EXAME DA OAB.
REPROVAÇÃO EM MASSA, PROPAGANDA E HIPOCRISIA
Fernando Lima
Professor de Direito
Constitucional
14.07.2011
Sumário: 1. Apresentação; 2. A matéria da
Revista Veja; 2.1. O Exame da OAB não qualifica ninguém; 2.2. A “explosão” das
faculdades de direito é uma falácia; 2.3. Ninguém defende, pura e simplesmente,
o fim do Exame da OAB; 2.4. Repercussão geral não é sinônimo
de efeito vinculante; 2.5. Um Provimento do Conselho Federal da OAB não
pode revogar uma Lei do Congresso Nacional; 3. As
faculdades com índice zero e o caso da ESMAC; 4. A
propaganda de um novo curso de direito; 5.
Considerações finais.
1.
Apresentação
O
último exame da OAB bateu todos os recordes, porque reprovou 90,26% dos
bacharéis inscritos. Em conseqüência, o Presidente da OAB aproveitou para
tentar justificar, uma vez mais, a “necessidade” desse exame, apesar de
sua gritante inconstitucionalidade, providenciando a publicação de matéria na
Revista Veja, e imediatamente encaminhou ao Ministro da Educação uma lista com
as faculdades de direito que obtiveram “índice zero” no exame de ordem, ou
seja, aquelas faculdades “cujos estudantes (...) se submeteram à última edição
do Exame de Ordem, mas, no entanto, (sic) não tiveram nenhum candidato aprovado
após as duas etapas do exame.”
Dentre
essas faculdades, existe uma paraense, de Ananindeua, a ESMAC - Escola Superior
Madre Celeste, que teve apenas um inscrito nesse Exame, e que, aliás,
absurdamente, ainda nem formou a sua primeira turma, porque somente teve seu
Curso de Direito autorizado no dia 05 de julho de 2007, pela Portaria
n.° 618, publicada em 9 de julho de 2007. Mesmo
assim, a OAB publicou o nome da ESMAC na lista enviada ao MEC, das “90 faculdades com índice zero”,
prejudicando assim aquela instituição.
O
Ministro da Educação também se manifestou a respeito, criticando os critérios
da OAB, e dizendo que não é possível atribuir um índice de 100% de reprovação a
uma faculdade que teve apenas um inscrito no Exame da OAB.
Ao
mesmo tempo, enquanto a OAB prejudicava diversas faculdades, enxovalhando o seu
nome e requerendo as “providências” do MEC, para que elas sejam colocadas em
regime de supervisão, o que poderá resultar até mesmo no seu fechamento, o
Presidente da OAB/PA compareceu à inauguração de uma nova faculdade de direito,
em Belém, para atuar como propagandista dessa instituição, elogiando-a
entusiasticamente perante as câmeras de uma TV local.
2.
A matéria da Revista Veja
Na Revista
Veja, o Presidente da OAB afirmou,
entre outras coisas, que: 1) o exame qualifica os bacharéis aptos a exercer a
profissão de advogado; 2) mesmo diante dessa situação assustadora (a suposta explosão
de faculdades de direito pelo Brasil), há quem defenda o fim do exame; 3) se
não tivéssemos critérios, teríamos dois milhões de advogados a mais no mercado;
4) em 2010, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello, determinou que,
quando votado o caso, a decisão valerá para todo o país; 5) o projeto de lei
que pretende derrubar o exame foi juntado “a outra proposta, que prevê o
contrário dele: a extensão da obrigatoriedade da prova para estagiários de
direito, juízes e integrantes do Ministério Público que queiram advogar.”
2.1. O Exame da OAB não
qualifica ninguém
O Exame da OAB não qualifica ninguém.
O Exame da OAB é inconstitucional. A
OAB não é instituição de ensino, para qualificar ninguém.
De acordo com a Constituição Federal, em seu art.
205, “A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.”
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/96), “A educação superior tem por finalidade: (…) II - formar
diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em
setores profissionais….” (art.
43) e “Os diplomas de cursos
superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu
titular.” (art. 48)
Os
bacharéis em direito, portanto, ao receberem o seu diploma, de uma instituição
de ensino superior autorizada e fiscalizada pelo poder público, através do
Ministério da Educação, já estão qualificados para o exercício da advocacia,
que é a profissão liberal do bacharel em direito. O Exame da
OAB não qualifica ninguém. Isso é um absurdo.
2.2. A
“explosão” das faculdades de direito é uma falácia
A “explosão das
faculdades de direito” não deve assustar ninguém. O mercado de trabalho se
encarregará de selecionar os bons profissionais. Os advogados
desonestos deveriam ir para a cadeia, e/ou deveriam ser punidos pelos tribunais
de ética da OAB. Essa a verdadeira função da OAB,
fiscalizar o exercício da advocacia, e não a que ela pretende, de “qualificar”
os advogados.
Aliás, essa “explosão” é uma falácia.
Os dirigentes da OAB alegam que existem mais de mil faculdades de direito, e
que isso é um absurdo, mas o Censo da Educação Superior mostra que em 2.009
existiam no Brasil 28.671 cursos de graduação (veja
aqui) e que Administração é o curso com o maior número
de matrículas no Brasil, quase o dobro das matrículas dos cursos de direito. (veja aqui)
Mesmo
assim, somente os bacharéis em direito são perseguidos, como
incompetentes, pela OAB, bem como as faculdades de direito, que já sofreram
sensível redução em seu número de vagas, por imposição dos dirigentes da OAB.
Consequentemente, somente os bacharéis em direito
são impedidos em sua liberdade de exercício profissional, pelo Exame
inconstitucional da OAB. Aliás, agora,
absurdamente, já foi aprovado, também, pelos nossos “representantes” em
Brasília, o Exame dos Contabilistas. O diploma dos contabilistas também
será rasgado, a partir de agora, pelo seu conselho profissional, tudo em nome,
supostamente, do interesse público.
O Exame
da OAB fere, evidentemente, o princípio da isonomia. Por que
somente os bacharéis em direito? Será que um advogado incompetente é
mais perigoso para a sociedade do que um médico incompetente, ou do que um
engenheiro incompetente? Será que os novos advogados são mais perigosos para a
sociedade do que os advogados antigos, que se formaram antes de 1.996 e nunca
fizeram esse Exame? Ora, façam-me o favor!!!
2.3. Ninguém defende, pura e simplesmente, o fim do Exame da OAB
Dois
milhões de advogados a mais no mercado de trabalho? E qual
seria o problema, Dr. Ophir? Será que a Constituição
Federal permite a fixação de um número máximo de advogados para o Brasil?
Será que os pobres tem acesso à Justiça, hoje? Com 600
mil advogados inscritos na Ordem? Qual
seria o prejuízo, para a sociedade? Ou o prejuízo seria, na verdade, para muitos advogados antigos, que não teriam
condições de concorrer com os novos profissionais?
É verdade que existem
muitas faculdades de péssima qualidade, mas isso não é
exclusividade dos cursos de direito.
Aliás, o maior problema talvez
não esteja no ensino superior, mas na base, em um país
que paga salários miseráveis aos seus professores e não lhes oferece as menores
condições de trabalho. Depois de quase 44 anos de magistério superior, em uma
Universidade Federal e em diversas instituições privadas, creio que já devo ter
visto quase tudo. Prevalecem, quase sempre, os interesses
corporativos. Prevalecem, frequentemente, os
interesses dos grupos que controlam as universidades públicas e os interesses
dos donos das faculdades particulares. Prevalecem os
interesses dos políticos que controlam o Ministério da Educação. E prevalecem, é claro, também, os
interesses dos dirigentes da OAB, que querem ampliar cada vez mais o seu poder.
O Governo “abandonou” o
ensino superior, o que levou ao crescimento das instituições privadas, que hoje
respondem por mais de 80% de suas vagas. Não
se deve esquecer que o Brasil tem apenas 11% de acesso ao ensino superior,
empatado com o Haiti!!!
E qual é
o problema das faculdades particulares? Mesmo com o Prouni e o
Fies, muitas famílias brasileiras não têm condições de pagar um curso superior
para os seus filhos, o que faz, às vezes, que não haja uma boa seleção, nos
vestibulares de muitas faculdades particulares. Se a faculdade tem vagas
ociosas, e o candidato passa na porta, já está
matriculado.
E o
professor?
Nessas condições, como lecionar para acadêmicos que
não tiveram uma boa formação básica e não conseguem entender o que lêem? Como lecionar para turmas de 70 alunos, ou mais? Como
ensinar Direito Constitucional ou Teoria
do Estado com apenas uma hora semanal, às vezes na “sessão coruja”, ou seja,
naquela aula que começa às 21.50 h.?
Como passar trabalhos de
pesquisa para alunos que já estão acostumados com a rotina do
“copiar e colar”? Evidentemente,
existem muitos acadêmicos que se esforçam, estudam, e elaboram pessoalmente os
seus trabalhos. Mas se o professor verifica que
a maioria da turma copiou da internet o trabalho e se o Coordenador decide que
esse trabalho deve ser desconsiderado, o que deve fazer o professor? Aceitar essa imposição ou perder o salário mínimo que recebe
daquela instituição de ensino superior?
Afinal, nas instituições
privadas, as condições do mercado preponderam. Os alunos estão pagando e a instituição não pode perder receita. Portanto…
Cabe ao
professor, assim, conciliar tudo, para que os acadêmicos fiquem satisfeitos e o
Coordenador também.
Nessas
condições, é claro que o diploma servirá apenas para que o bacharel obtenha,
por exemplo, uma gratificação de nível superior em algum órgão público.
Mas existem muitos outros
problemas. Antigamente, ouvia-se falar em “liberdade de
cátedra”. O professor podia ter – e externar – opinião própria.
Especialmente se o País não se encontrava em um daqueles hiatos ditatoriais, como nos casos do Estado Novo, de Getúlio Vargas, e do Golpe
Militar de 1.964.
No entanto, hoje, nem
sempre o professor pode ter opinião própria. Como pode, por exemplo, um
professor de Direito Constitucional deixar de falar aos seus alunos a respeito
da inconstitucionalidade do Exame da OAB? Mas a verdade é que
esse é um assunto que sempre sofre alguma censura, velada ou não, em algumas
faculdades, que não querem desagradar os dirigentes da OAB, e o professor que
tiver a coragem de discordar desse Exame poderá sofrer represálias. Eu
mesmo posso testemunhar: fui chamado, certa vez, pela Coordenadora de uma
faculdade particular, que me repreendeu, dizendo textualmente que eu não
deveria abordar a questão do Exame da OAB, porque “esse assunto não interessa
aos acadêmicos de direito”.
É verdade, portanto, o que afirmam os
dirigentes da OAB. Existem muitas faculdades de direito de péssima qualidade, mas isso é uma conseqüência do sistema. Não é um privilégio
do ensino superior, nem um privilégio, apenas, dos cursos de direito. E não
compete à OAB, evidentemente, avaliar as faculdades de direito, mas
ao poder público, através do Ministério da Educação.
Mas não é porque existam
faculdades de direito de péssima qualidade que o Exame da OAB passará a ser
constitucional, ou “necessário”, como afirmam os dirigentes da OAB.
E não é verdade, também, o
que diz o Presidente da OAB, quando afirma que “mesmo diante dessa situação
assustadora” da explosão das faculdades de direito e dos “dois milhões a mais de advogados no
mercado de trabalho”, ainda há quem
defenda o fim do exame.
Ninguém defende o fim do
Exame da OAB, pura e simplesmente. O que nós dizemos é que o Exame da OAB é
inconstitucional, e assim até mesmo os dirigentes da OAB precisam entender que
um Exame inconstitucional deve acabar. Afinal, para que serve uma Constituição?
E para que serve o art. 44 de nosso Estatuto, que determina que a OAB deve defender a Constituição??
Os dirigentes da OAB não deveriam continuar
defendendo esse Exame, sem qualquer fundamentação jurídica, apenas porque acham
que ele é “necessário”, devido ao grande número de faculdades e aos “dois
milhões de advogados” a mais no mercado de trabalho.
Mas deve haver controle,
sim. Claro. Ninguém defende o fim do Exame, pura e
simplesmente. Deve haver controle, sim, mas é preciso respeitar a Constituição
Federal. Deve haver controle, por parte do Ministério da Educação. Poderia ser
criado um exame do MEC – como existe, aliás, em muitos
países, um exame feito pelo próprio Estado -, que não seria inconstitucional,
no Brasil, ao contrário, mas deveria ser feito para todos os cursos, e não
apenas para o curso de direito. Quem não fosse aprovado, nem
receberia o diploma.
O que não é possível é dar
ao bacharel um diploma, depois de cinco anos de estudos e de mensalidades – com
direito a festas de formatura, retratos e comemorações da família -, para
depois a OAB rasgar o diploma de 90% desses bacharéis, com a necessária
conivência do Estado brasileiro.
2.4. Repercussão geral não é sinônimo de efeito vinculante
Quando
o Presidente da OAB afirmou, na matéria da Revista Veja, que “em
2010, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello, determinou que,
quando votado o caso, a decisão valerá para todo o país”, equivocou-se
redondamente.
Esse
recurso, que o Presidente da OAB citou, é o RE nº 603.583-RS (veja
aqui)
O Ministro Marco Aurélio é o relator desse recurso
e não determinou coisa nenhuma. O
Presidente da OAB demonstrou que não sabe o que é repercussão geral.
A repercussão geral é um requisito processual
criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2.004, que acrescentou um parágrafo
ao art. 102 da Constituição Federal:
“§ 3º No recurso extraordinário o
recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela
manifestação de dois terços de seus membros.”
Dessa
maneira, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 45, de 2.004, os
recursos extraordinários somente serão “conhecidos” pelo Supremo Tribunal Federal
se este reconhecer a sua repercussão geral, o que é decidido pelo “Plenário
Virtual”, e isso ocorreu em 11.12.2009:
“Decisão: O
Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral
da questão constitucional suscitada; Não se manifestaram os Ministros Cármen
Lúcia e Carlos Britto.”
(Para conferir, basta clicar neste link)
Portanto,
o que acontece é que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela repercussão
geral e deverá, oportunamente, apreciar o RE nº 603.583-RS, que
trata da inconstitucionalidade do Exame da OAB. Assim, o
Ministro Marco Aurélio não determinou coisa nenhuma. E
também não é verdade o que afirma o Presidente da OAB, “que, quando votado o caso, a decisão valerá para todo o país”.
A decisão não valerá para todo o país coisa
nenhuma. O Presidente da OAB confundiu “repercussão geral”
com “efeito erga omnes”, ou “eficácia contra todos” e “efeito vinculante”. O
efeito das decisões do controle difuso de constitucionalidade é o efeito “inter
partes”. A decisão de um recurso extraordinário não tem
efeito vinculante.
A decisão não “valerá para todo o país”, como afirmou o Presidente da OAB. A decisão somente valerá
para todo o país se o Supremo Tribunal Federal aprovar uma súmula vinculante,
ou se o Supremo Tribunal Federal decidir uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade ou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade.
As decisões das Adin e ADC
terão efeito vinculante, o que está previsto no §2º do art. 102 da Constituição Federal:
“§ 2º As decisões definitivas de
mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal.”
Também
haverá efeito vinculante se o Supremo Tribunal Federal, após reiteradas
decisões sobre o tema da inconstitucionalidade do Exame da OAB, aprovar uma
súmula vinculante, conforme previsto pelo art. 103-A da Constituição Federal,
também introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, de 2.004:
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal
poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula
que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta
e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua
revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”
Portanto,
o Presidente da OAB equivocou-se, quando afirmou que: “em 2010, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello,
determinou que, quando votado o caso, a decisão valerá para todo o país”.
O
que aconteceu foi que, em 2.009, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal
decidiu pela repercussão geral do recurso extraordinário nº 603.583-RS e assim, quando votado o
caso, a Decisão poderá beneficiar, imediatamente, o recorrente, ou seja, o
Bacharel em direito João Antonio Volante, assim como outros recorrentes cujos
recursos tenham sido sobrestados pelo Tribunal de origem.
A repercussão geral é apenas um requisito de admissibilidade
do recurso extraordinário. Assim, quando existem diversos recursos
extraordinários referentes a uma mesma controvérsia, o Tribunal de origem
deverá selecionar um ou mais recursos representativos dessa controvérsia e
encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais recursos. Se o
Supremo Tribunal Federal negar a existência da repercussão geral, os recursos
sobrestados serão automaticamente considerados como não admitidos.
A disciplina legal da repercussão geral encontra-se na Lei nº
11.418/2006. (veja
aqui) A leitura atenta dos dispositivos
dessa Lei poderá esclarecer outras dúvidas. Mas é claro que o Presidente da OAB
equivocou-se, quando disse que “a decisão valerá para todo o país”. A verdade é
que a decisão valerá apenas para o recurso “conhecido” e para os recursos já
sobrestados no Tribunal de origem.
Portanto, a Decisão do Supremo Tribunal Federal não “valerá
para todo o país”. Ela não tem efeito vinculante. Mesmo depois dessa decisão de
mérito do Supremo Tribunal Federal, nesse recurso extraordinário, declarando
inconstitucional – ou constitucional, por absurdo – o Exame da OAB, mesmo
assim, qualquer juiz ou tribunal, no Brasil, continuará tendo toda a liberdade
de decidir essa matéria. Efeito vinculante, mesmo, repito,
somente depois que o Supremo Tribunal Federal decidisse uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, ou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, ou
depois que o Supremo Tribunal Federal aprovasse uma Súmula Vinculante sobre a
constitucionalidade do Exame da OAB.
2.5. Um Provimento do Conselho
Federal da OAB não pode revogar uma Lei do Congresso Nacional
O
Presidente da OAB afirmou, na matéria da Revista Veja,
que na Câmara dos Deputados tramita, desde 2.005, um projeto de lei que
pretende derrubar o Exame da OAB, mas que é provável que ele nem chegue a ser
votado, porque foi juntado a outra proposta, que prevê a “extensão da prova
para estagiários de direito, juízes e integrantes do Ministério Público”.
Na
verdade, tramitam na Câmara dos Deputados e também no Senado Federal
vários projetos de lei, uns contrários e outros favoráveis ao Exame da
OAB, e outros que pretendem criar exames semelhantes para todas as profissões
liberais regulamentadas.
Mas
o interessante, aqui, é apenas a confusão que o Presidente da OAB estabeleceu
entre uma Lei e um Provimento do Conselho Federal da OAB. Aliás, deve ser dito
que ele não foi o único a pensar que um Provimento pode revogar uma lei, porque
tudo começou com o primeiro Provimento que “regulamentou” o Exame da OAB, como
se um Provimento da OAB pudesse regulamentar uma lei.
Assim, o Provimento nº 81/96 foi o primeiro a
dispensar do Exame, entre outros, os magistrados e os membros do Ministério
Público, alterando, assim, como se isso fosse possível – mas o pior é que essa
norma que “excepcionou” o disposto no Estatuto já vigora há quase 15 anos -, o
disposto em uma Lei do Congresso, o Estatuto da OAB, a Lei nº 8.906/94, que em
seu art. 8º exige a aprovação no Exame para todos os bacharéis que pretenderem inscrever-se como advogados, sem qualquer exceção, nem mesmo
para magistrados ou membros do Ministério Público.
Aliás,
seria um absurdo, evidentemente, que um juiz ou promotor, depois de trinta anos
de serviço, aposentado, por exemplo, fosse submetido ao Exame da OAB, para que
pudesse advogar, mas isso é o que consta do Estatuto da OAB, aprovado pelo
Congresso Nacional, mas que teve o seu anteprojeto aprovado dentro da própria
OAB.
Mas
se a lei exigiu o Exame para todos, somente outra lei poderia modificá-la. Pelo
menos, era isso o que se ensinava, antigamente, na Faculdade de Direito. Ou poderia
um Provimento do Conselho Federal da OAB alterar uma lei do Congresso? Como
assim?
Mas
depois do Provimento nº 81/96, outros repetiram a piada.
O Provimento nº 109/2005,
o Provimento nº 136/2009, e o atual, o Provimento nº 144/2011, também
dispensaram do Exame, entre outros, “os postulantes oriundos da Magistratura e
do Ministério Público” (redação do parágrafo único do art. 6º do último
Provimento).
Portanto, o Projeto de Lei (veja
aqui) a que se referiu o Presidente da
OAB pretende, nada mais nada menos, por mais absurdo
que isso possa parecer, a simples revogação de um Provimento da OAB que alterou
– indevidamente - uma Lei do Congresso. E a “Justificação” desse Projeto deixa
isso muito claro:
“O Conselho Federal da
OAB, indubitavelmente,
extrapolou os limites que lhe foram deferidos pela Lei 8.906/94,
e expediu esse Provimento que infringiu mandamentos constitucionais e legais
vigentes.
O Conselho arrogou a si o
título e a função de legislador, ao editar norma que foi de encontro ao que
disciplina o Estatuto da Ordem, que não faz exceção a quem quer que seja de
eximir-se de prestar o
exame de ordem para atuar como advogado.
Nem mesmo o
Presidente da República, ao editar decretos regulamentadores, pode estabelecer
diretrizes diferentes das estabelecidas na lei a ser regulamentada, sob pena de
ser tido tal decreto como ilegítimo, violador dos princípios em que se apoia
nosso ordenamento jurídico e, conseqüentemente, carente de eficácia jurídica.”
Vejam o absurdo: a Câmara dos Deputados está discutindo um
projeto de lei que pretende “revogar” um Provimento do Conselho Federal da OAB
que alterou a Lei 8.906/94, dispensando do Exame de Ordem “os postulantes oriundos da Magistratura e do Ministério Público”.
Se
aprovado na Câmara, esse projeto ainda precisará ser aprovado no Senado e
depois sancionado pela Presidente da República, para que a OAB seja obrigada, contra a vontade
de seus dirigentes, a cumprir o que já está expresso na Lei 8.906/94, o
Estatuto da Advocacia, de modo que assim, “os postulantes oriundos da
Magistratura e do Ministério Público” serão também obrigados a fazer o Exame de
Ordem, se pretenderem exercer a advocacia.
Aliás,
prestem muita atenção, nobres dirigentes da OAB, porque se esse projeto for
aprovado, e os Magistrados e membros do Ministério Público também forem obrigados
a fazer o Exame da OAB, talvez seja esse o fim desse Exame inconstitucional.
3. As faculdades com índice zero e
o caso da ESMAC
Depois
do massacre do último Exame, que reprovou mais de 90% dos bacharéis inscritos,
a Ordem dos Advogados divulgou uma lista com as noventa faculdades que
obtiveram índice zero nesse Exame, porque os seus “estudantes de Direito se submeteram à última edição do Exame de Ordem,
mas, no entanto (sic), não tiveram nenhum candidato aprovado após as duas
etapas do exame” (Veja aqui a notícia na
página da OAB), e o Presidente da
OAB afirmou que pretende requerer ao Ministro que essas faculdades sejam
colocadas em regime de supervisão.
No entanto, o Ministro da Educação já se manifestou a
respeito, criticando os critérios da OAB, e dizendo, entre outras coisas, que não é possível
atribuir um índice de 100% de reprovação a uma faculdade que teve apenas um
inscrito no Exame da OAB:
“A lista da OAB com faculdades que não aprovaram nenhum
estudante no último Exame de Ordem não serve para avaliar os cursos de Direito.
A opinião é do ministro da Educação, Fernando Haddad. Nesta quinta-feira (7/7),
ele afirmou que os nomes servem apenas como subsídio. As informações são do blog
“Eu, Estudante”, do jornal Correio
Braziliense.
O ministro lembrou que a OAB
não trabalha com critérios estatísticos. "O nosso sistema tem uma robustez
no trato estatístico que a OAB não tem nem a pretensão de ter. Porque ela
avalia o candidato, não a instituição. Não devemos misturar os dois procedimentos", afirmou.
Na terça-feira (5/7), a OAB
pediu que o MEC colocasse as 90 faculdades "sob supervisão", o que
poderia resultar no fechamento das instituições. Para Haddad, um dos erros da OAB é dar índice de 100% de reprovação
às faculdades que tiveram apenas um inscrito, mas que não passou na prova. O ministro afirma que as
instituições continuarão a ser avaliadas pelo Exame Nacional de Desempenho de
Estudantes (Enade) — cujo desempenho suspendeu 34 mil vagas em cursos de
Direito.” (Veja
aqui)
Dentre as faculdades constantes dessa lista, existe uma paraense, de Ananindeua, a ESMAC - Escola Superior Madre
Celeste, que teve apenas um inscrito nesse Exame, e que, aliás, absurdamente,
ainda nem formou a sua primeira turma, porque somente teve seu Curso de Direito
autorizado no dia 05 de julho de 2007, pela Portaria n.° 618,
publicada em 9 de julho de 2007.
A
primeira turma de Direito da ESMAC estará iniciando agora em agosto o seu nono
semestre, o que significa que somente no próximo Exame da OAB poderia algum de
seus integrantes prestar esse Exame.
Essa
é a norma atualmente em vigor, constante do § 3º do art. 7º do Provimento nº
144/2011: “Poderão prestar o Exame de
Ordem os estudantes de Direito do último ano do curso ou do nono e décimo
semestres”
Não
se sabe como, portanto, apareceu na referida lista da OAB o nome de alguém que
seria, ou teria sido, aluno da ESMAC, se os seus alunos ainda estavam cursando
o oitavo semestre. Mas a verdade é que a OAB publicou o nome da ESMAC na lista
enviada ao Ministério da Educação, prejudicando assim aquela instituição de
ensino superior.
4. A
propaganda de um novo curso de direito
Mas
enquanto isso acontecia com a ESMAC, e com outras instituições, no âmbito da
OAB federal, o Presidente da OAB/PA, ao contrário, compareceu à inauguração de
uma nova faculdade de direito, em Belém (veja
aqui), para atuar como propagandista dessa
instituição, elogiando-a entusiasticamente perante as câmeras de uma TV
local.
Isso
é no mínimo curioso. Enquanto a OAB federal se preocupa em fechar cursos de
direito, supostamente de baixa qualidade, pelo simples fato de que um, apenas um, de seus acadêmicos foi reprovado no Exame da
OAB, ou de que um bacharel formado por esse curso foi reprovado também nesse
Exame, a OAB/PA, através de seu Presidente, aparece em público para prestigiar
a solenidade de inauguração de uma nova faculdade de direito, afirmando perante
a sociedade paraense que essa faculdade é de ótima qualidade.
Não
se sabe o que acontecerá dentro de alguns anos, se os resultados dessa
Faculdade no Exame de Ordem forem desastrosos, e se ela também for incluída em
uma dessas listas da OAB, para que seja fechada pelo MEC.
Não
se sabe se os pais que acreditaram no que disse o Presidente da OAB/PA, e pagaram cinco anos
de mensalidades para que os seus filhos cursassem essa Faculdade, poderão pedir
ao Presidente da OAB/PA a devolução do dinheiro gasto inutilmente.
Não
se sabe, também, por que o Presidente da OAB/PA disse que o curso de direito
dessa nova faculdade será de ótima qualidade.
Será
porque os seus professores serão todos conselheiros da OAB/PA? Acho que essa
não poderia ser a única razão, porque em todas as faculdades muitos dos
professores são também conselheiros da OAB/PA.
5.
Considerações finais
O Presidente da OAB continua
defendendo o Exame de Ordem com o único “argumento” de que dispõe: o de que o
Exame é necessário, porque as Faculdades de Direito não prestam e 90% dos
bacharéis que elas formam são despreparados para o exercício da advocacia.
Mas
como as faculdades não prestam? Se os professores dessas faculdades são
conselheiros da OAB, juízes, promotores e advogados inscritos na OAB?
E
a culpa dessa reprovação espetacular, é dos bacharéis somente? Ou serão
culpados, também, os professores, que aprovaram esses acadêmicos, durante os
cinco anos de seu curso?
Na minha opinião, se esse Exame fosse prestado pelos 600 mil
advogados inscritos na OAB, e especialmente pelos conselheiros da OAB, talvez o
índice de reprovação fosse pior.
Quantos
advogados, inscritos na OAB, conhecem a fundo o controle de
constitucionalidade, ou os detalhes de nosso processo legislativo e os
princípios básicos da legalidade e da supremacia constitucional?
Quantos
deles sabem o que é repercussão geral, assunto que o próprio Presidente da
OAB demonstrou desconhecer?
Quantos
deles sabem que um Provimento, ou seja, um simples ato administrativo, não pode
revogar uma lei, fato que o próprio Conselho Federal da OAB já demonstrou, por
diversas vezes, desconhecer completamente, quando abriu as exceções, já
referidas, para os Magistrados e para os membros do Ministério Público?
Quantos
advogados, inscritos na OAB, sabem que uma Lei inconstitucional não pode
prevalecer, mesmo que seja, supostamente, necessária?
Pois
bem: o Exame da OAB nem isso é. Ele não é,
absolutamente, necessário.
Se ele acabar, e deveria
acabar, porque é inconstitucional, porque só existe para os cursos jurídicos, porque
só existe para os novos bacharéis em direito, e porque não compete à OAB, nem a
qualquer conselho profissional, avaliar um diploma de uma instituição de
ensino, se ele acabar isso não será o fim do mundo.
Basta que seja criado –
pelo Congresso Nacional, claro - um Exame de Estado, feito pelo Ministério da
Educação, nos moldes do que existe na Itália, por exemplo, porque o Ministério
da Educação teria competência constitucional para isso, e não a OAB, e com um
detalhe: para todos, e não, apenas, para os bacharéis em direito – e agora
também para os contabilistas -, e não apenas para os novos bacharéis em
direito, somente para atender aos interesses dos dirigentes da OAB.