Advogados, Juízes e
Cartéis
04.07.2010
Conde Loppeux de la Villanueva
http://cavaleiroconde.blogspot.com/2010/07/advogados-juizes-e-carteis.html
Há quem diga que advocacia
no Brasil é profissão liberal. Ledo engano. Lima Barreto estava certo quando
denunciava os bacharelismos inúteis que faziam do Brasil ser o famoso país dos
Bruzundangas. E mesmo no começo do século XX, a advocacia ainda era uma
profissão genuinamente livre, onde se podia militar mesmo sem diploma de
bacharel em direito. A salvação do Brasil daqueles tempos era não ter muitas
universidades disponíveis. Um dos maiores juristas daquela época foi Evaristo
de Morais, um rábula criminalista, que dentre tantos ofícios, defendeu o
assassino de Euclides da Cunha. Conseguiu absolvê-lo. Depois de mais de vinte
anos de advocacia, o notável rábula tirou seu diploma de bacharel em direito.
Se o pequeno romance dos
Bruzundangas já denunciava a mazela do bacharelismo rasteiro que empobrece os
ofícios e restringe o mercado, pode-se dizer que estamos no auge dele. Cada vez
mais sindicatos e demais grupos organizados impõem exigências legais para o
exercício cada vez mais limitado das profissões. A advocacia não foi diferente.
Como não o é o curso de história, de filosofia, de economia e também as
exigências legais de mestrado, doutorado, etc, nessas áreas.
Mas, voltando à
advocacia, a “profissão liberal” é, na verdade, um cartel de
alguns escritórios e famílias notáveis no direito, junto com uma legião de
bacharéis e advogados atomizados, cuja concorrência é devastadora. Não é por
acaso que os advogados de pequena monta, impossibilitados de concorrerem no
mesmo nível dos grandes escritórios, tornam-se “sócios”, para não
exigirem obrigações trabalhistas. Na verdade, é uma relação trabalhista
disfarçada de relação societária. Os direitos trabalhistas são caríssimos e até
impagáveis, sob determinados casos. E os advogados mais afortunados não brincam
em serviço.
Outros aspectos que
dificultam essa concorrência é a lentidão da justiça na legislação. Qual
escritório de advocacia de pequeno porte segurará processos que duram dez ou
vinte anos? O excesso de leis e de burocracia afunila o direito e o acesso à
justiça. Querendo ou não, justiça brasileira é muito cara! Por outro lado, há o
tráfico de influência de um número pequeno de advogados, que detém a
proeminência em relação a juízes e fóruns, além de cartórios. O segredo do
sucesso do advogado no direito brasileiro é a amizade, o conchavo, as boas
relações com os círculos da magistratura e do funcionalismo público. É o velho
patrimonialismo brasileiro, que persevera nos costumes jurídicos. É bem verdade
que o concurso público profissionalizou e melhorou a qualidade dos serviços,
tornando os quadros funcionais mais impessoais. Todavia, a mania
patrimonialista dos favores permanece, enfrentando as dores do tempo.
Não se pode criticar ao
todo o patrimonialismo. Ele é a resposta para uma tradicional anomalia da
burocracia estatal e da legislação brasileira. Quanto mais leis inúteis e
burocratas de má vontade, mais o jeitinho de fugir deles. Não se pode culpar
totalmente o expediente do advogado esperto. Procurar parentes e amigos para
fugir do lugar comum da papelada inútil e do funcionário hostil é a única
solução viável dentro do turbilhão caótico dos fóruns. O problema é entender a
psicologia desse povo. Divulga-se a idéia mágica de que a solução para se
resolver esses problemas burocráticos é criar mais leis e burocracia. No final
das contas, o causídico médio foge das leis vigentes que defende na teoria.
Já vi muito advogado
talentoso afirmar que o problema da justiça brasileira é a “preguiça” da
magistratura ou a “falta” de mais juízes e funcionários. Até
certo ponto, a história da preguiça é um dado verdadeiro. Os juízes só querem
trabalhar alguns dias da semana e não estão dando a mínima para a papelada
jogada no depósito dos fóruns. Muitos deles, de plano, fazem questão de
arquivar muitos processos, para poupar serviços. O ódio entre advogados e
juízes é mútuo. Os advogados, desesperados por uma sentença que dura anos para
sair, infernizam os magistrados rabugentos por mais trabalho. E os juízes se
escondem em seus gabinetes, repassando a batata quente aos assessores, que na
maior má vontade e cara de pau, dizem aos advogados que seus chefes não se
encontram mais em seus recintos.
Se não bastasse a
sociedade cartorial que representa a advocacia atual, existem as provas da OAB,
estranha bizarrice digna das guildas medievais. Há mais ou menos um século,
advogar era um ofício livre. Hoje, não basta ser bacharel em direito. Deve-se
sujeitar ao crivo de uma corporação de ofício. A justificativa é a qualificação
profissional do advogado e a fiscalização da prática jurídica. Na prática,
porém, apenas reserva de mercado, para restringir o livre exercício da
profissão. Daí o estranho costume de muitos bacharéis prepararem suas petições
e pedirem assinaturas de seus colegas advogados registrados na OAB. Anomalia
criada pelo simples fato de que a advocacia se tornou o monopólio de uma
categoria diminuta e privilegiada de pessoas, enfurnada numa guilda moderna. O
advogado da OAB, por assim dizer, não é um profissional liberal, mas uma
aberrante criatura paraestatal.
Não são poucas as vezes
em que penso em fugir dessa sina. Minha vida ideal seria a academia, a
universidade. Mas, tal como na advocacia, a vida acadêmica também é um cartel.
O Brasil ainda é um país mercantilista. O capitalismo não chegou aqui.