DIREITO CONSTITUCIONAL I |
|
Professor FERNANDO LIMA |
|
a)
Noção de princípio
b)
Princípios
Fundamentais na Constituição da República
Os princípios são as idéias fundamentais do sistema
jurídico. Sua função é a de conferir ao sistema um sentido lógico, harmonioso e
racional, facilitando a compreensão de seu funcionamento. Podemos afirmar,
também, que os princípios exercem a função de legitimar o ordenamento jurídico.
Carlos Alberto Bittar diz que os princípios legitimam o ordenamento jurídico,
na medida em que representam os ideais primeiros de justiça, que se encontram
ínsitos na consciência coletiva dos povos, através dos tempos e dos espaços.
Miguel Reale ensina que os princípios, como
enunciações normativas de valor genérico, atuam como condicionantes e
orientadores do sistema jurídico, tanto para sua integração, como para a
elaboração de novas normas.
Celso
Antônio Bandeira de Mello alerta para o perigo da transgressão de um princípio:
“Princípio, já averbamos alhures, é, por definição, mandamento nuclear de um
sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido humano. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das
diferentes partes componentes do todo unitário, que há por nome sistema jurídico
positivo. Violar um Princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a
mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
e corrosão de sua estrutura mestra.”
Sendo a Constituição o texto legal supremo e
fundamental de um Estado, podemos aferir, mesmo intuitivamente, que os
princípios nela contidos expressamente, ou dela extraídos, configuram-se como
os princípios norteadores fundamentais de todo o ordenamento jurídico do
Estado.
Ao
se elaborar uma Constituição, o constituinte elege, ‘a priori’, quais serão
estes princípios. Mas, esta eleição não ocorre de forma alheia ou seguindo a
vontade de uns poucos indivíduos. Para que a Constituição seja a efetiva
tradução dos anseios da sociedade naquele momento, esta escolha deve levar em
consideração o momento social, político, histórico, e econômico da Nação. Em outras
palavras, os princípios deverão advir da escolha da sociedade, como um corpo
único, que neste momento determina quais serão as linhas orientadoras de sua
conduta, quais são os valores que estão presentes em seu espírito social,
advindos do seu desenvolvimento através da história, como povo organizado sobre
um determinado território, detentor da soberania de auto-determinar seu
presente e seu futuro.
Canotilho
considera os princípios constitucionais a alma da Constituição, e os classifica
em quatro grupos, a saber:
a)
os fundamentais – aqueles historicamente objetivados e progressivamente
introduzidos na consciência jurídica, e são recepcionados expressa ou
implicitamente no texto constitucional;
b)
os politicamente conformadores – aqueles que demonstram, de forma explícita, as
valorações políticas fundamentais do legislador constituinte;
c)
os impositivos – todos os que impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao
legislador, a realização de fins e execução de tarefas;
d)
os de garantia – os que estabelecem, de forma direta e imediata, uma garantia
para os cidadãos.
Os
Princípios Fundamentais, portanto, são
aqueles que visam essencialmente definir e caracterizar a coletividade política
e o Estado, e enumerar as principais opções político-constitucionais constantes
da Constituição. São os princípios definidores da forma, da estrutura e do tipo
de Estado (art. 1º), da forma de governo e da organização dos poderes (arts. 1º
e 2º), da organização da sociedade (art. 3º, I), do regime político (art. 1º,
parágrafo único), dos deveres do Estado (art. 3º, II, III e IV), e do
relacionamento com a comunidade internacional (art.4º ).
Ver o PREÂMBULO
e os arts. 1° a 4° da CF/88
A Constituição Federal de 1988, em seu
primeiro Título, enumera os Princípios Fundamentais
da República Federativa do Brasil, que têm como objetivo precípuo
demonstrar ao homem os seus direitos, e as obrigações que ele tem em relação ao
Estado, bem como em relação aos demais componentes da sociedade, porque somente
a partir desse conhecimento é que o cidadão poderá fazer valer os seus direitos
fundamentais, elencados na Constituição Federal.
Os princípios
constitucionais, portanto, guardam os valores
fundamentais da ordem jurídica. Os
princípios não se destinam a regular situações específicas, como as regras jurídicas,
mas lançam a sua força sobre todo o mundo jurídico. Os princípios ocupam uma
posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla
do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde
em carga normativa ganha como força valorativa, a espraiar-se por cima de um
sem-número de outras normas.
O reflexo mais
imediato disso é o caráter de sistema
que os princípios impõem à Constituição. Sem os princípios, a Constituição
se pareceria mais com um aglomerado de normas que só teriam em comum o fato de
estarem juntas no mesmo diploma jurídico. A Constituição não seria reconhecida
como um todo sistemático e congruente. Desta forma, por mais que certas normas
constitucionais demonstrem estar em contradição, esta aparente contradição deve
ser minimizada, pela força catalisadora dos princípios.
Outra função muito
importante dos princípios é servir como
critério de interpretação das normas constitucionais, seja ao legislador
ordinário, no momento de criação das normas infraconstitucionais, seja aos
juízes, no momento da aplicação do direito, seja aos próprios cidadãos, no
momento da realização de seus direitos.
Em resumo, os
princípios constitucionais são aqueles valores, consagrados pela Constituição
Federal, com a finalidade de dar sistematização ao documento constitucional, de
servir como critério de interpretação e finalmente, o que é mais importante, de
espraiar os seus valores sobre todo o mundo jurídico.
Esses princípios
são tão importantes, que alguns deles são considerados como cláusulas pétreas,
ou seja, imutáveis – CF/88, art. 60, §4°.
Os princípios
fundamentais são, portanto, os valores ordenadores, são as idéias fundamentais
e informadoras do sistema jurídico, variando conforme o momento histórico,
social e político de cada sociedade. Os princípios fundamentais são a base
estrutural de qualquer sistema jurídico. Eles podem ser considerados “o
espírito da Constituição”. Os princípios atuam como pressupostos do sistema,
servindo para legitimá-lo.
Existem também os
sub-princípios, que são derivados dos princípios maiores, fundamentais, como,
por exemplo, do Princípio Democrático extraímos o Princípio do Sufrágio
Universal.
Norberto
Bobbio, em seu livro Teoria do Ordenamento Jurídico, ensina que: “ao lado dos
princípios gerais expressos há os não-expressos, ou seja, aqueles que se podem
tirar por abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são
princípios, ou normas generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca
colher, comparando normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que
comumente se chama o espírito do sistema.”
Os Princípios do
Estado Democrático de Direito (texto
extraído do artigo O Estado Democrático de Direito, de José Afonso da Silva - http://mx.geocities.com/profpito/estado.html
)
a) princípio da constitucionalidade, que
exprime, em primeiro lugar, que o Estado Democrático de Direito se funda na
legitimidade de uma Constituição rígida, emanada da vontade popular, que,
dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos deles provenientes,
com as garantias de atuação livre da jurisdição constitucional;
b) princípio democrático que, nos termos da
Constituição, há de constituir uma democracia representativa e participativa,
pluralista, e que seja a garantia geral da vigência e eficácia dos direitos
fundamentais (art.1o);
c) sistema de direitos fundamentais
individuais, coletivos, sociais e culturais (Títs. II, VII e VIII);
d) princípio da justiça social, referido no
art.170, caput, no art. 193, como princípio da ordem econômica e da
ordem social; como dissemos, a Constituição não prometeu a transição para o
socialismo mediante a realização da democracia econômica, social e cultural e o
aprofundamento da democracia participativa, como o faz a Constituição
portuguesa, mas abre-se ela, também,
para a realização da democracia social e cultural, embora não avance
significativamente rumo à democracia econômica;
e) princípio da igualdade (art. 5o,
caput, e inciso I);
f) princípio da divisão de poderes (art. 2o)
e da independência do juiz (art. 95);
g) princípio da legalidade (art. 5o,
II);
h) princípio da segurança jurídica (art. 5o,
XXXV a LXXII).
Tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito - A tarefa
fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as
desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize
a justiça social.
Classificação dos
Princípios Constitucionais
(e limitação do Poder Constituinte
Decorrente)
O art. 25 da CF/88
dispõe: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
Não se deve esquecer,
portanto, que o chamado poder constituinte decorrente do
Estado-membro é, por sua natureza, um poder constituinte limitado, ou seja, é
um poder sujeito a limites jurídicos, impostos pela Constituição Maior.
Essas limitações
são de duas ordens: (1) as Constituições estaduais não podem contrariar a
Constituição Federal (limitação
negativa); e (2) as Constituições estaduais devem concretizar no âmbito
territorial de sua vigência os preceitos, o espírito e os fins da Constituição
Federal (limitação positiva).
A
idéia de limitação material (positiva ou negativa) do poder constituinte
decorrente remonta, no Direito Constitucional brasileiro, à Constituição de
1891, que, no art. 63, previa que cada Estado seria regido "pela
Constituição e pelas leis" que adotasse, "respeitados os
princípios constitucionais da União". Embora o texto não explicitasse
quais eram esses princípios, havia um certo consenso na doutrina sobre o
conteúdo dessa cláusula. Assim, as controvérsias político-constitucionais resultantes
dessa imprecisão levaram o constituinte derivado, na Reforma de
A
doutrina brasileira tem-se esforçado para classificar esses princípios
constitucionais federais que integram, obrigatoriamente, o direito
constitucional estadual. Na conhecida classificação de José Afonso da Silva,
esses postulados podem ser denominados princípios constitucionais sensíveis,
extensíveis e estabelecidos.
Os princípios
constitucionais sensíveis são aqueles cuja observância é
obrigatória, sob pena de intervenção federal (CF 1988, art. 34, VII). A
Constituição de 1988 foi moderada na fixação dos chamados princípios
sensíveis. Nos termos do art. 34, VII, devem ser observados pelo
Estado-membro, sob pena de intervenção: a) forma republicana, sistema
representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia
municipal; d) prestação de contas da administração pública direta e indireta.
Os princípios
constitucionais extensíveis consistem nas regras de organização que
a Constituição estendeu aos Estados-membros.
Os princípios
constitucionais estabelecidos seriam aqueles princípios que limitam
a autonomia organizatória do Estado (por exemplo, CF/88, art. 37). As
limitações que decorrem desses princípios podem ser: I) expressas; implícitas;
e III) decorrentes do sistema constitucional adotado. As limitações expressas subdividem-se
em vedatórias, que proíbem os estados de adotar determinados atos ou
procedimentos, e mandatórias, que determinam a observância de certos
princípios. As limitações implícitas
não estão estabelecidas textualmente na Carta Magna, mas são percebidas a partir de certas regras
dispostas esparsamente na Constituição. São exemplos a separação dos poderes e
a unicameralidade do poder legislativo dos Estados-membros e dos Municípios. Já
as limitações decorrentes do sistema
decorrem da interpretação sistemática do texto constitucional. Um bom exemplo é o
princípio do pacto federativo, que é percebido a partir da igualdade entre as
pessoas federadas.
RESUMO
Portanto, os
princípios que limitam a capacidade constitucional de organização dos Estados
membros são divididos pela doutrina em sensíveis e estabelecidos.
São princípios
constitucionais sensíveis a forma republicana, o sistema representativo, o
regime democrático, os direitos da pessoa humana, a autonomia municipal e a
prestação de contas da administração pública, direta e indireta. Esses
princípios constituem a essência da
organização constitucional do Estado-membro brasileiro. A União poderá
intervir em qualquer dos Estados membros ou no Distrito Federal para assegurar
a observância dos princípios constitucionais sensíveis (CF/88, art. 34, inciso
VII).
São princípios
constitucionais estabelecidos todos os outros, estabelecidos em diversos
artigos da Constituição Federal. A sua inobservância pelos Estados-membros não
poderá acarretar a intervenção federal, mas apenas a inconstitucionalidade.
Os princípios
constitucionais extensíveis são regras de organização da União que também
são de cumprimento obrigatório pelos Estados-membros. Entretanto, devemos
ressaltar que o descumprimento de tais princípios não gera a intervenção
federal.
Não confunda: as cláusulas pétreas pétreas limitam o poder
reformador. As cláusulas pétreas são: a forma federativa de estado; o voto
direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e
garantias individuais (CF/88, art. 60, §4°)
LEITURA COMPLEMENTAR (1)
Trata
das inovações axiológicas e principiológicas trazidas pela Constituição da
República de 1988 em relação ao ordenamento jurídico anterior.
21/12/2006
http://www.direitonet.com.br/artigos/x/30/66/3066/
A Constituição Federal de
1988 se opôs às demais Constituições anteriores ao instituir um Estado
Democrático e Social de Direito no País, consolidando e buscando efetivar as
liberdades e garantias fundamentais. O processo de transição iniciado em 1985 e
que se corporificou com a Lei Maior de 1988 inovou ao incluir na ordem jurídica
nacional princípios antes nunca garantidos.
Percebe-se essas alterações
já em seu preâmbulo, quando denota a função de Estado de assegurar “o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias”.
Sobre o sentimento que a
advinda da Constituição proporcionou, Luís Roberto Barroso e Ana Paula
Barcellos ensinam [1]:
A Constituição de 1988 foi
o marco zero de um recomeço, da perspectiva de uma nova história. Sem as velhas
utopias, sem certezas ambiciosas, com o caminho a ser feito ao andar. Mas com
uma carga de esperança e um lastro de legitimidade sem precedentes, desde que
tudo começou. E uma novidade. Tardiamente, o povo ingressou na trajetória
política brasileira, como protagonista do processo, ao lado da velha
aristocracia e da burguesia emergente.
O Constituinte deixou clara
sua intenção de “outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas
embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e
especificamente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais” [2]. Da mesma forma, sem precedentes em nossa história constitucional
o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento de
nosso Estado, servindo de critério e parâmetro de valoração para compreender e
interpretar todo o sistema jurídico brasileiro.
Barroso e Barcellos afirmam
que [3]:
a lei fundamental e seus
princípios deram novo sentido e alcance ao direito civil, ao direito
processual, ao direito penal, enfim, a todos demais ramos jurídicos. A
efetividade da constituição é a base sobre a qual se desenvolveu, no Brasil, a
nova interpretação constitucional.
Tendo como orientação
interpretativa do ordenamento jurídico fundado no princípio da dignidade da
pessoa humana e a prevalência dos princípios direitos humanos regendo as
relações internacionais brasileiras, reiteram a vontade da Constituição em
instituir um Estado Democrático de Direito, rompendo assim, definitivamente,
com a ordem ditatorial vigente a partir de 1964, fazendo germinar um processo
democrático no país.
Neste sentido Flávia
Piovesan assevera que [4]:
a ordem constitucional de
1988 apresenta um duplo valor simbólico: é ela o marco jurídico da transição
democrática, bem como da institucionalização dos direitos humanos no país. A
Carta de 1988 representa a ruptura jurídica com o regime militar autoritário
que perpetuou no Brasil de
Ao consagrar expressamente
o principio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito o Constituinte de 1988 “reconhece categoricamente que é
o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser
humano constitui a finalidade precípua, e não meio de atividade estatal” [5], servindo de base fundamentadora não só para os direitos fundamentais
mas para todo o ordenamento jurídico, faz com que esta seja considerado uma das
maiores inovações da Constituição Federal de 1988.
Diante do exposto,
percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana “constitui, em verdade
uma norma legitimadora de toda a ordem estatal e comunitária, demonstrando, em
ultima análise, que a nossa Constituição é, acima de tudo, a Constituição da
pessoa humana por excelência” [6].
[1] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2 ed. revista e atualizada.
[2] SARLET, Ingo Wofgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais
na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
p. 61.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Loc. cit. p. 229-230.
[4] PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo:Max
Limonad,1998. p. 206.
[5] SARLET, Ingo Wofgang. Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2002. p. 65.
[6] SARLET, Ingo Wofgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed.
LEITURA COMPLEMENTAR (2)
PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS E INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL
(Análise meta-jurídica dos fundamentos
axiológicos do ordenamento constitucional)
Augusto Zimmermann
http://www.achegas.net/numero/nove/augusto_zimmermann_09.htm
1 –
Considerações iniciais
Os princípios constitucionais não são apenas relevantes à questão da mera
legalidade formal, mas igualmente referentes à criação de uma concepção mais
propriamente axiológica do direito, em termos da objetivação de certos valores
sócio-políticos subsistentes quando da formalização jurídica do direito
constitucional pelo poder constituinte. Não obstante à existência de valores
legitimadores de um constitucionalismo moderno e democrático, nós apontaríamos,
do mesmo modo, para a necessidade de uma certa avaliação sociológica dos
princípios constitucionais, no tocante à intrínseca conexão destes com os
chamados elementos meta-juridicos da nação.
Por isso, nós almejamos estabelecer uma concepção teórica muito mais ampla do
que a meramente jurídica, por intermédio da qual os princípios fundamentais
esculpidos numa constituição escrita representariam determinados valores
transcendentais ao ordenamento jurídico-positivo do Estado. Em outras palavras,
nós podemos compreender que estes princípios se apresentariam como elementos
meta-jurídicos e reguladores do direito positivo, mas que não precisam estar
diretamente configurados pela constituição escrita, muito embora essencialmente
compreendidos como axiológicos em relação ao alcance da “eticidade mínima”
(Savigny) desta mesma constituição.
Para resumir, todo e qualquer ordenamento constitucional revela, implícita e
explicitamente, a existência de determinados princípios observáveis como
fundamentais, e que, em virtude deste fato, devem ser compreendidos como
fatores modelantes de uma certa concepção valorativa do constitucionalismo. Por
meio destes princípios, constituições escritas são reconhecidas como uma
espécie de moralidade jurídica.[i] E, além disso, tais princípios
podem ser observados como regulatórios da criação de normas legislativas e, em
sentido amplo, do processo geral de criação do direito positivo.[ii]
Estes princípios não precisariam de sequer estar expressamente relacionados ao
texto constitucional, mas devem se apresentar como ponderação moral do
ordenamento jurídico, em termos de se configurar em requisitos de eticidade
básica relacionados à legitimação sócio-política da constituição.
2 - A dimensão
valorativa dos princípios constitucionais
Inicialmente, nós devemos considerar a existência de necessária distinção entre
princípios constitucionais e princípios meramente legais. Em tal caso,
princípios legais são os dedutíveis do sistema legal com um todo, conquanto os
princípios constitucionais se relacionariam mais particularmente com o direito
constitucional e, mais especificamente, ficam voltados à sistematização de
questões fundamentais do Estado. Por conta disso, os princípios constitucionais
demandariam reflexão jurídica mais complexa, no tocante à interpretação
constitucional. A influência destes princípios, ademais, se deve à peculiar
circunstância destes se refletirem em procedimentos de interpretação da Lei
Fundamental e, deste modo, estando responsáveis pela estabilização do texto
constitucional. Na realidade, tais princípios representam um subgrupo em
relação ao conjunto geral de elementos axiológicos do direito, pois que se
prestariam à revelação de valores fundamentais dedutíveis da própria
constituição escrita. Na medida em que orientam as regras jurídicas materiais,
princípios constitucionais configuram-se em atrativos valores jurídicos
voltados para a fixação de um padrão de eticidade para esta constituição.[iii]
Se princípios constitucionais são valores intrínsecos a todo e qualquer ordenamento
constitucional, provendo um sentido valorativo para o mesmo, modernas
democracias devem enfrentar problemas preliminares relativos aos direitos
fundamentais. Nestes termos, alguns princípios se relacionariam com o Estado de
Direito; em virtude desta expressão denotar um tipo de legalidade demandada por
sociedades abertas e democráticas. Por conseguinte, o constitucionalismo
democrático necessita de definir um esquema jurídico politicamente protetor dos
direitos da pessoa humana. E, assim sendo, a constituição escrita adquire um
caráter de unidade moral do discurso político, no sentido de que,
conforme atestaria Richard Kay, a polis de per si passa a
adquirir um standard moral que não pode ser considerado independente daquele
possuído pelos membros da comunidade política.[iv]
Tendo-se por conta os fatores acima expostos, constituições democráticas
objetivariam a limitação de potencialidades opressivas do poder político,
estabelecendo-se certos princípios gerais que são impositivos em relação à
autoridade governamental, e que, portanto, ficam devidamente localizados acima
daquela.[v]
A perspectiva do constitucionalismo escrito envolveria específicos argumentos
relacionados à absoluta conexão entre a concepção liberal de legalidade e o
desenvolvimento de uma hierarquia normativa restritiva em termos de contenção
jurídica da volição governamental. No mais, o poder constituinte originário
conferiria um padrão legal de legitimidade necessária para o controle político
do poder. Aliás, um constitucionalismo democrático demandaria que o poder
constituído estivesse exercido em conformidade com certos princípios, para que
as autoridades constituídas exerçam poder de acordo com as expectativas básicas
reveladas pela Lei Fundamental. Isso objetaria a arbitrariedade política,
desenvolvendo-se um Estado democrático que também é de Direito.
Nos Estados Unidos, por exemplo, certos princípios como os da separação de
poderes (horizontal e vertical) e o do autogoverno, compõem aquilo que se
convencionou denominar de dimensão básica do constitucionalismo material.
Relativamente à especial proteção de princípios constitucionais, que poderão ou
não estar encontrados no corpo da Lei Fundamental, verifica-se o reconhecimento
de valores explícitos ou implícitos em relação ao conteúdo formal da
constituição. Por isso, se as cortes judiciais daquele país também produzem um
determinado tipo de jurisdição constitucional, denominado de controle
incidental de constitucionalidade, a Suprema Corte dos Estados Unidos tem a
capacidade de recusar a aplicação de normas infraconstitucionais razoavelmente
consideradas como incompatíveis com os princípios gerais daquela Constituição.
Trata-se, por conseguinte, do exercício de função adjudicatória através da qual
legislação e atos jurídicos emanados por autoridades constituídas, federais ou
estaduais, podem ser considerados como nulos em virtude do pressuposto básico
da supremacia de valores e regras constitucionais.
Dentre as constituições escritas, o problema básico de identificação dos
princípios constitucionais torna-se menos tormentoso de ser equacionado, quando
comparamos esta problemática com a existente em países desprovidos de
constituição escrita. No constitucionalismo escrito, um documento fundamental e
ao mesmo tempo básico manifesta uma especifica seleção de regras e princípios
constitucionais. Nestes casos, observa-se uma mais nítida diferenciação entre
regras e princípios, sendo que os últimos estão muitas vezes revelados no
próprio texto da constituição.
Em nosso país, a Constituição Federal revela a natureza tridimensional do pacto
federativo, consubstanciando todo um complexo sistema de distribuição, e mesmo
de limitação, vertical de poderes políticos autônomos. Nestes casos, as cortes
judiciárias ficam encarregadas de prover algum tipo de controle de
constitucionalidade das normas jurídicas. Em outros países, poderá até mesmo
existir um tribunal especificamente encarregado de proferir decisões abstratas
de natureza constitucional, como é o caso do Bunderverfassungsgericht na
Alemanha. Este tribunal constitucional federal, diga-se de passagem, foi criado
com a missão básica de proteger não apenas o pacto federativo germânico, mas
também a generalidade dos princípios fundamentais, explícitos ou não, porém
deduzíveis da Lei Fundamental de 1949. Dentre os explicitamente contidos no
texto constitucional alemão, podemos mencionar os princípios da dignidade
humana, da subsidiaridade estatal, e do Estado Social de Direito.
Em nosso caso, a Constituição Federal de 1988 revelou-nos expressamente os
princípios constitucionais da República: a perpetuidade do pacto federativo; a
concepção de Estado democrático de Direito; o princípio republicano da
soberania popular; a postulação da dignidade da pessoa humana; a defesa da
livre-iniciativa; e, last but not least, o princípio do pluralismo
político. Contudo, a manifestação expressa de princípios constitucionais, como
já vimos, não se configura em privilégio nosso. Na França, por exemplo, os
princípios constitucionais também estão expressamente revelados: a soberania
nacional e a defesa dos direitos humanos, assim como definida pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Na realidade, alguns juristas, em particular os juristas anglo-saxões,
alegariam que os princípios constitucionais não podem ser exatamente efetivados
por força de enunciação pela constituição escrita, mas alicerçados dentro de
uma determinada atmosfera social e de tradição jurídica que se permitiria até
mesmo à revogação tácita de aspirações mais utópicas, ou irrealistas, do
legislador constituinte. Neste caso, T.R.S. Allan veio a ponderar que todo e
qualquer princípio constitucional não possui validade prática alguma, salvo se
conectado a uma dimensão valorativa pela qual este mesmo princípio pode
verdadeiramente vir a ser efetivado
Por outro lado, a observação de T.R.S. Allan baseia-se em interpretação de
princípios constitucionais ingleses, motivo pelo qual ficaria associada à
perspectiva jurisprudencial da common law. Ainda assim, as lições deste
importante jurista britânico servem como uma advertência sobre os perigos da
positivação de princípios incompatíveis com os valores básicos de uma
sociedade, para a qual, afinal de contas, tais princípios pretendem se
concretizar. Em muitos países, princípios constitucionais estão positivados sob
uma realidade social bastante instável, bem como fundados em certo momento de
ruptura institucional com um passado recente que se pretenderia definitivamente
revogar. Este tipo de rompimento com o passado foi exatamente o que ocorreu na
Alemanha, motivo pelo qual a sua Lei Fundamental de 1949 consagra princípios
rompedores com a ideologia nacional-socialista.
T.R.S. Allan, portanto, expressa-se em nome de uma realidade sui generis,
que é a do Reino Unido, aonde poderemos encontrar um largo espaço para as
discussões sociológicas, e mesmo filosóficas, sobre a teoria constitucional.
Isso ocorre, basicamente, porque os juristas britânicos não estão limitados às
especificidades formais, e mesmo principiológicas, de uma constituição escrita.
Assim sendo, eles podem discutir os temas do constitucionalismo histórico em
termos mais abstratos, tais como estabelecendo análises a respeito do valor
simbólico do rule of law, bem como o significado do conceito de
soberania parlamentar. Quanto ao último, Sir Ivor Jennings compreendeu que a
sua dimensão axiológica se observaria não apenas exclusivamente em termos de um
‘direito fundamental’ do Parlamento soberano, mas também em relação ao restante
das previsões constitucionais derivadas tanto de processo legislativo quanto da
própria produção jurisprudencial no Reino Unido.[vii]
Obviamente, uma parte considerável dos princípios constitucionais britânicos é
tão antiga que se apresentaria até mesmo como irrevogável pelo Parlamento. São
aparentemente irrevogáveis, neste sentido, aqueles princípios provenientes da
Magna Charta de 1215 (julgamento por tribunal de júri popular, irretroatividade
da pena, devido processo legal, representação legislativa, não taxação sem
representação, etc.). Afinal, em momentos de crise constitucional o povo
britânico vem reconhecendo, com bastante veemência por sinal, todos os seus
mais importantes princípios e direitos constitucionais. Aliás, um certo rei
inglês já perdeu a sua cabeça por conta disso. Daí nos lembrarmos das palavras
de Sir Edward Creasy: “Se a letra da constituição já é de per si merecedora
de toda a nossa admiração, o seu verdadeiro espírito nos é merecedor de
admiração ainda maior”.[viii]
3 - Princípios
constitucionais e interpretação constitucional
Podemos analogamente avaliar que os princípios fundamentais são como luzes
irradiantes para a interpretação constitucional. Afinal, eles provêm o interprete
com elementos axiológicos para uma razoável interpretação e, assim sendo,
desenvolvem uma lógica sistêmica ao ordenamento constitucional.
Indiferentemente ao grau de abstração revelada pelo ordenamento constitucional,
cada princípio oferece uma capacidade de enquadramento valorativo de normas
jurídicas do ordenamento constitucional, servindo a adequação de regras (ou
normas jurídicas) aos casos concretos. Deste modo, a interpretação
constitucional encontra-se operacionalizada por princípios que então procedem à
justificação valorativa das regras do direito positivo.[ix]
Por isso, os princípios constitucionais agiriam como ‘agentes catalisadores’ do
ordenamento constitucional, definindo estratégias razoáveis de interpretação.
Pois que cada princípio emanaria uma dose de legitimação à constituição,
fazendo-se desta última muito mais do que um simples aglomerado de regras
jurídicas desconexas umas com as outras. Antes de tudo, a desconsideração dos
princípios constitucionais destruiria à própria integridade do corpo
constitucional, em função da imperativa necessidade de reconhecimento de
uma certa conexão elementar entre princípios e a própria normatividade do texto
constitucional.
Os princípios constitucionais, portanto, demandam análise direcionada à
legitimidade de regras, ou normas jurídicas. Estes princípios não se
identificam apenas com um único caso concreto, mas com uma percepção mais
genérica do ordenamento jurídico. Como podemos deduzir, os princípios desfrutam
de posição hierárquica superior em relação às normas jurídicas, haja à vista
representarem guiding-forces, ou valores coordenativos, da totalidade do
ordenamento jurídico-constitucional. Neste ponto, se juízes procedem a
julgamentos em conformidade com elementos principiológicos da constituição,
igualmente o cidadão comum possui o mesmo direito de evocar os princípios
constitucionais.
No referente à relação entre princípios constitucionais e prestação
jurisdicional, devemos considerar que as cortes judiciais estão obrigadas a
reconhecer a superioridade dos princípios constitucionais. Ainda que sob a
alegação de princípio implícito, os juízes não podem abdicar de julgar os casos
concretos trazidos diante de seus tribunais.[x] Além da simples justificação de
princípios, cortes de justiça necessitam de harmonizar os princípios entendidos
como fundamentais, no que não se configura em tarefa fácil, contudo essencial à
compreensão do texto constitucional como muito além de simples repertório de
regras isoladas.
Se diferenciarmos os princípios constitucionais de simples regras (ou normas)
jurídicas, então concluiremos que estes últimos estão a prescrever um
relacionamento do tipo ‘tudo-ou-nada’ em relação ao caso concreto. As regras
agem para a adequação da realidade material com o sentido formal da previsão
jurídica. Em outras palavras, elas objetivam a abstração legal de um
determinado fato submetido à regra formalmente prescrita. Em caso de
princípios, estes se aplicariam às circunstâncias previstas por uma miríade de
situações jurídicas, suscitando uma abordagem valorativa no tocante a aplicação
das regras jurídicas. Com isso, Ronald Dworkin considera haver uma distinção
lógica entre regras jurídicas e princípios legais, particularmente no tocante
ao fato de que os princípios se apresentariam em razão argüitiva maior; ou
seja, em correlação com a existência de elementos axiológicos conferentes de
uma certa dimensão de ‘peso’ (weight) e importância para a
interpretação. No caso de normas, se os fatos estão estipulados por uma norma
especifica, então a regra nela contida tornar-se-ia válida. Isso ocorre quando
o caso concreto encontra a sua resposta mediante a própria verificação
intrínseca da regra jurídica.[xi]
Para concluir, deve-se considerar que a perspectiva básica dos princípios
constitucionais não pode ser confundida com a previsão constitucional de normas
programáticas. Normas programáticas, e a nossa Constituição está repleta deste
tipo de normas, apresentam-se como aspiração política do legislador constituinte.
Aliás, constituições do tipo dirigente são as que concebem um maior número de
normas programáticas, demandantes de legislação complementar por parte dos
poderes constituídos. Em contraste com os princípios constitucionais,
dispositivos programáticos possuem um objetivo político mais específico, mas
não fundamental. As normas programáticas definem alguma forma de comando legal
para o poder constituído, requerendo-se deste a concretização de previsões não
auto-aplicáveis no texto constitucional.
4 - A
problemática dos conflitos entre os princípios constitucionais
Tendo-se em conta o simples fato de que constituições escritas requerem algum
tipo de configuração lógica, podemos considerar que o ordenamento
constitucional necessita de estar dotado de algum tipo de razoabilidade
prática. Obviamente, isso demandaria a necessária harmonização não apenas de
regras jurídico-constitucionais, mas, para ainda mais adiante, o
estabelecimento de mútua convivência entre os princípios da constituição.
Como haveríamos de esperar, os próprios princípios constitucionais poderão, em
determinado caso concreto, entrar
Em termos práticos, John Rawls defendeu a projeção de uma suposta ordem léxica
de interpretação constitucional, por meio da qual nós haveríamos de obter uma
mais apropriada esfera interpretativa da constituição. Trata-se, em simples
termos, de se afirmar uma hierarquia de princípios na constituição, de maneira
que um princípio básico se faz primeiramente presente em relação ao
procedimento de interpretação do princípio subseqüente, correlacionado e
inferior ao primeiro. Isso, aliás, poderia ser enquadrado como uma condição
básica para a aplicação daquele princípio subseqüente, tendo-se em vista a
solução mais adequada do caso concreto. Haveria ainda, de acordo com John
Ralws, uma seqüência lógica, ou ordenada, de princípios que se prestaria à
ponderação razoável de valores, segundo a qual um princípio maior adquire peso
absoluto em relação ao seu princípio menor, que se encontra derivado daquele
anteriormente revelado.[xiii]
Ocorre que princípios são muitas vezes diferidos de normas em virtude da
chamada ‘dimensão de peso’ (dimension of weight). Os valores contidos em
princípios ficariam aptos a alcançar uma interpretação razoável para os casos
concretos, mas necessitando de serem previamente ponderados. Qualquer tipo de
colisão entre os princípios constitucionais, neste sentido, demandaria a
complexa avaliação sobre os valores intrinsecamente existentes nestes mesmos
princípios, de modo a ficarem estabelecidos os limites específicos da validade
jurídica, segundo a qual o processo interpretativo procederá a um certo ajustamento
de princípios. Por meio deste tipo de ajustamento, o intérprete da
constituição não haverá necessariamente de se recusar a reconhecer um
determinado princípio qualquer, mas revelar uma capacidade de adaptação em
relação às diversas possibilidades interpretativas do caso concreto.
Na realidade, a própria lógica sistêmica da constituição deveria ser ponderada
pelo intérprete, na medida em que os princípios são recebedores de mandatos
de otimização que se correlacionam à valoração intrínseca dos mesmos.[xiv]
Isso demonstra uma certa existência pluralista dos métodos de interpretação
constitucional, aonde a adoção de determinados princípios dependerá de
circunstâncias não apenas formais, mas também materiais uma vez que
relacionadas ao ‘mundo da vida’.
Por outro lado, a aplicação de vários princípios ao caso concreto também
implica suscitar um problema de intensidade, que é resultante de
conflitos entre princípios a serem resolvidos mediante a abordagem pragmática
do intérprete constitucional. Neste particular, Konrad Hesse sustentaria que os
princípios constitucionais demandariam muito mais do que uma simples
interpretação lógica, mas também uma interpretação que, ao menos em termos mais
propriamente deontológicos, ficaria orientada à própria concretização de
aspirações sociais pela constituição escrita.[xv] Konrad Hesse concordaria com a
visão de Peter Häberle, mediante a qual o ordenamento constitucional de
sociedades democráticas deveria procurar estabelecer uma dimensão amplamente
pluralista da interpretação constitucional, de maneira que os princípios não
venham a obstruir um processo gradativo de mutação constitucional.
Hesse e Härbele concordariam com a suposição básica de que constituições
escritas não deveriam possuir um texto excessivamente analítico, porque toda a
Lei Fundamental deve ser ‘democraticamente aberta’ ao desenvolvimento da
interpretação constitucional. No mais, constituições muito analíticas, como as
do Brasil, Portugal e Espanha, poderiam ‘congelar’ a realidade constitucional,
obstruindo-se todo um importante processo criativo, e mesmo adaptativo, de
interpretação constitucional. Conforme observa Daniel Sarmento a respeito do
conceito de constituição aberta apresentada por Häberle, a Lei Fundamental de
uma sociedade democrática e pluralista não deve[ria] engessar a sociedade,
mas antes fomentar o embate entre idéias e projetos divergentes, convertendo-se
com isso em agente catalisador do ideal democrático e pluralista.[xvi]
Na realidade, o processo interpretativo de uma constituição se desenvolve
particularmente em relação aos chamados hard cases, que são aqueles
‘casos difíceis’ de difícil solução aonde os princípios constitucionais
entrariam
5 -
Considerações finais
Como vimos, os princípios constitucionais representam elementos valorativos, ou
axiológicos, do ordenamento constitucional. Tais princípios não precisam estar
diretamente revelados na constituição escrita, muito embora devam ficar
identificados com algum tipo de aspiração nacional.[xix]
Se estes princípios expressam valores constitucionais, eles carregam consigo
mesmos toda uma sorte de expectativas sociais, fazendo-se a revelação do
constitucionalismo histórico.[xx]
Os princípios podem não estar revelados pela Constituição escrita, mas devem ao
menos estar implícitos na mesma, assegurando a complementação da sistemática
apresentada pelo ordenamento constitucional. Em certos momentos, os princípios
constitucionais arriscam-se a produzir delicados conflitos de interpretação,
demandando uma razoável ponderação de valores. Nestes casos, determinado
princípio constitucional poderá assumir prevalência em relação a um outro de
igual natureza axiológica, muito embora a ponderação de princípios dependa não
apenas da realidade concretamente apresentada, mas também do próprio grau de
razoabilidade no approaching interpretativo.
Para concluir, os princípios constitucionais não são relevantes apenas à
questão do direito positivo, mas também no sentido da concepção sociológica de
valores subsistentes ao ordenamento jurídico-constitucional. Não obstante a
existência de determinados elementos legitimadores do constitucionalismo
democrático, que se encontrariam logicamente correlacionados à questão do
Estado de Direito e da democracia representativa, haveríamos de igualmente
reconhecer uma certa relativização destes princípios, dependentes de especifico
ambiente nacional. Isso não significa, por outro lado, que abdiquemos de
defender um determinado tipo de interpretação mais compromissado com a natureza
garantiste do constitucionalismo democrático, que então se encontraria
primeiramente voltado à fundamental garantia dos direitos inalienáveis da
pessoa humana.
BIBLIOGRAFIA
BÁSICA
ALEXY, Robert;
Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitutionales,
1993.
ALLAN, T.R.S.; Law,
BACHOF, Otto; Normas
Constitucionais Inconstitucionais?. Coimbra: Almedina, 1994.
CREASY,
Sir Edward; The Rise and Progress of the English Constitution.
DONAGHUE,
Stephen; The Clamour of Silent Constitution Principles. Federal Law
Review:
DWORKIN,
Ronald; Taking Rights Seriously.
FULLER,
Lon; The Morality of Law.
HAYEK,
Friederich August von; The Constitution of Liberty.
HESSE, Konrad;
Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios
Constitutionales, 1992.
KAY,
Richard; “American Constitutionalism”. in Constitutionalism: Philosophical
Foundations.
LARRY,
Alexander e SHERWIN, Emily; The Rule of Rules. Durhan: Duke University
Press, 2001.
PEIXINHO,
Manoel Messias; A interpretação da Constituição e os
Princípios Fundamentais: Elementos para um Hermenêutica Constitucional
Renovada.
RAWLS,
John; Theory of Justice. Oxford: Clarendon Press, 1972.
Rothemburg,
Claudius; Princípios Constitucionais.
RUBENFELD,
Jed; “legitimacy and Interpretation”. in Constitutionalism: Philosophical
Foundations. ed.: Larry Alexander,
SARMENTO,
Daniel; “Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Bens”. in Teoria
dos Direitos Fundamentais, org.: Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001.
______ ; A
Ponderação de Interesses Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
SHACKELFORD,
Francis; “The Separation of Powers in the Time of Crisis”. in Government
under the Law, ed.: Arthur Sutherland,
SOUZA NETO,
Claudio Pereira de; Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade
Prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
STERN,
Klaus; Derecho del Estado de
[i] Cf.:
Fuller, Lon; The Morality of Law.
[ii] Kelsen,
Hans; General Theory of Law and State, p.124.
[iii] Em
sentido similar, Larry Alexander and Emily Serwin fazem a seguinte observacao: Legal
principles must fit with existing legal materials – the rules – but they must
be the most morally atractive principles that fit and thus must draw from
morality as well (The Rules of Rules,
[iv] “American
Constitutionalism”, in Constitutionalism: Philosophical Foundations,
p.19.
[v] Cf. Hayek.
Friederich A. von; The Constitution of Liberty, p178.
[vi] Trevor S.
Allan avalia a questao da seguinte maneira: A principle has the attribute of
‘weight’: it argues in favour of a judgment on particular facts, but need not
demand a certain result. It may be overridden or counterbalanced by conflicting
principles, or displaced by operation of a legal rule. Above all, its weight
(or ‘force’) will vary according to all the circunstances of a particular case (Law,
[vii] The
Law and the Constitution, p.65.
[viii] The
Rise and Progress of the English Constitution, p.5. No original: If
letter of the Constitution deserves admiration, still more does its spirit.
[ix] Cf.: Sarmento, Daniel; A Ponderacao de Interesses
na Constituicao Federal, p.43.
[x] Stephen
Donaghe identifica a questao nos seguintes termos: Once its clear that there
is something
implied the Court must
decide exactly what is implied, for it cannot simply wash its hands of casas
that comes before it (The
Clamour of Silent Constitutional Principles, p.171).
[xi] Ronald
Dworkin assim explicita-nos a questao sobre as condicoes de aplicabilidade de
normas juridicas: If the facts a rule stipulates are given, then either the
rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is
not, in which case it contributes nothing to the decision (Taking Rights
Seriously, p.24).
[xii] Cf.: Bachoff, Otto; Normas Constitucionais
Inconstitucionais?
[xiii] Palavras
de John Rawls: This is an order which requires us to satisfy the first
principle in the ordering before we can move on the second, the second before
we consider the third, and so on. A principle does not come into play until
those previous to it are either fully met or do not apply. A serial ordering avoids,
then, having to balance principles at all; those earlier in the ordering have
an absolute weight, so to speak, which the respect to later ones, and hold
without expation (A Theory of Justice, p.48).
[xiv] Cf.: Alexy, Robert; Teoria de los Derechos Fundamentales,
p.86.
[xv] Cf.: Hesse, Konrad; Escritos de Derecho
Constitutional.
[xvi] “Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de
Bens”. Texto do livro Teoria dos Direitos Fundamentais, p.65.
[xvii] Levando-se em consideração a dificuldade de resolução
dos casos difíceis, Ronald Dworkin lançou mão até mesmo de um argumento
contra-fático, segundo o qual um suposto ”Juiz-Hércules” estaria dotado de
habilidades especiais para a solução ideal destes casos. Sobre a questão,
Cláudio Pereira de Souza Neto, em importante livro sobre a matéria, faz as
seguintes ponderações: Dada a magnitude da tarefa, – de se julgar os
casos difíceis – Dworkin lançará mão de uma construção contra-fática que
invoca um juiz Hércules, um juiz onisciente, dotado de habilidades ideais para
conhecer todos os princípios e operar a ligação entre eles, possuindo uma visão
completa do conjunto do direito vigente. È a figura de um juiz ideal que
permite a Dworkin sustentar a tese de que, mesmo para os casos difíceis, existe
apenas uma resposta (decisão) correta. – Jurisdição Constitucional, Democracia
e Racionalidade Prática, p.235.
[xviii] Cf.:
Rubenfeld, Jed; ‘Legitimacy and Interpretation’. Texto do livro Constitutionalism:
Philosophical Foundations, p.226.
[xix] Cf.: Peixinho, Manoel Messias; A Interpretacao da
Constituicao e os Princípios Fundamentais, pp.112-113.
[xx] Cf.: Rothemburg, Claudius; Princípios
Constitucionais, p.65.
Abstract:
In
this present article, we have produced an analysis concerning to the so-called
fundamental principles of constitutional law. It is presented in accordance to
a renewed perspective, which we should consider as connected with matters on
legal philosophy, political theory and sociology of law. Furthermore, these
principles are observed not only in relation to the necessity of legal
interpretation, but also as a matter associated to the morality of law (Lon
Fuller). What is more, there are some important distinctions, such as the
following ones: the positivation of constitutional principles and the
meta-legal reality of fundamental principles; written principles and implied
principles; legal rules and principles of law; social values and legal
principles; material constitutional law and formal constitutional law.
Keywords:
constitutional law; legal philosophy; sociology of law; constitutional
principles; legal interpretation.
Resumo:
Neste artigo,
nós analisamos os princípios constitucionais fundamentais dentro de uma ótica
renovada, a que julgo ser ao mesmo tempo jus-filosófica, de teoria política e
sociológica do Direito. Os princípios constitucionais, deste modo, estão
abordados não apenas segundo o enfoque tradicionalista da interpretação
constitucional, mas tendo-se igualmente em vista aquilo que Lon Fuller
denominaria de moralidade do Direito. Mas há também outras distinções
importantes, tais como as existentes entre: positivação de princípios
constitucionais e realidade meta-jurídica destes princípios; princípios
explícitos e princípios implícitos; normas (ou regras) jurídicas e princípios
de direito; valores sociais e princípios constitucionais; normas materialmente
constitucionais e normas formalmente constitucionais.
Palavras-chave:
direito constitucional; sociologia juridica; filosofia do direito; princípios
constitucionais fundamentais; interpretação constitucional.
* AUGUSTO ZIMMERMANN é
pesquisador do PhD em Direito por Monash University – Faculty of Law
(Austrália). Além disso, é Bacharel em Direito e Mestre