
conservador e não quer correr riscos. Fechar uma faculdade desagrada aos
alunos, que preferem um diploma de universidade ruim do que ficar sem diploma.
E tem a pressão dos donos.