CONCORRÊNCIA,
MONOPÓLIO E ESTADO
Por
Alceu Garcia
http://oindividuo.com/convidado/alceu0.htm
Alceu
Garcia (Pseudônimo de Pedro
Mayall Guilayn) - Rio de Janeiro
Agosto/2002
"O
dinheiro tornou-se mais e mais um Deus ao qual todos tinham que servir e diante
do qual todos tinham que se prosternar. O Deus Celestial tornou-se mais e mais
uma velharia ultrapassada e foi posto de lado para dar espaço ao culto de
mammon. E assim começou um período de total degeneração que se fez
especialmente pernicioso porque ocorria num tempo em que a Nação necessitava de
ideais grandiosos, pois a hora crítica se aproximava. A Alemanha deveria ter se
preparado para proteger com a espada seus esforços de ganhar o pão de cada dia
pacificamente. Infelizmente, a predominância do dinheiro recebeu apoio e sanção
daqueles que deveriam ter se oposto a ela. (...). Na prática, contudo, todas as
virtudes ideais passaram para o segundo plano em relação ao dinheiro, pois
estava claro que, uma vez tomado esse caminho, a nobreza da espada brevemente
seria suplantada pela finança (...). Um sério estado de ruptura econômica
estava sendo urdido pela lenta eliminação do controle pessoal dos investimentos
e a gradual transferência de toda a estrutura econômica para as mãos das
sociedades por ações (...). Desse modo, o trabalho foi rebaixado a objeto de
especulação ao alvedrio de exploradores inescrupulosos. A despersonalização da
propriedade aumentou em grande escala. Os círculos financeiros passaram a
triunfar e progredir lenta mas seguramente na assunção do controle de toda a
vida nacional. A melhor prova de quão longe essa "comercialização" da
nação alemã fôra longe pôde ser vista claramente após a guerra, quando um dos
principais industriais alemães afirmou que somente o comércio poderia reerguer
a Alemanha."
Adolf Hitler, Mein Kampf
Prosseguindo
o debate sobre temas econômicos que tenho a honra de travar com o Professor
Adriano Benayon, passo a tecer as seguintes considerações a respeito de seu
artigo "Intervenção Estatal e Liberdade", publicado recentemente no
prestigioso website do Professor Ricardo Bergamini.
A Concorrência Perfeita Não é Um Padrão Normativo Válido
Benayon
admite que o modelo walrasiano da concorrência perfeita é "irreal e
estático" (sic). Sucede que é ele próprio quem toma esse modelo irreal e
estático como parâmetro normativo para o julgamento dos mercados dinâmicos. No
texto "As Causas da Depressão", também divulgado na página do Prof.
Bergamini, Benayon lamenta que "os EUA chegaram a 1970 com apenas 10% do
conjunto da economia operando em condições próximas às da concorrência
perfeita". E no artigo ora abordado, o professor, malgrado admitindo as
limitações das construções imaginárias dos economistas, sustenta que
"temos, pois, de, ao passar à política econômica, definir parâmetros, não
tão precisos como os daqueles modelos, para fazer que a economia se desenvolva
com a emulação entre as empresas". Esse parâmetro não é outro senão o
modelo irreal e estático da concorrência perfeita. Subsiste, assim, o peso do
argumento que desenvolvi em arrazoado anterior. Não há qualquer razão
científica ou prática para se aceitar uma abstração que retrata um estado final
estático imaginário como critério de avaliação e pressuposto da intervenção
estatal na economia real. Trata-se de uma escolha arbitrária, ideologicamente
conveniente para o autor, visto que, comparado a concorrência perfeita, todos
os mercados são imperfeitos e concentradores (logo, "maus"),
incumbindo ipso facto ao Estado interferir para corrigir as imperfeições e
desfazer as concentrações.
A
inadequação do paradigma da concorrência perfeita fica evidenciada no paradoxo
de que, nesse modelo estático, na verdade não há concorrência alguma, posto
que, a partir do momento em que um ofertante amplia sua fatia de mercado via
diferenciação do produto, inovação tecnológica ou redução de preços, isto é, a
partir do momento em que ele atua competitivamente, está extrapolando os
limites do modelo e caminhando para uma situação de concentração. Esse é o erro
teórico fundador que contamina todo o raciocínio do Prof. Benayon: para haver
competição, os ofertantes não podem agir competitivamente. De maneira que a
concorrência perfeita é uma meta evidentemente absurda. Contudo, para o meu
oponente o Estado deve intervir no domínio econômico para aproximar a economia
real tanto quanto possível de uma meta absurda. É difícil imaginar política
mais catastrófica (com exceção da estatização total), como os resultados
comprovam consistentemente. Voltarei a esse ponto.
Os
Agentes do Estado Não São Seres Sobre-Humanos
Antes
de prosseguir é oportuno examinar outra premissa (oculta) fundamental no
sistema do professor, que denominei em outro estudo de "postulado do
rei-filósofo". É que Benayon assume que os agentes estatais encarregados
da correção dos mercados são oniscientes e benevolentes, i.e., são capazes de
planejar e executar uma alocação ótima dos fatores de produção, ou ao menos uma
alocação mais racional e eficiente da que resultaria do livre jogo das leis
econômicas, e que esses agentes estatais interferem no domínio econômico com
vistas ao puro bem comum, descontaminados de motivos escusos. Em outras
palavras, o meu interlocutor pressupõe não só a concorrência perfeita como
também agentes estatais (políticos e burocratas de carreira) perfeitos. Mais
uma vez estamos diante de uma petição de princípio, ou seja, Benayon dá por
provado justamente aquilo que deveria demonstrar cabalmente antes de persistir
na elaboração de seu sistema. Entretanto, uma vez explicitada a premissa
escondida com pouca habilidade retórica, fica claro que ela é inaceitável, e,
se o alicerce é frágil, toda a estrutura erigida sobre ele fica gravemente
comprometida. Acontece que os agentes públicos não são feitos de estofo
material e moral diferente dos agentes particulares. Simplificando, o ser
humano é sempre o mesmo, seja no setor público, seja no setor privado, com
todas as suas limitações e imperfeições.
Embora
pouco divulgados no Brasil, os economistas da chamada escola da Public
Choice desenvolveram extensas e profundas análises do universo político
partindo de premissas muito mais realistas do que as desposadas por Benayon,
como a de que os agentes estatais atuam segundo seus próprios motivos
egoísticos (motivo do lucro) tanto quanto seus pares no setor privado. A
diferença entre uns e outros é que o operador estatal conta, em última análise,
com a força policial para fazer valer sua vontade, ou seja, ele tem o
privilégio, negado aos particulares, mesmo aos maiores conglomerados
econômicos, de coagir legalmente terceiros a se submeterem aos seus ditames.
Daí se infere que, uma vez munidos de poderes para se imiscuir na esfera
econômica, os agentes do Estado tendem a se servir deles em seu próprio
benefício. De sorte que subsídios serão concedidos mediante comissões "por
fora", licenças e autorizações burocráticas serão vendidas pela melhor
oferta, a concorrência será proibida mediante retorno em dinheiro sonante ou
votos de sindicatos de empregados dos setores protegidos e assim por diante,
das altas esferas até o âmbito mais humilde dos camelôs de rua e seus algozes
do "rapa". Que o leitor minimamente consciente do que se passa ao seu
redor decida quais das premissas, as de Benayon ou as minhas, são mais adequadas
a uma teoria realista.
Mas o
meu ilustrado interlocutor acredita firmemente que os homens investidos dos
poderes públicos são seres superiores. Não fica claro se o professor crê que
esses homens sejam naturalmente superiores ou se somente adquirem essa superioridade
após alcançarem os altos cumes da atividade política. O fato é que no sistema
de Benayon os agentes estatais sabem melhor do que os próprios produtores o que
deve ser produzido, em que quantidade e qualidade e a que preço, e do mesmo
modo sabem melhor do que os consumidores o que é bom para eles. Ora, se o,
digamos, "homo publicus" é um ser perfeito, ou ao menos não tão
imperfeito quanto o "homo privatus", não existe razão de ordem lógica
que impeça que o sistema superior absorva integralmente o sistema inferior. Ou,
o que é a mesma coisa, se o Estado é capaz de organizar o mercado melhor do que
o fariam espontaneamente os milhões de compradores e vendedores que constituem
este último, se o mercado entregue a si mesmo gera inexoravelmente concentração
e miséria, por que não simplesmente suprimir a economia capitalista e deixar
que o Estado ordene justa e racionalmente a produção, distribuição e consumo?
Na atitude injustificadamente dúbia do Prof. Benayon ante a tensão entre esses
dois pólos, Estado e mercado, reside, a meu ver, a falácia suprema que vicia
todo o seu arrazoado. Pois não há motivos para não abolir tout court a economia
de mercado se aceitarmos os postulados básicos do professor. No entanto, ele se
recusa a atravessar esse rubicon, quando nos seus próprios termos estaria
obrigado a fazê-lo. Talvez ele titubeie diante da impossibilidade do cálculo
econômico numa economia estatizada, conforme demonstrado irrefutavelmente por
von Mises, demonstração teórica confirmada historicamente pelo estrondoso,
embaraçoso e inegável fracasso da economia planificada pelo "homo
publicus". Talvez seja essa a razão da relutância de Benayon em aceitar
publicamente a sua filiação marxista, pois é preci so dar crédito a quem de
direito: foi Karl Marx o pioneiro da teoria da concentração e suas supostas
consequências, em especial as depressões. Marxistas igualmente são as fontes
teóricas em que o meu adversário foi sorver seus conhecimentos, como Andre
Gunder Frank, Robert Heilbronner e Werner Sombart. Este último, aliás, depois
de flertar com o socialismo marxista, fez-se precursor intelectual e depois
caloroso adepto do socialismo nazista (não há mesmo grande diferença entre um e
outro), quando então garantia a quem quisesse ouvir que Adolf Hitler comunicava-se
diretamente com Deus e era, consequentemente, infalível. Tamanha fé no
"homo publicus" por excelência que foi o Füeher não discrepa do credo
manifestado por Benayon. O trecho de Mein Kampf em epígrafe ecoa perorações
anteriores de Sombart. E, sejamos francos, também combina perfeitamente com as
assertivas do Professor Adriano Benayon.
As
Preferências dos Consumidores Guiam a Produção
Importa
considerar agora o desafio do meu oponente ao que considero um axioma: a
preponderância do consumidor na economia de mercado. Afirma ele que não é
assim, visto que nos setores concentrados a escolha dos consumidores é limitada
pelas opções oferecidas pelos ofertantes (ou ofertante), condicionados aliás
pela indução publicitária, e que mesmo em condições de concorrência atomística
(múltiplos ofertantes e consumidores) ninguém isoladamente tem peso suficiente
para determinar o que se produz, muito menos os consumidores. O segundo
argumento repousa sobre a falácia do formalismo. De fato, avaliando ex post um
determinado segmento e formalizando-o num modelo, o que vemos são duas curvas,
a da oferta e a da demanda, sendo que o ponto de interseção dá o preço que
"limpa" o mercado. Nessa esfera analítica estática e formal é certo
que é ilícito inferir que os consumidores determinaram quantidade, qualidade e
preço do produto. Ocorre, porém, que os mercados não são relações entre curvas,
mas inter-relações entre seres humanos autônomos, que, na qualidade de
consumidores, adquirem apenas aquilo que, segundo suas escalas valorativas,
vale mais do que o que dão
Imaginemos
que um grupo de pessoas constitua uma sociedade comercial para o fim de
produzir e vender um creme de envelhecimento para mulheres, convença poupadores
a lhes emprestar uma grande soma, adquira os fatores de produção necessários
(terra, trabalho e capital) e invista numa colossal campanha publicitária para
o lançamento do produto. Ainda que operando em condições de monopólio
(proibição de concorrência pelo Estado), essa grande empresa concentradora
muito provavelmente iria à bancarrota em pouquíssimo tempo, vez que não há
publicidade no mundo capaz de convencer as mulheres a envelhecerem mais rápido
do que o necessário. O Professor Benayon ficaria perplexo diante de um diagrama
com uma curva de oferta e sem curva de demanda. Uma pessoa no gôzo de suas
faculdades mentais diria simplesmente que ninguém compraria uma mercadoria
inútil como essa, e é esse o ponto. Os consumidores adquirem o que segundo sua
avaliação é útil. Somente o que é útil faz sucesso no mercado, e são os
usuários dos produtos, ou seja, os consumidores, que decidem o que é útil e o
que não é. Não constitui surpresa, portanto, que não existam cremes de
envelhecimento do mercado, mas certamente não há falta de cremes de
rejuvenescimento.
No que
concerne aos setores em que a oferta está à cargo de um ou poucas empresas, não
há tampouco mistério ou dificuldade. O processo competitivo de mercado resultou
numa situação em que os ofertantes mais eficientes triunfaram sobre os menos
eficientes na luta pela preferência do consumidor. Dito de outra forma, os
consumidores determinaram por suas preferências (comprar ou não comprar o que é
útil segundo seus próprios critérios) manifestadas no mercado a concentração no
lado da oferta. Vejamos o setor dos automóveis. No início somente os ricaços
podiam comprar carros, que, para os padrões atuais, eram pouco melhores do que
carroças. Naquele tempo vigia algo vagamente próximo da concorrência perfeita,
para a alegria do Prof. Benayon, pois centenas de pequenas empresas disputavam
a preferência dos (poucos) compradores. Com a passagem do tempo, contudo,
somente as montadoras mais aptas, as que ofereciam o melhor produto ao menor
preço (do ponto de vista dos compradores!), sobreviveram. Enquanto Henry Ford
criava a concepção do carro popular, emulando seus concorrentes, o mercado foi
se segmentando de modo a oferecer produtos diversificados segundo o gosto e as
posses dos clientes. Hoje a Ferrari fabrica automóveis ultra-sofisticados e
caríssimos, apenas mais os mais abastados, mas a FIAT ganha muito mais dinheiro
(tanto que comprou a Ferrari!) produzindo carros para a classe média.
Atualmente ninguém pode negar que o setor automobilístico é muito concentrado,
com poucos ofertantes. Entretanto, jamais os carros foram tão bons e baratos
quanto são agora, basta comparar com as charangas de tempos idos (não tão
distantes assim!). E seriam bem mais baratos se os impostos não onerassem
pesadamente esse comércio. Um bem de consumo que outrora era privilégio dos
ricos, hoje em dia, em países desenvolvidos, está ao alcance de qualquer
pessoa. O mesmo se pode dizer de dezenas de outros mercados marcados pela
concentração, como o de televisões, rádios, vitrol as, computadores e os demais
"eletroeletrônicos". Como explicar esse fenômeno nos limites da
teoria do Prof. Benayon? Não há explicação, salvo se a teoria estiver, como
evidentemente está, errada.
A
demonização da publicidade pelo meu interlocutor não constitui novidade nem
muito menos é motivo de embaraço. Há muito tempo se diz que o marketing é
desperdício de recursos, prática de concorrência desleal, forma de exercício
nefasto de "poder de mercado", meio de induzir o público a comprar
tralhas inúteis e assim por diante. O mais célebre proponente dessa linha de
abordagem é o famoso economista canadense J. K. Galbraith. Segundo ele, a
publicidade coagiria sub-repticiamente os consumidores a comprarem inutilidades
graças ao seu "efeito-demonstração". Esse argumento foi demolido por
F. Hayek, que observou que, aceitando-se o quadro proposto por Galbraith de que
somente alimento, vestuário básico, sexo e abrigo são bens necessários ao ser
humano, tudo o mais, absolutamente tudo, inclusive os livros de John Kenneth
Galbraith (que vendiam como pão quente na época), são inutilidades, ilusões
criadas malignamente pela propaganda. As premissas desse raciocínio - a
propaganda é ao mesmo tempo inútil e onipotente e o consumidor é um idiota -
não são sérias. Pois falemos sério. No país das maravilhas que é o modelo da
concorrência perfeita do gosto hesitante do Prof. Benayon, a informação, claro,
também é perfeita, isto é, os consumidores estão cientes de tudo o que é
preciso saber sobre tudo o que se vende, preço, qualidade, localização etc.
Nesse vale de lágrimas que é o mundo real, porém, não há almoço grátis. A
informação é um bem econômico, ela tem um custo. Para se decidir a saber tudo
sobre o dvd-player mais moderno da praça o cidadão tem que renunciar a outras
coisas que poderia fazer com o tempo e energia despendidas no esforço de obter
as informações desejadas. A publicidade, então, tem a finalidade de poupar o
trabalho do consumidor, informando-o primeiro da existência do produto, depois
do preço, qualidade, locais onde está à venda e tudo o mais. Para o produtor, a
propaganda integra o custo de produção, tanto quanto os fatores expendidos n a
própria fabricação da mercadoria. Pressupor que as pessoas são imbecis o
suficiente para comprarem qualquer traste somente porque passou um anúncio na televisão
é menosprezar demais o ser humano. O exemplo do creme de feiúra acima explode
facilmente um argumento desse grau de indigência. A verdade é que as pessoas
compram o que acham útil, e a utilidade, e daí o valor, são categorias
subjetivas. Um livro do Prof. Benayon, por exemplo, não tem utilidade para mim,
de modo que na minha ótica ele não possui valor, pelo que eu não o compraria
nem se todos os meios de comunicação trombeteassem incessantemente a maravilha
que essa obra é. Nada impede, todavia, que outras pessoas se interessem pelo
livro e se disponham a adquiri-lo nas livrarias. O consumidor, esse soberano
incompreendido e achincalhado, é quem decide.
A
Essência da Concorrência é Descoberta e Ajuste
Passo a
esboçar um breve estudo da concorrência e do monopólio, no curso do qual os
argumentos e objeções suscitados pelo professor serão enfrentados. Concorrência
pode ser definida como o esforço de dois ou mais interessados autônomos e
rivais para oferecer os termos mais atraentes de uma transação a um terceiro.
Na economia capitalista a competição se dá não só entre os concorrentes de um
único mercado, mas também entre todos os produtores de todos os mercados na
disputa pelo cliente. Isso ocorre em razão da chamada elasticidade da demanda,
ou seja, do fato de que as pessoas decidem entre alternativas heterogêneas e
são sensíveis aos preços oferecidos, de maneira que, se a mercadoria x está
cara demais, elas não compram, preferindo adquirir o produto y ou z. Como o
mundo em que vivemos é marcado pela imperfeição, mutabilidade e incerteza, a
concorrência comercial é necessariamente dinâmica, ou seja, tem que reagir e se
adaptar à circunstâncias perpetuamente cambiantes. Uma vez que o conhecimento
dessas circunstâncias é sempre imperfeito e incompleto para todos os agentes
econômicos, a concorrência funciona como um processo de descoberta de
informações relevantes de modo a que se possa antever e explorar oportunidades
de lucro oferecendo ao consumidor o que ele deseja a um preço superior ao custo
dos fatores de produção expendidos na sua produção. É evidente que o modelo
estático da concorrência perfeita, com seus pressupostos artificiais ao
extremo, é imprestável para se compreender o fenômeno.
Outro
ponto a ser destacado é que os recursos disponíveis para a produção são
escassos, isto é, não dá para se produzir tudo o que todo mundo quer consumir
ao mesmo tempo. É preciso pois economizar recursos, destinando-os para os fins
mais urgentemente desejados pelos consumidores. Afinal, o único objetivo da
produção é o consumo e são os que consomem que estão em posição de orientar por
suas preferências expressadas no dia-a-dia o que deve ser produzido, e não uma
plêiade de burocratas dotados do poder de império do governo, mesmo que
comandados por um indivíduo ilustre e mui sapiente como o Professor Benayon. A
competição comercial e a soberania do consumidor, os pilares da economia
capitalista, asseguram da maneira menos imperfeita possível que os recursos
escassos serão empregados na produção de bens de consumo úteis, e são os
consumidores, os usuários dos bens de consumo, que, como vimos, determinam o
que é útil ou não, bem como a competição força os produtores a produzirem pelo
menor custo possível, o que minimiza o desperdício e libera recursos
economizados para serem usados na feitura de outros bens de consumo.
Concentração
Não é Monopólio
Não
creio que o Prof. Benayon tenha objeções sérias ao que foi até aqui exposto. O
que ele aduz é que esse mecanismo cessa de operar quando sobrevem concentração
no lado da oferta, que ele equipara a monopólio. Faz-se necessário pois uma
digressão sobre a natureza do monopólio. Nos bons tempos dos economistas
clássicos era evidente para o senso comum que o monopólio era o privilégio de
produção e comercialização exclusiva de determinado produto outorgado pelo
Estado, sendo a concorrência rigorosamente proibida sob pena de prisão. A
partir do advento de Marx, Keynes e seus seguidores, porém, essa noção
elementar foi soterrada sob uma montanha de sofismas, todos eles invocados pelo
meu interlocutor na presente discussão. Separado da intervenção estatal, o
conceito de monopólio perde significado e relevância. Se não há proibição
expressa de concorrência, a exclusividade da oferta de um bem ou serviço é o
que há de mais corriqueiro e desimportante. Isso fica claro para qualquer
pessoa sensata - o que não parece ser o caso do Professor Benayon, que tenta
ridicularizar o raciocínio – pelo simples recurso à introspecção. O leitor que
é médico é monopolista de seus próprios serviços de medicina; se é escritor, é
o único produtor de seus próprios escritos, e assim por diante. Somente a
Microsoft pode fabricar e vender programas de computador da Microsoft; apenas
Ronaldinho detém os direitos sobre a oferta do futebol do Ronaldinho aos
interessados em pagá-lo por esse serviço. Não há qualquer mistério nisso. O
monopólio é irrelevante sem proibição legal de concorrência. A despeito de o
Professor Benayon deter o monopólio das aulas e livros de economia do Professor
Benayon, isso não me afeta pois posso escolher os serviços de outros
monopolistas nesse campo mais adequados segundo o meu ponto de vista.
A coisa
se complica um pouco quando se alega que um determinado produtor pode dispor de
vantagens tão grandes em relação aos seus concorrentes que, mesmo sem auxílio
do governo, ele poderia restringir a produção de maneira a cobrar um preço mais
alto do que ele seria sob competição (preço de monopólio), lucrando com isso em
detrimento dos consumidores. Estamos no terreno da teoria da concentração, do poder
de mercado ou do poder de monopólio. Mas o preço é de monopólio comparado a
quê? A crítica inicial a esse argumento centra seu fogo sobre o termo de
comparação, o preço competitivo, que é extraído do modelo da concorrência
perfeita, aquele mesmo que Benayon admite ser "estático e irreal".
Diz-se que o preço é competitivo quando a curva da demanda de cada ofertante é
infinitamente elástica, ou, dispensando o tecnicismo, nenhum vendedor isolado
exerce qualquer influência sobre o preço do produto. Algo assim como um mercado
da batata em equilíbrio, no qual cada fazendeiro que quiser vender suas batatas
não terá alternativa senão oferecê-las pelo preço vigente para todos os demais
fazendeiros, não importando se o volume de batatas que planta é grande ou pequeno.
Essa representação é inaceitável uma vez que um acréscimo na oferta, por menor
que seja, ceteris paribus, eleva o total ofertado e necessariamente exerce
pressão baixista maior ou menor no preço. Em outros termos, a curva da demanda
jamais é perfeitamente horizontal e todo ofertante exerce influência sobre o
preço, mesmo que pequena no caso da concorrência atomística. A conclusão que se
extrai desse raciocínio é que, sendo inválido o termo de comparação "preço
competitivo", não há paradigma nenhum pelo qual se possa qualificar uma
situação como preço de monopólio, posto que todos os ofertantes em todos os
mercados, concentrados ou atomísticos, têm que restringir a produção em algum
ponto (no jargão, no ponto em que o preço não é excedido pelo custo marginal).
Em suma, não existe parâmet ro pelo qual se possa julgar se um preço é
monopolístico ou não (salvo em caso de proibição legal de concorrência, é
claro), se a restrição da produção é de natureza monopolística ou competitiva e
se a alocação de recursos é eficiente ou ineficiente. Um beco sem saída. De
sorte que são espúrias as queixas de Benayon no sentido de culpar a
concentração por desperdício de recursos, má alocação de fatores e fixação de
preços de monopólio. De nada adianta invocar números sobre custos disso e
daquilo, vez que o custo é um fenômeno subjetivo, ou seja, somente quem incorre
nele está em posição de aferir sua conveniência. Como o professor não tem um
termo de comparação racional, a única reclamação que lhe resta contra o padrão
de alocação de recursos e estrutura de preços emanados do mercado é que eles
divergem do que seriam se o próprio Benayon pudesse determiná-los a seu
critério. Como Mises notou, todo estatista é um ditador supremo em potencial
que em seus sonhos megalômanos crê poder ordenar a bagunça humana para a
felicidade geral. Mas delírios de grandeza e perfeição são apenas delírios.
Benayon
verte lágrimas amargas pela dificuldade de se entrar num mercado cuja oferta
está dominada por poucas empresas, visto que, segundo ele, elas barram
competidores potenciais graças ao capital acumulado, à publicidade, impondo
seus produtos aos revendedores, praticando dumping, diferenciando produtos etc.
Dessa maneira essas grandes empresas poderiam forçar os consumidores a
adquirirem produtos mais caros do que o necessário, auferindo gordos lucros de
monopólio no processo. Na realidade a causalidade é precisamente no sentido
oposto, é justamente por terem se sobressaído na satisfação das preferências
dos consumidores que essas empresas cresceram e aumentaram sua fatia de
mercado. Ausência de proibição de entrada num dado ramo comercial não quer
dizer que essa entrada possa ou deva ser fácil. Não pode ser necessariamente
fácil porque tal implicaria em desmontar firmas eficientes, obrigando-as a
operar com baixo nível de capital para que concorrentes potenciais possam
arrecadar facilmente recursos para entrar no ramo. Ora, isso é punir a
eficiência em detrimento do consumidor. Concorrência na economia não é um
esporte com jogadores em condições de igualdade; é um processo no qual os
ganhadores não são os concorrentes e sim os consumidores. É o interesse destes
que deve ser privilegiado, não o dos produtores. Por outro lado, se a entrada
num determinado mercado exige recursos vultosos, isso tem o mérito de
desencorajar amadores e diletantes, pois entregar recursos escassos a
produtores ineficientes significa desperdiçá-los.
Analisemos
mais detidamente esses argumentos no plano teórico, após o que examinaremos a
evidência empírica. Sobre a publicidade já tratamos. Diz-se que a diferenciação
das mercadorias, como as televisões da marca tal que é vendida com os recursos
tais e quais, ou os automóveis que mudam de ano para ano, prejudica os
consumidores por aumentar custos desnecessariamente e permite aos ofertantes
cobrar mais por um produto "da moda" do que ocorreria se todos os
bens fossem homogêneos. Essa heterogeneidade dificultaria ainda o acesso de
novos concorrentes ao mercado. Ora, as coisas não assim por desejo dos
fabricantes. São os consumidores caprichosos e exigentes que demandam produtos
diferenciados, "de marca", "do ano" etc. Se os compradores
preferissem homogeneidade, as coisas seriam homogêneas, assim como na URSS
todos os felizardos que conseguiam adquirir um carro, após 15 anos de espera,
tinham que se contentar com o Lada, pois só haviam Ladas. Diferenciar o produto
é atuar competitivamente. Se vai funcionar e atrair clientela ou não depende
justamente da clientela.
Benayon
alega que o acúmulo e amortização de capital por uma firma grande e antiga
funciona como barreira injusta à entrada de concorrentes no mercado, face ao
custo proibitivo do capital para o novato. Mais uma vez o professor ignora que
o capital é escasso e é justamente o seu preço que equilibra a respectiva oferta
e procura. Benayon segue aqui Proudhon e Keynes, abilolados que acreditavam que
a abolição do juro tornaria magicamente o capital abundante e disponível para
quem quisesse produzir. No mundo real esse gambito só produz inflação. Os bens
de capital não brotam da terra com a mesma facilidade com que se emite
papel-moeda ou se cria moeda-crédito com golpes contábeis. Por ser escasso o
capital tem preço e somente aqueles que puderem e quiserem pagar esse preço
poderão entrar no mercado x ou y, e, dependendo da sua performance e eficiência
maior ou menor do que as empresas estabelecidas, prosperar ou não.
Acusação
mais trombeteada do que provada contra a concentração é o famoso dumping, isto
é, a venda abaixo do custo para quebrar a concorrência e posteriormente elevar
o preço restringindo a produção. Esse tipo de prática é muito raro pela simples
razão de que vender abaixo do custo significa ter prejuízos, custa caro. E as
instalações das firmas que não agüentam a parada e fecham não somem do mapa;
elas podem ser adquiridas e postas para funcionar por interessados assim que a
empresa vencedora elevar seu preço. Para evitar esse perigo o praticante tem
que comprar ele mesmo os ativos dos competidores que vão quebrando, o que
também é caro. No fim das contas, ele se vê forçado a neutralizar os
adversários potenciais sendo eficiente e cobrando o preço mais baixo possível.
Ademais, do ponto de vista do consumidor ocorrências dessa espécie são uma
festa de coisas baratíssimas.
Tampouco
constituem motivo de reprovação e intervenção estatal os contratos vinculantes
por meio dos quais certas empresas e seus revendedores e distribuidores
celebram acordos de exclusividade na comercialização de determinados produtos,
proibidos quaisquer outros, ou contratos em que a venda do produto x é
condicionada à venda do produto y etc. Para começar, trata-se de manifestação
da autonomia da vontade dos contratantes, e, sendo a utilidade e o valor
subjetivos, não há parâmetro para o interventor estatal julgar que contratos de
outra natureza seriam mais benéficos para as partes. Mas esse tipo de prática é
anti-competitiva, restringe a oferta, aumenta preços e prejudica os
consumidores? Essa é a tese do Prof. Benayon. Na verdade os contratos
vinculantes são modos de atuação competitiva dos ofertantes e sujeitas em
última análise ao controle dos consumidores. Esses acordos somente se prolongam
no tempo se os resultados forem compensadores para os contratantes. Quando um
número suficiente de consumidores manifesta insatisfação com o estado de coisas,
reduzindo a demanda, os lucros caem e emergem incentivos para que concorrentes
entrem nos mercados oferecendo alternativas. Na prática o que se constata é que
os contratos vinculantes ampliam a eficiência das redes de distribuição e
reduzem preços, mitigam riscos e incertezas e aumentam investimentos.
Benayon
inquina sobretudo as combinações entre empresas de práticas restritivas e
anti-sociais para justificar a interferência do governo na economia. Vejamos em
primeiro lugar as combinações horizontais, ou cartéis, cujo objeto é a
estipulação de preços comuns a todos e também a repartição da produção em
quotas definidas para cada acordante. Como já visto acima, o primeiro problema
com esse argumento é a ausência de termo de comparação, posto que o "preço
competitivo" da "irreal e estática" concorrência perfeita é uma
miragem e todos os produtores têm que restringir a oferta em algum momento. De
resto, inexistindo obstruções legais à entrada no mercado, combinações dessa
espécie sofrem de instabilidade crônica advinda das próprias forças
competitivas que elas em tese desejariam limitar. Fixar preços muito elevados é
um convite para concorrentes em potencial e quotas fixas estorvam os membros
mais eficientes do cartel, que poderiam lucrar mais baixando preços e
acrescendo a oferta. Na realidade, acordos assim só se mantém estáveis ao longo
do tempo com a "ajuda" dos governos, por exemplo, mediante tarifas
sobre produtos mais baratos do exterior, concessões e autorizações burocráticas
complexas e caras etc. Um exemplo é o setor do petróleo. Quando o cartel da
Opep deu um choque de preços altos no mundo nos anos
Outra
instância de combinação horizontal são as fusões e incorporações entre grandes
empresas, que, em conjunto com as ditas combinações verticais, nas quais a
empresa produtora absorve as distribuidoras, são conspirações terríveis e
infalíveis contra a concorrência, na ótica do professor. Mas ele está errado, e
pelas mesmas razões expendidas acima. Não há parâmetro racional através do qual
se possa julgar a priori se essas absorções resultaram em mais ou menos
eficiência. Somente o tempo permite extrair conclusões analisando a tendência
dos preços por exemplo.
A
Concentração na Prática Sempre Beneficiou os Consumidores
Encerrada
essa abordagem teórica do problema, passo a escrutinar as provas da experiência
histórica dos EUA, berço da primeira e mais famosa lei anti-truste. O primeiro
caso submetido à Suprema Corte na vigência da Lei Sherman teve por objeto uma empresa
do ramo do açúcar refinado que detinha 95% do mercado em
Prossigamos
com o caso da Standard Oil de Rockfeller, o vilão favorito de Benayon. Essa
empresa abocanhou 85% do mercado da refinação de petróleo americano em apenas
20 anos, de
O
Oligopólio da carne enlatada, dominado por 4 empresas, detinha 56% do mercado
em 1935 e apenas 22% em 1972, sem que tenha ocorrido intervenção do governo.
Isso a despeito das líderes do setor terem aperfeiçoado incessantemente seus
métodos produtivos. Os preços no varejo, em termos reais, caíram o tempo todo.
Outro suposta monopolista nefasta seria a Companhia Americana de Alumínio,
Alcoa. Essa firma foi fundada em 1887, quando a libra de alumínio custava 5
dólares. Cinqüenta anos mais tarde a Alcoa dominava praticamente 100% da oferta
de alumínio, cujo preço por libra tinha declinado para... 22 centavos de dólar!
A IBM foi processada por práticas monopolistas em 1969, muito embora sua
participação no mercado de computadores tivesse caído de 78% em 1952 para
apenas 33% na época da ação anti-truste, e, claro, a inovação tecnológica no
período fôra tremenda, assim como a baixa progressiva dos preços.
Haveria
muitos outros casos semelhantes a citar, o que deixo de fazer para não
aborrecer o leitor. O fato é que a conexão entre mercados altamente
concentrados, qualidade em ascensão e preços em declínio é um dado de realidade
flagrante para qualquer indivíduo razoavelmente sensato. Quanto custava uma TV
em 1950 em comparação com o que custa hoje? Quantas pessoas podiam pagar uma
viagem de avião em 1935 e quantas podem pagar atualmente? Os preços aumentaram
ou baixaram? Qual era o preço de uma caneta em 1910 e o que aconteceu após o
advento da esferográfica? Os telefones celulares estão ficando mais caros ou
mais baratos? A inovação tecnológica nesse setor concentracionário estagnou ou
está avançando rápido até demais? E assim por diante. É espantoso como os
preconceitos ideológicos acabam por embotar as melhores mentes, mesmo a de um
intelectual de inteligência e cultura superior como o Professor Benayon,
versado na filosofia altamente complexa de Espinoza. Pois como ele pode afirmar
com seriedade que a concentração resulta em preços altos quando está diante de
um computador rodando programas desenvolvidos por grandes empresas, que há
apenas alguns anos eram privilégio de ricaços, e alguns anos antes somente
governos dispunham de recursos para comprar máquinas muito inferiores a um
reles pentium acessível ao cidadão comum?
Os
Nível dos Salários Depende do Capital Investido Per Capita
Benayon
perde contato com a realidade além do seu padrão normal quando nega que a
acumulação progressiva de capital resulta em aumento dos salários reais.
Segundo ele, a concentração restringe a produção e causa desemprego. Mais uma
vez ele se apoia em Marx e insiste em incorrer na falácia da ociosidade do
capital. Está errado e nada tem a opor ao gritante fato de que a concentração
em muitos setores não impediu o surgimento de múltiplas indústrias novas. É que
a eficiência na produção significa despender em média cada vez menos recursos
para fabricar cada vez mais mercadorias. Os fatores de produção economizados
ficam então disponíveis para emprego em outras linhas de produção. Em 1600 65%
da população britânica labutava na agricultura, e o volume produzido nem sempre
dava para alimentar toda a população da ilha, assolada periodicamente por
fomes. Hoje, apenas 1% da população faz trabalho agrícola, e a quantidade
produzida é muito maior do que era outrora. É claro que se não tivesse ocorrido
avanços técnicos e emprego de capital acumulado na agricultura, a maior parte
da força de trabalho do mundo todo ainda estaria presa ao campo. Como isso
mudou, o trabalho liberado pôde ser utilizado na indústria e nos serviços. A
produtividade agrícola é tal na atualidade que, se em 1800 o preço do trigo
consumia 32% da renda média dos americanos, hoje consome apenas 1%. Mas Benayon
se recusa a admitir que os salários reais aumentam à medida em que o capital é
acumulado. Pois bem, salário real é o que o assalariado pode comprar com sua
remuneração. À parte o caso do trigo acima, negará o professor que o salário
real médio do ano 2002 permite ao trabalhador adquirir coisas que sequer
existiam em 1950, como celulares, computadores etc., e que o que existia como
alimentos, vestuário, medicamentos, automóveis, televisões etc., custa menos
horas de trabalho atualmente do que naquele época? Não duvido que sim, contudo
o caso passa do debate racional fundado em argume ntos e provas para o âmbito
da psiquiatria ou da psicologia da ideologia.
Se o
mesmo tipo de trabalho não fosse melhor remunerado nos EUA do que no México ou
no Brasil não existiria a intensa migração de trabalhadores brasileiros e
mexicanos para o mercado americano. E por que isso acontece? Porque nos Estados
Unidos há muito mais capital investido per capita do que no Brasil e no México,
de maneira que os salários americanos são muito mais elevados. O Professor
Benayon não teve a bondade de declinar uma teoria dos salários, contentando-se
em impugnar a acima exposta. Será que ele pensa que o nível da remuneração do
trabalho depende apenas da "vontade política" dos governos, de um
simples decreto estatal? Certamente que sim, vez que essa é a alternativa a
quem não reconhece a chamada lei de Say. Se fosse assim, tudo que os governos
da Suazilândia e de Burkhina Fasso precisariam fazer para suprimir a
constrangedora miséria de seus povos seria decretar um salário mínimo de mil,
dez mil, um milhão de dólares! A lei de Say em resumo enuncia simples
obviedades econômicas. Que para consumir é preciso antes produzir; que quem
consome algo adquirido por troca teve que oferecer produção sua ou alheia (de
seus pais, por exemplo) em retorno; que não pode haver superprodução geral de
mercadorias úteis e escassas, pois sempre existe demanda por elas e os preços
livres equilibram dinamicamente oferta e procura. Benayon e a maioria dos
economistas influenciados por Marx e Keynes pensam que o teorema de
Jean-Baptiste Say foi refutado por seus mestres, o que é uma piada. Marx
concebeu o esquema D-M-D para "provar" que o capitalista parasita
trocava dinheiro por mercadorias e mercadorias por dinheiro, nada produzindo
ele próprio. A falácia está em que o capitalista trocou o excedente do que
produziu e não consumiu por dinheiro antes, isto é, poupou. E o empresário
executa um serviço, o da organização dos fatores de produção em atendimento às
demandas dos consumidores, serviço esse naturalmente remunerado pelo lucro (e
penalizado pelo preju ízo no caso dos consumidores reprovarem o serviço). Já
Keynes passou por cima da lei de Say sem enfrentá-la expulsando a microeconomia
de suas curvas mirabolantes de agregados. Quem raciocina sobre premissas e
teorias absurdas acaba chafurdando em conclusões absurdas, como infelizmente
sucede com o guru da direita nacionalista brasileira. Por exemplo, a imputação
do professor do suposto genocídio malthusiano promovido pelas oligarquias
econômicas para reduzir a população mundial e mitigar o desemprego das massas.
Isso num momento em que a população global não pára de crescer aceleradamente,
estabilizando-se apenas nos países capitalistas mais avançados e por razões
totalmente desvinculadas de políticas específicas de seus governos.
A
matematização da lei da utilidade marginal por Jevons e Walras não foi seguida
pelo outro descobridor do princípio, Carl Menger, de maneira que o conceito de
produtividade marginal tem uma longa tradição de enunciação lógico-verbal, não
matemática, no seio da escola austríaca de economia. E o significado desse
enunciado é que o empregador calcula a melhor combinação de fatores possível
segundo a contribuição de uma unidade de cada fator, como o trabalho, e a
remuneração do trabalho depende da contribuição da última unidade adicionada, a
unidade marginal, tanto em relação a uma indústria em particular quanto em
relação ao conjunto da economia. A produtividade dessa última unidade de
trabalho aumenta em termos relativos ou absolutos na medida em que mais
unidades de capital (máquinas, ferramentas etc.) são também adicionadas.
Produzindo mais, o assalariado também consumirá mais, ou, em outras palavras,
os salários reais subirão. Imagine o leitor que está isolado numa ilha deserta
sem víveres. Para sobreviver terá que produzir, e seu trabalho será mais
produtivo se dispuser de objetos como facas, machados, pás, isqueiros, linhas,
anzóis e martelos do que se tiver que começar com as mãos nuas. É óbvio.
A
Moeda e as Depressões
Benayon
afirma que a teoria monetária das depressões é inválida, preferindo atribuí-las
à concentração e à submissão do Estado aos grandes grupos da finança. Ocorre
que o fenômeno das depressões já acontecia muito antes de existir algo próximo
da concentração industrial e financeira do século 20, conforme demonstrado por
Rothbard no seu estudo sobre a crise de 1819 nos Estados Unidos, fartamente
apoiado
Benayon
até concorda que a expansão do crédito alimenta bolhas especulativas, mas
atribui isso ao controle do Estado pelos grandes grupos bancários, malgrado
esses conglomerados não existissem no início do século 19 e as bolhas
alimentadas por liquidez bancária excessiva já acontecessem. Porém, o agente
ativo nessa eterna conspiração inflacionária, aquele que detém o poder de
império e de polícia, aquele que concede ou não a autorização para um banco
funcionar, que diz o nível de reservas com que ele pode operar, que fixa a taxa
de juros básica do mercado, esse agente é sempre o Estado. E por que o Estado
expande o crédito? Porque ele é comandado por políticos ávidos por popularidade
no curto prazo, e a inflação costuma provocar surtos de prosperidade artificial
no curto e médio prazo. Porque o Estado precisa de dinheiro para financiar suas
extravagâncias e privilégios, e que maneira melhor de obter dinheiro do que
criar dinheiro do nada, sobretudo depois do fim da vinculação da moeda aos
metais? Benayon parece ignorar a história dos bancos centrais, a começar pelo
Banco da Inglaterra, instituição financeira mimada por privilégios tais como o
de suspender pagamentos, administrar recursos públicos, exclusividade na
emissão de notas, emitir títulos etc. O professor não deveria ignorar que a intervenção
estatal em assuntos monetários para se locupletar vem de longe, do tempo em que
os monarcas misturavam chumbo nas moedas de ouro e prata e obrigavam por
decreto as pessoas a aceitarem-nas, sob pena de prisão ou morte, pelo seu valor
nominal. A alta finança não é naturalmente inocente nesse jogo perverso, mas
ela não teria as facilidades que tem sem a espada do poder político, que já
fazia o mesmo que faz hoje em priscas eras, muito antes de existirem bancos.
As
Grotescas Tiradas Demagógicas do Professor
Embora
tenha sido cansativo refutar os argumentos de Benayon até aqui, ao menos resta
a satisfação de ter discutido em nível razoável de seriedade. A seriedade do
meu adversário, contudo, degringola de vez quando ele recorre à mais deslavada
demagogia de passeata do PSTU. Minha tarefa transmuta-se em tédio e
incredulidade ante tal baixeza retórica vinda de um homem sabidamente
inteligente. Mas vamos a isso. Benayon se apresenta como teórico original e
brilhante e outsider desprezado e temido e pelo establishment liberal
preponderante. Na verdade, nada do que o professor aduziu é original, como
estudamos acima, nem muito menos marginal. Com poucas modificações, o que ele
prega é o mesmo que defendem Celso Furtado, Bresser Pereira, Maria da Conceição
Tavares e outros figurões dominantes. A hegemonia liberal, intelectual ou
política, denunciada por Benayon é fruto de sua imaginação febril, em especial
no Brasil, país em que a esquerda é governo e oposição, e intelectuais liberais
contam-se nos dedos das mãos.
O
professor derrama lamúrias pelo "bilhão de seres humanos passando
fome", culpa, claro, do capitalismo concentrador. Mesmo que esse bilhão
viva em países como Índia, Bangladesh, China e na África sub-saariana, onde o
capitalismo, concentrador ou não, jamais existiu, ou está nascendo somente
agora. No caso da China, ademais, quando o governo comunista permitiu a
liberdade econômica em certas regiões do país, o progresso subsequente tem sido
notável. A propósito, será coincidência ou falácia post hoc ergo propter hoc
que desde o advento do capitalismo há 250 anos a população mundial decuplicou?
Se não fossem as técnicas produtivas e investimento de capital na produção de
alimentos, bem como o desenvolvimento de medicamentos pelos grandes
laboratórios, o bilhão de famintos sequer teria nascido e não poderia sonhar
com uma vida melhor, se ao menos seus respectivos governos deixassem.
Meu
interlocutor tem o desplante de exaltar Rooosevelt, cujas políticas
intervencionistas prolongaram uma crise econômica terrível por mais de dez
anos, que mantiveram a economia mundial estagnada, o desemprego altíssimo e
botaram fogo na deterioração do comércio internacional que foi uma das causas
da segunda guerra mundial, ao mesmo tempo que assevera categoricamente que a iniciativa
de Reagan de reduzir impostos e afrouxar um pouco o garrote estatal sobre o
mercado fracassou. Fracassou mesmo? Ainda que discorde frontalmente das teorias
da escola do supply side que o inspiraram, os fatos não mentem. A economia
americana cresceu tremendamente nos anos 80. O que se pode dizer de um
interlocutor que afirma de cara limpa que Roosevelt foi um sucesso econômico e
Reagan foi um malogro? O que o fanatismo ideológico faz com o homem!
Para o
meu eminente adversário toda a miséria mundial deriva da exploração das
multinacionais. O velho truque de inculpar bodes expiatórios pelos próprios
erros. Foram as multinacionais que induziram os governos militares a
inflacionar a moeda nacional por décadas, roubando descaradamente os pobres sem
acesso a aplicações bancárias? Foram as multinacionais que obrigaram o governo
brasileiro a contrair uma imensa dívida externa nos anos 70 para sustentar uma
catastrófica estatização da economia sem paralelo exceto no mundo comunista?
Ah, sim, para Benayon a concentração de poder econômico no Estado, que
incidentalmente é um monopólio, o monopólio da violência, é benéfica em si
mesma, mesmo quando o resultado é a concentração de renda e riqueza nas mãos da
nomenklatura das estatais ("patrimônio do povo", hahaha!) e dos
grupos privados abrigados pela proibição de concorrência externa e mimoseados
com gordos subsídios pagos pelo contribuinte. Se o Brasil dos anos 70 é o
modelo de "justiça social" do professor, não há mesmo o que discutir.
As multinacionais não são culpadas de nada. Elas agregam tecnologia e
capacidade gerencial e empresarial ao país que as recebe, aumentam a
remuneração média dos assalariados e ampliam a estrutura de capital onde se
instalam, posto que não podem amarrar suas fábricas num navio e rebocá-las para
longe se decidirem sair do país. Mas é impossível chamar à razão um indivíduo
afetado pela febre do nacionalismo fanático.
Benayon
teima em qualificar o FMI e Banco Mundial de covis do liberalismo, doutrina
culpada também pelo alto endividamento brasileiro. Calma lá, professor! O
endividamento está explodindo por que o governo foi forçado a abandonar
temporariamente o financiamento do déficit via inflação. Como o rombo continua
– e o tal superávit primário não afasta o déficit quando se somam os juros da
dívida -, e o governo se recusa a cortar gastos, só sobra a senda da dívida
para manter as mamatas e privilégios do setor público e sua clientela. De
resto, a atual administração reconheceu e contabilizou passivos antigos, os
famosos esqueletos, e federalizou dívidas estaduais, municipais e dos bancos
oficiais, o que acresceu algumas centenas de bilhões de reais ao passivo
federal.
É
complicado debater com um economista que ignora o conceito de custo de
oportunidade. Tal equivale a discutir com um matemático que não saiba somar.
Mas infelizmente Benayon é um desses economistas, tanto que atribui em parte o
sucesso da economia americana à dependência da indústria bélica e espacial
privada de encomendas do governo. Francamente, Professor Benayon! Cada
bombardeiro invisível de um bilhão de dólares comprado pelo governo significa
que os contribuintes tiveram um bilhão a menos para gastar ou poupar, o que se
reflete em bens de consumo e de capital muito mais úteis que deixaram de ser
produzidos para que o governo possua uma engenhoca especializada na destruição.
Sem falar que os insumos empregados nos aviões e tralhas espaciais deixaram de
estar disponíveis para a confecção de mercadorias menos espetaculares e mais
necessárias. Basta compreender esse conceito elementar de economia para se dar
conta de que a compra pelo governo de traquitanas bélicas na realidade
empobrece a maioria do povo americano. E com essa eu paro.
A
Direita Nacionalista é Aliada Natural da Esquerda Petista
Foi
surpreendente ver-me atacado com virulência e ódio por certas figuras da
chamada direita nacionalista, ataque esse fundado exatamente nos mesmos
argumentos falaciosos e propaganda boçal que a esquerda petista maneja contra
seus adversários. Os insultos também são iguais nos dois casos. Excluo desse
grupo histérico o Professor Benayon, um cavalheiro com o qual se pode debater
civilizadamente. Benayon, porém, representa ideologicamente bastante bem essa
corrente política num nível intelectual menos grosseiro. Eu descobri por experiência
própria o que liberais de outras gerações vivenciaram no seu tempo: não há
terreno intelectual e moral comum entre o liberalismo e essa direita. Ao
contrário, os pontos de contato doutrinários entre a direita pseudonacionalista
e a esquerda são tão fortes que eles preferem juntar forças contra os inimigos
comuns liberais. Já era assim no tempo do comunismo e do nazi-fascismo. Não é
de estranhar que a linhagem intelectual de ambos descenda de Marx, apesar da
relutância da direita em admiti-lo francamente, e de Hegel. A concepção
"orgânica", coletivista da humanidade em ambas as vertentes desemboca
inevitavelmente no totalitarismo. A direita nacional-socialista brasileira
atualmente está bastante frágil politicamente, pois todo o espaço que ela
ocupou nos bons tempos da ditadura de Vargas e nos anos 70 com os militares foi
tomado pela esquerda comunista e fabiana. Se todavia as circunstâncias mudarem
e essa corrente ressurgir das cinzas, pouca coisa mudará nesse país, salvo para
pior. Direitista ou esquerdista, o socialismo permanece essencialmente a mesma
doutrina insensata e desastrosa. Hitler ou Stalin, tanto faz. Não serve de
consolo para as vítimas que os opressores se apresentem envolvidos na bandeira
nacional ao invés da bandeira vermelha.
BIBLIOGRAFIA
Para
uma análise rigorosa e exauriente e refutação cabal de cada argumento
intervencionista fundado no "poder de mercado" recomendo Antitrust
and Monopoly, de Dominick Armentano. Essa brilhante obra em especial
inspirou o presente artigo. Mais sintético, mas não menos eloquente e
bem-fundamentado, Is Government the Source of Monopoly and Other Essays,
de Yale Brozen, também é fundamental para quem quer se aprofundar nas falácias
da teoria da concentração.
Sobre a
natureza da concorrência é indispensável ler as monografias de Hayek, Individualism
and Economic Order, e de Israel Kirzner, Competição e Atividade
Empresarial.
Ação
Humana, de L. von Mises, e
Man, Economy and State, de M. Rothbard, são os melhores livros para quem
deseja compreender os temas discutidos acima no quadro geral do sistema
econômico.