Ipesp: crônica do calote anunciado

Governo e deputados estaduais deram
rasteira nos advogados de São Paulo

Tito Bernardi

http://www.expressojuridico.com.br/index.php?pagid=OCBjvml&id=22&tipo=ZNZZw&esq=OCBjvml&id_mat=6926

 

A Ordem dos Advogados de São Paulo, a Associação dos Advogados de São Paulo e o Instituto dos Advogados de São Paulo divulgaram nota conjunta para esclarecer sobre a situação dos advogados inscritos na Carteira dos Advogados do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo - IPESP. Agora, após a extinção do Ipesp e a rasteira que deputados estaduais e o governo de São Paulo deram nos advogados, as três entidades analisam a "viabilidade da propositura de medida judicial de caráter coletivo, que ampare os interesses de todos os contribuintes ativos e inativos da Carteira dos Advogados do IPESP".

A Lei Complementar 1.010/2007, aprovada em dezembro passado pela Assembléia Legislativa de São Paulo, determinou a substituição do IPESP pelo Sistema Previdenciário do Estado de São Paulo (SPPrev). Deputados e o Governo de São Paulo se "esqueceram" de deliberar sobre a Carteira de Previdência dos Advogados. Assim, estima-se que mais de 30 mil advogados contribuintes da Carteira do Ipesp correm o risco de ficar sem aposentadoria.

Estimativas não-oficiais indicam que cerca de 37 mil profissionais estão ligados à extinta Carteira — 33 mil deles contribuintes e o restante que já recebe o benefício. Outra estatística dá conta de que 44 mil advogados estariam vinculados à Carteira.  

A persistir a matreira indefinição por parte do Governo de São Paulo, todos eles podem ficar sem aposentadoria. Algumas versões dão conta que a Carteira acumulou aproximadamente R$ 1 bilhão. Mesmo assim, essa dinheirama seria insuficiente para o pagamento das aposentadorias já concedidas.

Com a publicação da Portaria Ipesp 272, publicada discretamente em 28 de dezembro de 2007, o Ipesp comunicou que foram suspensas temporariamente novas inscrições na Carteira de Previdência dos Advogados. "Esta decisão foi tomada a pedido do Conselho da Carteira em reunião realizada no dia 18 de dezembro no Gabinete do Secretário da Fazenda, da qual participaram os secretários da Fazenda e da Justiça, o superintendente do Ipesp, o presidente da OAB-SP e demais representantes dos advogados ", informou o site do Ipesp.

Erosão

O Governo de São Paulo deu início à erosão da Carteira no final de 2003. A Lei Estadual 11.608 acabou com o repasse de custas (taxa de mandato e parte das custas), que era a principal receita da Carteira de Previdência dos Advogados. A Carteira sempre teve 3 fontes de receitas: a contribuição dos advogados inscritos; o valor relativo às custas de juntada de procurações e substabelecimentos (a chamada "taxa de mandato" - código 304 da GARE) e, ainda, o repasse mensal de porcentual das taxas judiciárias recolhidas ao Estado (código 236 da GARE).

A soma dos valores arrecadados com as custas significava mais de 70% do total arrecadado mensalmente pela Carteira. A Lei Estadual 11.608 acabou com o repasse. A lei de custas "apenas" modificou a destinação do produto das custas, direcionando-as exclusivamente ao Poder Judiciário. A lei foi aprovada por voto de lideranças no "apagar das luzes" de 2003, sem discussões, e acabou prejudicando diretamente a CAASP - Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo - e a Carteira de Previdência, que eram beneficiárias de repasses de parte do valor arrecadado.

Desde então, o Governo de São Paulo silenciou a respeito da Carteira. Na Assembléia Legislativa, embora muitos deputados se apresentem como advogados na hora de pedir votos, o assunto não mereceu muita atenção. Mas o Ipesp continua enviando os boletos de pagamento. Os advogados que deixarem de pagar são automaticamente excluídos, sem direito a qualquer restituição dos valores pagos.

A justificativa para a criação da Carteira, em 1959, teria sido possibilitar uma aposentadoria aos advogados por estes exercerem uma função pública sem serem funcionários públicos e terem o amparo que essa condição lhes garante. Entretanto, o repasse de verbas de natureza pública para uma categoria profissional passou a ser questionado com o passar do tempo, sem que  as partes envolvidas se detivessem na busca de alguma solução para o impasse.

Desde 2003, a OAB de São Paulo já apresentou o problema aos ex-governadores Geraldo Alckmin e Claudio Lembo, e ao atual governador José Serra, além dos presidentes da Assembléia Legislativa e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mesmo diante de pedidos de informações por parte dos advogados, o Ipesp jamais informou os montantes arrecadados. A classe política ignorou a preocupação dos advogados inscritos com o destino da Carteira.

Muito embora o objetivo da Lei Estadual 11.608 fosse dotar o Poder Judiciário de mais verbas, tornando-o quem sabe mais ágil, a situação criada no final de 2003 poderá desaguar na Justiça, numa batalha que pode durar algumas décadas. Especialistas acreditam que, apesar de ser clara a responsabilidade do governo esstual no caso, a exemplo de outros "esqueletos" - calotes cujos pagamentos são deixados matreiramente para governos futuros - a "conta" ficará para alguma interminável fila de precatórios, não sem antes surgirem políticos e "consultores" que afirmarão, com toda a convicção, que a solução para o problema irá "onerar" os cofres públicos.

OABPrev

A edição de janeiro de 2005 do "Jornal do Advogado" (edição 290) trouxe, na página 18, matéria anunciando a criação da "OABPrev-SP" e indicando as vantagens dos novos planos aos advogados. A reportagem é concluída com a seguinte afirmação: "Nada mais oportuno, tendo em vista que a Carteira do Ipesp encontra-se praticamente inviabilizada com o corte dos repasses das taxas judiciárias que lhe cabiam".

Criado pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo e pela Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo, o plano já conta com a adesão das Seccionais e Caixas de Assistência do Amazonas, Pernambuco, Piauí e Ceará. A Icatu Hartford é a gestora dos recursos do plano e responsável pela administração do passivo. A  Mongeral é responsável pelas vendas e cobertura de risco. Informalmente, o argumento da "inviabilidade" da Carteira de Previdência dos Advogados foi incorporado pela força de vendas do novo plano.

Segundo o site da OABPrev-SP, os recursos são geridos por "especialistas do mercado financeiro, o que possibilita o controle direto dos participantes sobre os investimentos". Como não há a participação do Poder Público, a expectativa é que os participantes não sejam surpreendidos por rasteiras e calotes de políticos no futuro. No mesmo site, é informado que já exitem mais de 10 mil inscritos no plano.

Aposentadoria não é problema para todos

Embora a situação dos advogados vinculados à Carteira do extinto Ipesp seja indefinida, os deputados estaduais de São Paulo cuidam bem de suas próprias aposentadorias. Em 2003, o Diário de São Paulo divulgou que não são apenas os 94 deputados estaduais que ganham, além dos salários e subsídios, a gratificação de R$ 393 por sessão.

O jornal divulgou que um grupo de ex-deputados aposentados e as pensionistas também embolsam o benefício, mesmo sem ter de pisar no plenário do Legislativo. O autor da denúncia, o deputado estadual Afanásio Jazadji, requisitou na época à Mesa Diretora da Assembléia a relação de todos os deputados que exerceram mandato entre 1950 e 2003. Segundo o deputado, do grupo que se beneficia do "jeton" estão aposentados e pensionistas de ex-parlamentares que cumpriram menos de um ano de mandato e têm vencimentos integrais. “Fizeram um clube de amigos às custas dos cofres do estado”, disse Afanásio.

Outro grupo que não encontra dificuldades para obter aposentadoria são os ex-governadores. Conforme divulgou a revista Época em dezembro passado, cinco dos 13 governadores que deixaram o cargo no dia 1º de janeiro de 2007 receberão uma pensão integral para o resto da vida. Eles só precisaram cumprir o mandato de quatro anos, em alguns Estados nem isso, para ter direito ao benefício. Dos 27 Estados brasileiros, 19 pagam pensão vitalícia aos ex-governadores, informou Época.