O
advogado na separação extrajudicial
Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional
07.03.01
Em artigo
recentemente publicado, o Dr. Benedito Wilson, ilustre integrante do Ministério
Público do Estado do Pará, comentou a recente lei nº
11.441, que dispensou o ajuizamento de ações para a homologação de separações e
divórcios consensuais. A partir da vigência dessa lei, ficou facultada a via
administrativa, sempre que o casal não tiver nenhuma discordância, quanto à
divisão dos bens, nem filhos menores, para que seja definida a guarda.
O Dr. Benedito
criticou, nesse artigo, a obrigatoriedade da assistência de advogado, que foi
introduzida, na proposta original, por exigência da Ordem dos Advogados. Disse
ele, então, que parece descabida essa obrigatoriedade, porque a nova lei cuida
justamente de reduzir o excessivo formalismo, e a singeleza das hipóteses
abarcadas por essa lei não permite maior campo para a assistência jurídica.
Concordo inteiramente, mas gostaria de acrescentar algumas considerações.
Na
minha opinião, se o casamento sempre foi feito em cartório,
sem a participação de um juiz, de um promotor, e de um advogado, nunca houve
razão, também, para que a separação e o divórcio
consensuais não pudessem ser feitos da mesma forma. No entanto, exatamente como
inúmeras outras dificuldades e exigências criadas pelo nosso ordenamento
jurídico, com o seu excessivo formalismo e a negação do "jus postulandi", tudo parece concorrer para dificultar a
celeridade processual e para privilegiar outros interesses, que não o interesse
público.
O projeto do
senador César Borges (PFL/BA) pretendia, com muita propriedade, desonerar de
custos advocatícios os casais que chegam a um acordo amigável. No entanto,
devido à pressão da OAB, foi apresentado um substitutivo, incluindo a
obrigatoriedade da participação de um advogado, até mesmo para esses processos
consensuais, no âmbito dos cartórios. De acordo com o senador César Borges,
"existe um corporativismo para não perder mercado. Alguns dizem que a
presença de um profissional dá mais segurança ao ato, mas o problema é que
continuará tendo custo. O que o advogado vai fazer não é nada que um tabelião
não faça".
Se fosse
realmente necessária a presença de um advogado, apenas
para assinar, em cartório, alguns documentos, para
evitar qualquer prejuízo ao casal, por que não pensam os dirigentes da OAB em
exigir, também, a presença de um advogado para a celebração do casamento?
Talvez ele pudesse aconselhar o casal, evitando quaisquer problemas e, até
mesmo, uma futura separação!
Se a nova lei
dispensou as figuras do juiz e do promotor, qual seria o motivo para a
obrigatoriedade da presença do advogado, a não ser a exigência da Ordem? Mas
será que essa exigência atende, realmente, ao interesse público?
O Estado de São
Paulo, em editorial publicado no dia 12.02.2007, sob o título "A Força do Cartorialismo", afirmou, coerentemente, que
essa obrigatoriedade, imposta pela OAB, "mostra o quanto o Brasil ainda
continua contaminado pelo cartorialismo,
que impõe uma série de intermediários compulsórios nas mais corriqueiras
relações sociais, vendendo serviços desnecessários a alto preço".
Disse, ainda, que "a obrigatoriedade de se contratar serviços
indesejados e desnecessários é um dos expedientes que a OAB desenvolveu para
tentar ampliar o mercado de trabalho de seus filiados".
No entanto, como
seria de se esperar, alguns dirigentes da OAB discordam dessa interpretação. O
Dr. Sérgio Couto, em artigo recentemente publicado, chegou ao exagero de dizer
que acusar de corporativismo os advogados é o mesmo que defender o fim da OAB,
nos moldes do que fez Napoleão, em França; ou Hitler, que proibiu os judeus de
serem assistidos por advogados; ou Mussolini, que mandou incendiar escritórios
de advocacia, e o Presidente Figueiredo, que queria mandar prender todos os
advogados. Na minha opinião, o Dr. Sérgio acertou,
apenas, quando disse que os advogados são indispensáveis à administração da
Justiça.
Mas o problema é
que isso não pode isentar a OAB do respeito aos princípios republicanos. O juiz,
o promotor e o defensor público também são essenciais à administração da
Justiça, e nem por isso acusá-los de corporativismo poderia significar,
absurdamente, que estaríamos pretendendo fechar o Judiciário, o Ministério
Público, ou as Defensorias. O argumento é inteiramente descabido.
Não é mais
possível aceitar qualquer espécie de corporativismo. O que precisamos reformar,
no Estado brasileiro, é exatamente a falta de respeito aos princípios
republicanos, da igualdade e da prevalência do interesse comum. Precisamos
começar a evitar, urgentemente, a existência dos inúmeros privilégios e
discriminações, que se manifestam através da reserva de mercado, e da
distribuição de empregos e benefícios para determinados grupos. A extrema
desigualdade que nos caracteriza, e que parece estar na raiz de todos os nossos
piores problemas, é o resultado das décadas de prevalência dessas práticas, de
assalto ao interesse e aos recursos públicos.
Os dirigentes da
OAB sabem disso, e sabem, também, que não é possível defender a advocacia
(Estatuto, art. 44, II) sem defender, também, a Constituição (Estatuto, art.
44, I).