EXAME DA OAB PARA MESTRES E DOUTORES?
Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional
08.03.2011
Quem avalia os mestres e
doutores, que serão professores dos futuros advogados, em nossas faculdades de
direito? Ninguém?
Se os dirigentes da Ordem
dos Advogados dizem que o seu Exame é necessário, devido à proliferação de
cursos jurídicos de baixa qualidade, não seria também necessário um Exame da
OAB, para avaliar os mestres e doutores, que são formados por essas mesmas
instituições de ensino superior, supostamente de baixa qualidade?
O Exame da OAB é
inconstitucional, não resta dúvida. Primeiro, porque não compete à Ordem dos
Advogados reavaliar a qualificação profissional do bacharel em direito, que já
se encontra certificada por uma instituição
de ensino superior, autorizada e fiscalizada pelo MEC, através de um diploma,
devidamente registrado pelo próprio Ministério da Educação. Diploma esse que,
de acordo com o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, terá
“validade nacional como prova da
formação recebida por seu titular”. Também não competiria à OAB
‘regulamentar’ a lei que criou o Exame de Ordem, porque o poder regulamentar
compete privativamente ao Presidente da República, nos termos do art. 84, IV,
da Constituição Federal. Finalmente, o Exame da OAB é também inconstitucional
porque anula a liberdade de exercício profissional dos novos bacharéis em
direito, cláusula pétrea da Constituição de 1.988, mas não se aplica aos
advogados mais antigos, já inscritos na OAB, nem aos outros profissionais
liberais, como médicos, engenheiros, e tantos outros, ferindo, portanto, duplamente,
o princípio fundamental da isonomia, consagrado pelo ‘caput’ do art. 5º da
Constituição:
“Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:…”
No magistério de Celso Antonio
Bandeira de Mello,
“Violar um
princípio é muito mais grave que
transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas
a todo o
sistema de
comandos.
É a mais grave
forma de ilegalidade
ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o
sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível
a seu arcabouço
lógico e corrosão de sua estrutura
mestra. Isto
porque, com ofendê-lo,
abatem-se as vigas
que o sustêm e alui-se
toda a
estrutura nelas esforçada." (MELLO, Celso Antônio
Bandeira
de, Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. – São Paulo: Malheiros,
2000, p. 747/748.)
A violação ao princípio da isonomia,
portanto, seria, por si só, mais do que suficiente para fulminar qualquer
pretensão de constitucionalidade do Exame da OAB. Os bacharéis em direito são
os únicos que não podem exercer a sua profissão liberal, se não forem aprovados
em um Exame realizado pela sua própria corporação profissional. Quase 90% deles
são reprovados, a cada exame, três vezes por ano...
No
entanto, apesar de toda essa robusta argumentação, apesar de todas essas razões
jurídicas irrespondíveis, incontestáveis, os dirigentes da OAB continuam defendendo
a necessidade de seu Exame, como
se o que é inconstitucional pudesse ser necessário, sob a alegação de que
existe uma proliferação de cursos de direito, de baixa qualidade, e que muitos
dos bacharéis formados por esses cursos não têm a mínima condição de exercer a
advocacia. Alguns dos defensores do Exame chegaram a dizer que existe um
estelionato educacional, praticado pelas instituições de ensino, que se
preocupam apenas com o lucro de seus cursos.
Chegamos,
porém, agora, a uma situação inusitada, esdrúxula, ridícula: os dirigentes da
OAB aprovaram uma instrução normativa que institui um piso remuneratório para
os professores de direito. (VEJA AQUI)
Por
essa instrução normativa, os dirigentes da OAB, assumindo uma vez mais a sua
vocação sindicalista, decidiram que as próprias Seccionais da OAB, em cada
Estado, deverão fixar “um patamar remunerativo que assegure dignidade aos
professores de direito”.
Não se deve
esquecer que muitos desses professores são conselheiros da OAB, em cada Estado,
e estarão decidindo, assim, em causa própria, o seu “patamar remunerativo”.
Não se deve
esquecer, também, que o aumento da remuneração dos professores de direito
deverá acarretar, certamente, o aumento das mensalidades que são pagas pelos
acadêmicos de direito.
Não se deve
esquecer, também, que esses mesmos acadêmicos de direito, depois de cinco anos
de estudo, que muitos pagam com dificuldade, e muitos dependem da ajuda do
Prouni, ou de financiamentos através do FIES, que deverão ser pagos em no
máximo 15 anos após a conclusão do curso, esses mesmos acadêmicos serão depois
reprovados pelo Exame da OAB, ficando assim impedidos de exercerem a sua
profissão liberal, a advocacia.
Não se deve esquecer, também, que muitos
desses professores de direito, cuja dignidade os dirigentes da OAB pretendem
resguardar com o aumento de sua remuneração, paga pelos acadêmicos, depois que
90% de seus alunos forem reprovados, serão os primeiros a defenderem o Exame da
OAB, dizendo que ele é necessário, devido à proliferação de cursos de baixa
qualidade.
Ressalte-se que os
professores de direito precisam ser mestres ou doutores, por exigência do MEC, formados,
aliás, pelas mesmas instituições de ensino superior que os dirigentes da OAB
acusam da prática do já referido estelionato educacional. Ou, então, mestres ou
doutores formados em instituições do Mercosul, cujos diplomas terão validade no
Brasil, nos termos do acordo de Assunção, de 1.999, aprovado pelo Congresso
Nacional através do Decreto Legislativo nº 800, de 23.10.2003.
Ressalte-se, também, que
muitos dos professores das faculdades de direito são de outras áreas, e não
apenas da área jurídica. E muitos professores são bacharéis em direito, mas não
são inscritos na OAB, não são advogados, ou porque não querem, ou porque não
foram aprovados no Exame de Ordem.
Os dirigentes da OAB se
preocupam, portanto, com a remuneração dos professores de direito, com a
finalidade, evidentemente, dizem eles, de melhorar o ensino jurídico.
No
entanto, por que será que eles não se preocupam em verificar a formação dos
mestres e doutores? Será que todos eles estão realmente qualificados para o
exercício da docência em uma faculdade de direito? Quem avalia esses mestres e
doutores, que serão professores dos futuros advogados? Ninguém?
Se o
Exame da OAB é necessário, apesar de inconstitucional, para avaliar os
bacharéis em direito, não seria também necessário, apesar de inconstitucional,
um Exame da OAB para avaliar os mestres e doutores que serão responsáveis pela
formação jurídica dos futuros advogados?
Se os dirigentes da OAB
dizem que é necessário o Exame de Ordem, para verificar a qualificação
profissional dos bacharéis em direito, e proteger a sociedade contra os maus
profissionais, e se o Exame da OAB reprova até 90% dos candidatos, como seria
possível que os mestres e doutores, formados por essas mesmas instituições
supostamente mercantilistas, estivessem acima de qualquer suspeita, e não fosse
necessário, também, um Exame da OAB para os mestres e doutores?
A situação inusitada,
esdrúxula, ridícula, portanto, é esta: os bacharéis são avaliados pelo Exame da
OAB, mas os mestres e doutores não. O que acontece, na prática, então, é que o
bacharel em direito, reprovado no Exame da OAB, pode fazer um mestrado ou um
doutorado, no Brasil ou no exterior, e pode, assim, tranquilamente, lecionar em
uma faculdade de direito.
Absurdo e ridículo,
portanto. Se o bacharel, formado por uma dessas instituições de baixa
qualidade, mercantilistas, como dizem os defensores do Exame da OAB, e
reprovado nesse Exame, não tem condições, supostamente, de exercer a advocacia,
como é que ele pode ser professor dos futuros advogados?
Será que são realmente confiáveis
os mestrados e doutorados, dessas mesmas instituições supostamente
mercantilistas? Será que são confiáveis os mestrados e doutorados realizados no
Uruguai, no Paraguai ou na Argentina? Ou deveria ser criado um Exame da OAB
para os mestres e doutores, para que possa ser aperfeiçoado, realmente, o
ensino jurídico, como dizem que querem os dirigentes da OAB??
Se esse Exame fosse criado
pelo Congresso, é claro que ele seria também inconstitucional, pelos mesmos
motivos que contaminam juridicamente o Exame da OAB.
Mas seria necessário,
evidentemente, mesmo porque já existem professores de direito em excesso, e
está ficando cada vez mais difícil conseguir uma vaga para lecionar em uma
faculdade de direito. Hoje em dia, existe uma verdadeira proliferação de
mestres e doutores, porque está cada vez mais fácil conseguir um diploma de
mestrado e doutorado, quer no Brasil, quer nos países do Mercosul, em cursos de
férias, janeiro, julho, janeiro e julho.
Caberia aos dirigentes da
OAB, portanto, a iniciativa da elaboração de um anteprojeto de lei, que poderia
ser rapidamente aprovado pelo Congresso Nacional, para a criação de um Exame da
OAB para os mestres e doutores, tudo, evidentemente, no interesse do ensino
jurídico e para proteger a sociedade contra os maus advogados.
Com um pequeno detalhe,
porém: esse Exame para mestres e doutores somente seria obrigatório a partir da
publicação da lei. Os mestres e doutores antigos ficariam isentos de qualquer
avaliação, exatamente como foi feito em relação ao Exame da OAB para os bacharéis
em direito, porque os formados antes de 1.996 não foram obrigados a fazer esse
exame. Não é justo? Claro que sim, e é também necessário, mesmo porque eu não
estaria disposto a me submeter a uma avaliação dessas!
Assim, tendo em vista a necessidade,
dane-se, uma vez mais, a Constituição!
O que eu quero, mesmo, é
continuar lecionando, por mais uns dez anos, pelo menos, porque depois de 43
anos de magistério, não sei como eu poderia sobreviver sem isso! Não que eu
esteja assim tão preocupado com a remuneração do magistério, e com o aumento do
“patamar remunerativo” que está sendo decidido pelos dirigentes da OAB, mesmo
porque de nada adianta aumentar o valor da hora-aula, se a instituição corta a
carga horária pela metade, e entrega ao docente turmas de mais de sessenta
alunos. Mas acontece que, depois de 43 anos lecionando, e convivendo com esses
jovens, muitos dos quais reconhecem o esforço do professor, eu acho que não
poderia mesmo sobreviver sem isso!