EXAME DA OAB. O Projeto de Lei nº 1.284/2011, Ophir e
os “representantes de organizações de reprovados no teste”.
Fernando Lima
Professor de Direito
Constitucional
18.05.2011
SUMÁRIO: 1. Apresentação; 2. A OABB/MNBD é uma organização
de bacharéis reprovados no Exame de Ordem; 3. Esse projeto de lei tenta
enfraquecer a autonomia e independência da Ordem dos Advogados do Brasil, (…) o
que tornaria a Ordem mais uma entidade nas mãos do Poder; 4. A Ordem dos
Advogados do Brasil resistiu à ditadura militar e a sua história de luta merece
o respeito por parte de todos os segmentos da sociedade; 5. Considerações
finais.
1. Apresentação.
Em
nota oficial, a Ordem dos Advogados do Brasil divulgou a opinião do seu
Presidente, a respeito do Projeto de Lei nº 1.284/2.011, (VEJA AQUI
o PROJETO) de autoria do Deputado Jorge Pinheiro (PRB/GO), que prevê que o Exame de Ordem passe a ser
formulado, aplicado e corrigido, em suas duas fases, com a participação do
Ministério Público, da Defensoria Pública e com a participação, também, de um observador da Organização dos
Acadêmicos e Bacharéis do Brasil (OABB).
Sob
o título “Ophir condena projeto que inclui reprovados na organização do Exame”,
(VEJA AQUI A NOTA), o Presidente da OAB afirmou, entre outras coisas,
que:
a)
A OABB/MNBD é uma
organização de bacharéis reprovados no Exame de Ordem;
b)
Esse projeto de lei tenta
enfraquecer a autonomia e independência da Ordem dos Advogados do Brasil, (…) o
que tornaria a Ordem mais uma entidade nas mãos do Poder;
c)
A Ordem dos Advogados do
Brasil resistiu à ditadura militar e a sua história de luta merece o respeito
por parte de todos os segmentos da sociedade.
As
críticas descabidas e desrespeitosas dessa Nota Oficial demonstram que o
Presidente da OAB não admite a transparência em relação aos atos de nossa
entidade. Ele não admite a participação do Ministério Público, da Defensoria e
dos observadores da OABB/MNBD e de outras “organizações de bacharéis reprovados
no teste”, porque isso impediria os abusos que tornaram o inconstitucional Exame
de Ordem um instrumento de reserva de mercado, e não um filtro destinado a
aferir o conhecimento dos bacharéis em direito, como afirmam os seus
defensores. Vejamos essas afirmações, uma a uma.
2. A OABB/MNBD é uma organização de bacharéis
reprovados no Exame de Ordem.
A
OABB/MNBD, como diversas outras organizações que lutam contra o
inconstitucional Exame da OAB, não é uma
“organização de bacharéis reprovados no teste”.
A
OABB/MNBD é uma organização de bacharéis e advogados, todos eles cidadãos
brasileiros, que lutam pelo direito constitucional de exercício profissional da
advocacia, direito esse que vem sendo negado pela OAB e pelo Estado brasileiro aos
bacharéis em direito diplomados pelas nossas instituições de ensino superior.
A OABB (Organização dos
Acadêmicos e Bacharéis do Brasil) já deveria ser conhecida do Presidente da
OAB. Os seus representantes já participaram, juntamente com os representantes
da OAB, de inúmeras audiências públicas, para debater o Exame de Ordem, a
exemplo das realizadas no Espírito Santo, em outubro de 2007, no Rio Grande do
Sul, em novembro de 2007, em São Paulo, em fevereiro de 2008, ou no Senado
Federal, em março de 2008.
A OABB (Organização dos
Acadêmicos e Bacharéis do Brasil) já deveria ser conhecida do Presidente da
OAB, também, devido às inúmeras ações judiciais que tem patrocinado contra o
Exame de Ordem, a exemplo da Ação de Suspensão de Segurança nº 4.321, em
trâmite no Supremo Tribunal Federal.
O Presidente da OAB
deveria respeitar quem defende os seus direitos, mesmo que isso prejudique os
seus interesses, ou os interesses corporativos da OAB, e deveria respeitar,
também, como qualquer advogado, quem se encontra na polaridade oposta, de forma
pública, portanto, defendendo a inconstitucionalidade do Exame de Ordem e os
direitos fundamentais dos bacharéis em direito.
Aliás, ele deveria
respeitar, também, os magistrados que tem tido a coragem de enfrentar os
dirigentes da OAB, declarando a inconstitucionalidade do seu Exame. Apenas para
exemplificar, o dirigente da OAB já chegou ao ponto de criticar um magistrado
que concedeu liminar contra o Exame da OAB, dizendo que esse magistrado era
suspeito, porque o seu filho já havia sido reprovado nesse Exame. Como se hoje,
no Brasil, a maioria dos magistrados não tivesse filhos, netos e outros
parentes reprovados no Exame da OAB. Se isso fosse motivo para suspeição, a
grande maioria deles estaria impedida de decidir a respeito da
inconstitucionalidade do Exame da OAB.
A
OAB, através do seu Exame de Ordem, cuja inconstitucionalidade é tão evidente
que os seus defensores não a contestam, mas se limitam a dizer que o Exame é
necessário, atenta contra o direito fundamental de liberdade profissional
desses bacharéis, e o Presidente da OAB ainda toma a liberdade de menosprezá-los,
dizendo que a OABB/MNBD é uma “organização de bacharéis reprovados no Exame de
Ordem”.
A
OABB/MNBD não é uma organização de bacharéis reprovados no Exame de Ordem, e
esses bacharéis merecem o respeito dos dirigentes da OAB, que deveriam dar o
exemplo de um comportamento ético a todos os demais advogados.
Estou certo de que a imensa maioria dos
advogados inscritos na OAB não concorda com essa afirmação, feita pelo seu
dirigente, que certamente nunca fez o Exame de Ordem e que, muito provavelmente,
não seria aprovado nesse Exame. Mesmo assim, ninguém pensaria em afirmar que a
Ordem dos Advogados do Brasil é uma organização de bacharéis que nunca fizeram
o Exame de Ordem, que só passou a ser exigido a partir de 1.996. Por essa
razão, 400 ou 500 mil advogados, inscritos antes dessa data, nunca fizeram o
Exame da OAB.
Mesmo
assim, estou certo, repito, de que a OAB não é uma organização de bacharéis que
nunca fizeram o Exame de Ordem, e que precisem defender uma reserva de mercado,
através desse Exame, para que possam trabalhar mais tranquilamente, sem a
concorrência dos novos advogados.
A
OAB é uma organização de bacharéis que, em sua maioria, discordam, certamente,
dos rumos que a nossa entidade vem tomando, nessa questão do Exame de Ordem e
em tantas outras, mas que não conseguem ter representatividade nos Conselhos da
OAB, entre outros motivos, devido ao processo eleitoral antidemocrático das
chapas fechadas, que se mantém até hoje.
3. Esse projeto de lei tenta enfraquecer a autonomia e independência da
Ordem dos Advogados do Brasil, (…) o que tornaria a Ordem mais uma entidade nas
mãos do Poder.
Os
dirigentes da OAB querem fiscalizar “o Parlamento, o Executivo e o Judiciário”,
como afirma essa Nota, do Presidente da OAB, além das instituições de ensino
jurídico, cujo diploma é rasgado pela aplicação do Exame de Ordem. A OAB
indica, pelo quinto constitucional, os seus representantes nos tribunais
estaduais e federais. Os dirigentes da OAB indicam representantes para o
Conselho Nacional de Justiça e para o Conselho Nacional do Ministério Público.
Os próprios concursos de ingresso na magistratura e no Ministério Público são
fiscalizados por representantes da OAB. Nem por isso, no entanto, algum
representante da magistratura ou do “parquet” teria a coragem de alegar que
essa fiscalização, pela OAB, tenta enfraquecer a sua autonomia e a sua
independência. Afinal, em uma República, todos devem ser responsáveis. Ninguém
pode ter poderes absolutos. Ninguém pode estar isento de fiscalização.
O
próprio Supremo Tribunal Federal tem as suas contas fiscalizadas. O Congresso
Nacional tem as suas contas fiscalizadas. O Executivo tem as suas contas
fiscalizadas, em todos os níveis de governo. O Presidente da República veta os
projetos aprovados pelo Congresso Nacional. O Congresso Nacional fiscaliza os
atos do Executivo. Qualquer juiz ou tribunal pode – e deve – negar aplicação
aos atos normativos aprovados pelo Legislativo e pelo Presidente, se esses atos
contrariarem a Constituição Federal. Todos os Poderes são fiscalizados e
controlados, portanto, e isso não “enfraquece a sua autonomia e independência”,
e não os torna “mais uma entidade nas mãos do Poder”.
Mas
a OAB, que não presta contas a ninguém, e que deseja fiscalizar o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário, não aceita nem a fiscalização do seu Exame de
Ordem, porque isso “tornaria a Ordem mais uma entidade nas mãos do Poder”. Isso
é um absurdo. O que o Presidente da OAB pretende, com isso, é que a OAB seja um Poder absoluto, acima de
todos os outros Poderes, o que seria impossível, evidentemente, em uma
república democrática.
4. A Ordem dos Advogados do Brasil resistiu à
ditadura militar e a sua história de luta merece o respeito por parte de todos
os segmentos da sociedade.
Evidentemente,
a Ordem dos Advogados do Brasil, como instituição, merece todo o nosso
respeito. Os bacharéis em direito não são inimigos da OAB. O que eles querem,
apenas, é que seja reconhecido o seu direito constitucional de exercer a
advocacia, tendo em vista que o seu diploma de bacharel em direito, nos termos
do art. 48 da Lei nº 9.394/1.996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), já atesta a sua qualificação
para o exercício profissional, não podendo ser anulado por um Exame inconstitucional: “Art. 48. Os diplomas de cursos superiores
reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da
formação recebida por seu titular.”
A
Ordem dos Advogados do Brasil merece todo o nosso respeito. Mas não alguns de
seus dirigentes. Não é verdade que a
Ordem dos Advogados do Brasil tenha “resistido à ditadura militar”. Pelo menos,
não em um primeiro momento, e não durante os primeiros anos da ditadura. Ao
contrário, vários de seus dirigentes se beneficiaram do apoio que deram ao
golpe, e isso é fato histórico, comprovado pelo exame das Atas do próprio
Conselho Federal da OAB, efetuado pela Doutora Denise Rollemberg, Professora da
Universidade Federal Fluminense. (Ver: MEMÓRIA, OPINIÃO E CULTURA POLÍTICA. A ORDEM
DOS ADVOGADOS DO BRASIL SOB A DITADURA (1964-1974) = http://www.profpito.com/DeniseOAB.pdf)
Os dirigentes da OAB
apoiaram, em 1.964, o golpe militar, como pode ser constatado pela leitura
dessa pesquisa, realizada pela Doutora Denise Rollemberg, repito, nas próprias
Atas das Reuniões do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil:
“No dia 7 de abril de
1964, o Conselho Federal da OAB realizou uma sessão ordinária. Era a primeira
após o golpe de estado que depusera alguns dias antes o Presidente João
Goulart. A euforia transborda das páginas da ata que registrou o encontro. A
euforia da vitória, de estar ao lado das forças justas, vencedoras. A euforia
do alívio. Alívio de salvar a nação dos inimigos, do abismo, do mal. Definindo
todos os Conselheiros como “cruzados valorosos do respeito à ordem jurídica e à
Constituição”, o então Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil/OAB, Carlos
Povina Cavalcanti, orgulhoso, se dizia “em paz com a nossa consciência”.
Não se pode esquecer,
também, que o Ato Institucional nº 2, de 1965, que foi elaborado com a
participação de Nehemias Gueiros, ex-Presidente da OAB e seu Conselheiro-nato – porque todos os
ex-Presidentes passam a integrar o Conselho Federal -, aumentou para dezesseis
o número de Ministros do Supremo Tribunal Federal, extinguiu os partidos políticos
e ampliou a competência da Justiça Militar. Em novembro de 1965, outro
ex-Presidente da OAB, Prado Kelly, tomava posse como Ministro do Supremo, em
uma dessas vagas, e a Doutora Denise Rollemberg relatou que:
“Na Ata, os
Conselheiros rejubilavam-se pela escolha dos novos Ministros do Supremo
Tribunal Federal e Procuradoria Geral da República, recrutados entre antigos
advogados e ex-membros do Conselho Federal, propondo um voto de louvor”.
5. Considerações finais
O Exame da OAB é inconstitucional, e disso
ninguém mais duvida.
No entanto, a OAB, com todo o seu poder, tem conseguido pressionar o Congresso Nacional
e o Poder Judiciário para que esse Exame seja mantido.
Mas o que os bacharéis em direito querem, ao
menos, se ou enquanto esse Exame inconstitucional continuar existindo, o que
eles querem, apenas, com esse Projeto de Lei, tão violentamente criticado pelo
Presidente da OAB, é que esse Exame seja mais justo, que haja transparência, e
que os dirigentes da OAB não possam, arbitrariamente, decidir os destinos de
todos os bacharéis em direito, sem qualquer controle externo, como se a OAB
fosse um poder absoluto.
Aliás,
o Poder da OAB é tão grande que ela conseguiu, até hoje, evitar qualquer tipo
de controle sobre as suas contas. Todos os Poderes e todas as outras autarquias
profissionais prestam contas ao Tribunal de Contas da União, mas não a OAB, sob
a alegação de que isso restringiria a sua independência.
Quando uma ação proposta
pelo Ministério Público Federal exigiu que a OAB contratasse seus servidores
por concurso público, como qualquer outro conselho profissional, e fizesse
licitações para suas múltiplas obras, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal,
na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.026, em 2.009, cujo relator foi o
ex-Ministro Eros Grau, e o Supremo absurdamente decidiu que “a OAB é uma
entidade ímpar”. A OAB não é mais uma autarquia, de acordo com essa Decisão do
Supremo Tribunal Federal. Mas o que é a OAB, então??
Não se sabe, hoje, qual a
sua natureza jurídica, mas o fato é que ela não faz concurso público, ela contrata quem os seus dirigentes querem, ela
não faz licitação para nada e não abre seus livros contábeis para o Tribunal de
Contas da União. A OAB passou a ser uma entidade acima da Lei e acima da
própria Constituição. A OAB quer fiscalizar a tudo e a todos e não quer ser
fiscalizada em nada.
Ela não quer ser “mais uma
entidade nas mãos do Poder”. O que ela quer é ser o próprio Poder. Mas essa
época, do “l’État c’est moi”, já passou, há muito tempo. Ou será que não??