EXAME
DA OAB.Criticar, agora, é crime.
Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional
14.02.2011
“Foi como agitador
do povo e subversor das instituições que se imolou Jesus. E, de cada vez que há
precisão de sacrificar um amigo do direito, um advogado da verdade, um protetor
dos indefesos, um apóstolo de idéias generosas, um confessor da lei, um
educador do povo, é esse, a ordem pública, o pretexto, que renasce, para
exculpar as transações dos juízes tíbios com os interesses do poder.” (Ruy Barbosa,
31.03.1899, O Justo e a Justiça Política)
Sob
o título “Exame protege o cidadão que precisa de advogado”, a Revista Consultor
Jurídico publicou, no último dia 3 de fevereiro, (VEJA AQUI), um artigo
assinado pelo Dr. Marcus Vinicius Furtado Coelho, Secretário-Geral do Conselho
Federal da OAB, que já havia publicado antes, na mesma Revista, em dezembro
próximo passado, o artigo “Exame de Ordem é constitucional e protege o cidadão”
(VEJA AQUI). No artigo
agora publicado, contudo, para dar maior credibilidade, assinou também o
ilustre Presidente do Conselho Federal da OAB, o Dr. Ophir Cavalcante Júnior.
Argumentos
jurídicos, neste novo artigo, não existem. Os autores não dizem como seria possível
defender a existência de um exame de qualificação, como o da OAB, realizado por
um conselho profissional, e não pelo MEC, que teria, este sim, a competência
constitucional para essa avaliação, e que existe, esse exame, apenas para os
bacharéis em direito, como se um médico incompetente não fosse muito mais
perigoso para a sociedade, e como se um engenheiro incompetente não fosse
capaz, também, de derrubar um prédio de trinta e cinco andares, causando um
enorme desastre, com a perda de centenas de vidas. Bem a propósito, um desastre
desse tipo ocorreu há poucos dias em Belém, felizmente em um prédio ainda
desabitado, mas não se sabe se houve realmente a falta de qualificação dos
profissionais responsáveis pela construção. Não se sabe, também, se a possível
existência de um Exame do CREA teria o condão de evitar que esses desastres
acontecessem.
Os Drs. Marcus
e Ophir, no entanto, além dos mesmos argumentos de sempre, ou seja, os de que
existe um número excessivo de faculdades de direito, existem muitas faculdades
de péssima qualidade, e o exame da OAB é necessário para combater esse
“escandaloso quadro de estelionato educacional”, procuraram agora defender o
seu Exame com dois argumentos novos: a) os próprios bacharéis que se submetem
ao Exame da OAB são favoráveis à sua realização; e b) constitui crime criticar
o Exame da OAB, ou tentar ingressar na carreira sem a realização desse Exame!
Vejamos
como os ilustres autores usaram esses “argumentos”.
No primeiro, disseram eles que, em uma pesquisa da
Fundação Getúlio Vargas, “junto aos bacharéis em
Direito que realizaram a primeira fase do mais recente Exame de Ordem”, “foram
ouvidos 1.500 bacharéis de Direito em todas as regiões do país”, e que essa
pesquisa “expõe a majoritária aceitação do Exame de Ordem pelos próprios
examinados”. Segundo essa pesquisa, “nada menos de 83% dos entrevistados
consideraram o exame importante ou muito importante para manter o bom nível da
advocacia”, e 82% foram favoráveis à realização do exame, enquanto 86%
preferiram o modelo unificado em todo o país.
Pois bem. O resultado dessa pesquisa, mesmo que
refletisse a realidade, não teria nenhuma importância para a discussão da
inconstitucionalidade do Exame da OAB. Isso é evidente. O que é inconstitucional
não pode ser necessário, nem nos interessa que seja preferido pela opinião
pública. Enquanto o Brasil adotar o princípio da supremacia constitucional, as
leis inconstitucionais deverão ser inteiramente nulas e deverão ser derrubadas
pelo Judiciário. Não é possível que um advogado use esse tipo de argumento: a
lei é inconstitucional, mas é necessária, e as próprias vítimas concordam com a
sua necessidade!
Mas eu tenho dúvidas a respeito dessa pesquisa,
realizada pela própria FGV – parte interessada no processo – e respondida pelos
candidatos inscritos no Exame. (VEJA AQUI)
Se essa pesquisa fosse verdadeira, como seria possível
explicar os resultados de uma outra pesquisa realizada, na mesma época, pelo
Portal de Notícias do Senado Federal, na qual apenas 5,7% dos votos foram
favoráveis à manutenção do Exame da OAB? Nesta pesquisa, aliás enquete, votaram
167.355 pessoas, enquanto na pesquisa da FGV foram ouvidos, supostamente, apenas 1.500 bacharéis. (VEJA AQUI A ENQUETE DO SENADO
– clique em Exame de Ordem - OAB)
Aliás,
o Exame 2010.2, que reprovou quase 90% dos candidatos inscritos, vem sendo
questionado na justiça, e o MPF ingressou com Ações em vários Estados, para
exigir da OAB/FGV uma nova correção das provas, que atenda ao disposto no
Provimento nº 136/2009 e ao Edital do “concurso”. Será que aqueles bacharéis
ouvidos na pesquisa da FGV ainda não mudaram de opinião?
Mas
a própria OAB, que afirma ser majoritária a aceitação do Exame de Ordem pelos
próprios examinados, se contradisse, em recente petição de suspensão de
segurança (VEJA
AQUI - SS4321), ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal,
contra uma decisão do TRF da 5ª Região, quando afirmou que teme “uma
enxurrada de ações judiciais com idêntico objeto tão logo finalize o
recesso de natalino” e concluiu, dizendo que:
“Pelo
exposto, é imperiosa a necessidade de suspensão imediata e liminar dos
efeitos da r. decisão concedida pelo Desembargador Federal Vladimir Souza
Carvalho, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nos Autos do
Agravo de Instrumento nº 0019460-45.2010.4.05.0000, uma vez que restam
claros e comprovados (sic) a violação perpetrada à ordem pública, jurídica e
administrativa da OAB.” (grifos e erros do original)
Mas o segundo “argumento” dos ilustres autores é
ainda pior. Dizem eles:
“Infelizmente, alguns
bacharéis menos avisados tornam-se presas fáceis dos artifícios montados pelos opositores do Exame e buscam a
todo custo forçar uma situação que lhes permitam (sic) ingressar na carreira, incorrendo
prematuramente no grave delito de
burlar a legislação federal (Lei 8.906), segundo a qual a Exame é
necessário para o exercício da Advocacia.”
Afinal
de contas, o que será que eles querem dizer com isso?
Quais
seriam esses “artifícios montados pelos opositores do Exame”?
Será que
peticionar em defesa de direitos pode ser rotulado como artifício?
Será que ingressar em juízo contra uma norma
inconstitucional é “forçar uma situação”?
E desde quando constitui crime dizer que o Exame da
OAB é inconstitucional, ou peticionar ao Judiciário, alegando a sua
inconstitucionalidade?
Eu desconheço, até esta data, a existência de
qualquer lei que tenha tipificado esse crime. A não ser que tenha sido uma
decisão do Conselho Federal da OAB, se ele já tiver competência para tanto. Ou,
talvez, um anteprojeto da OAB, que será aprovado com efeito retroativo, pelo
Congresso Nacional.
Os ilustres autores deveriam saber que “não haverá
crime sem prévia cominação legal”, no enunciado que já existe desde 1.764, com
a obra do jurista italiano Cesare Bonesana Beccaria, “Dos Delitos e das Penas”,
e que no Brasil é hoje cláusula pétrea, porque integra o catálogo de direitos
fundamentais do artigo 5º de nossa Constituição.
Os autores deveriam saber, também, que não é permitido
acusar alguém da prática de um crime, e muito menos da prática de um “grave
delito”. Aliás, o que seria isso? Talvez uma modalidade qualquer de crime
hediondo?
Confesso que fiquei bastante preocupado, porque não
sei se cometi “o grave delito de burlar a Lei 8.906”, ou se, como opositor do
Exame, contra o qual já escrevi inúmeros artigos, eu poderia ser acusado de
“montar algum artifício”, concorrendo assim para a prática do crime de burlar a
Lei 8.906, e incorrendo, portanto, nas mesmas penas previstas para quem pratica
esse crime. Pensei, mesmo, na possibilidade de manejar um pedido de
explicações, para que pudessem ser esclarecidas todas essas dúvidas.
No entanto, partindo de quem partiram essas
acusações, desisti, porque é muito possível que elas sejam verdadeiras, e que
exista, realmente, esse crime, tipificado já, em alguma legislação esparsa.
Confesso a minha ignorância, que evidentemente não será capaz de justificar o
meu “grave delito”, mas prometo que, de hoje em diante, vou dizer que o Exame
da OAB é necessário.